A besta que habita em nós escrita por HadassaDermoh


Capítulo 4
Temporada de Caça - 07 de abril


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoinhas adoradas :)
Este capítulo está um pouco mais longo e pode até parecer que há detalhes na história que não condizem com a sinopse, mas tudo faz parte do roteiro hahaha
Qualquer ponto que queira levantar ou criticar é só comentar, estou sempre aberta para opiniões e até mesmo ideias que surgirem.
Boa Leitura!



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07 de abril de 2019

 

— Cadê a mamãe? – A garotinha não entendia o que estava acontecendo, estava tudo tão confuso. Sentia uma enorme vontade de chorar. Chorar é feio, lhe-disseram. Ela não derramaria uma única lágrima, ainda que não soubesse porque sua mãe não aparecia ou não havia ido buscá-la na escola.

— Sua mãe está um pouco doente e a levamos para o hospital, vai poder vê-la quando estiver melhor – Disse a mulher que desde que chegou ao local, não havia soltado a mão de Elizabeth.

— Ela tá com gripe? – Perguntou entristecida, se sua mãe não estava ali, certamente teria que ficar com o seu pai – Não quero ficar com ele.

— Com quem? – Interrogou a desconhecida.

— Papai... – Sussurrou. Não queria que ele escutasse, seja onde estivesse.

Elizabeth abriu os olhos assustada. Há tempos não sonhava com sua infância. Parecia tudo tão real. Coçou os olhos tentando se acostumar com a claridade excessiva. Uma dor pontiaguda no braço direito a fez perceber que estava recebendo soro. Sentou-se e sua atenção voltou-se para o ambiente em que estava, um quarto de hospital. Em uma poltrona próxima a janela estava seu tio sentado. Ele a observava com olhos ferozes.

— O que aconteceu? – Não conseguia lembrar-se de praticamente nada – Nossa, parece que eu dormi por um século.  

— Um dia, dormiu 24 horas direto, não está lembrada? – Retrucou ele aproximando-se da cama. Elizabeth sabia, o humor dele não estava nada bom e ela não sabia o que dizer. O silêncio dela como resposta, o irritou profundamente. Ele socou a parede com raiva e a menina se agitou, assustada – Você foge de casa e é encontrada em um beco fedido com um homem morto! Isso é pouco pra você?

— Como é? – Elizabeth teve um desejo insano de começar a rir, aquilo certamente era mais uma brincadeirinha de Jorge, mais um jogo dele para bagunçar seu psicológico abalado. Vislumbrou a carranca dele e tentou encontrar algum vestígio de que tudo aquilo não era verdade. Não poderia ser.

— Desculpa... – Jorge segurou a mão da sobrinha, estava buscando calma para toda aquela situação – Nem perguntei como você está.

— Isto é mentira, não é? – Elizabeth engoliu em seco – Tudo o que você disse – Ela riu, achando graça daquela cena em que se encontrava com Jorge – Desmaiada ao lado de um homem morto?

— Ele foi assassinado – Jorge se afastou da cama enquanto limpava seus óculos de grau – Elizabeth, você o matou.

Matar. Ato de tirar a vida de outro ser vivo. Elizabeth muitas vezes pensou em matar, em tirar a vida de todos aqueles que de certa forma a machucaram. Mas no fundo, sempre acreditou que não valeria a pena. Que sua vida era muito mais que passar anos atrás das grades, encaixotada. Não, ela jamais mataria. Não por falta de vontade, mas porque tinha medo do seu castigo. Então, toda aquela história que Jorge estava contando, era surreal demais. Ela não podia ter matado alguém. Não se recordava disso.

— Não faz sentido...

— De acordo com a polícia, eles acreditam que aconteceu uma briga física entre você e o homem – Jorge colocou os óculos – Na verdade, eles estão criando mil e umas teorias para o que aconteceu, mas tudo só poderá ser esclarecido com o seu depoimento – Ele encolheu os ombros – Sem câmeras. Sem vizinhos. Sem testemunhas. Apenas você e o morto, totalmente... – Jorge parecia tremer, estava sem palavras – Eu vi, Elizabeth. Não há palavras para descrever o horror que aquele homem deve ter sentido, parecia que tinha sido atacado por um animal.

Elizabeth piscou algumas vezes e fez algumas caretas enquanto digeria ou tentava digerir, o que o tio estava dizendo. Deitou-se novamente, pensando na possibilidade de tudo ser apenas um grande pesadelo. Fechou os olhos e tentou lembrar de alguma coisa. Tinha consciência do bar em que tinha ido, sempre ia lá quando estava um pouco depressiva, mas de matar um homem. Nada. Não havia nada em mente, parecia que tinha sofrido um apagão.

— Avisarei as enfermeiras que está acordada – Jorge abriu a porta e prestes a sair fitou a menina – Prepare sua fala. Os policiais estão de guarda no hospital.

— O que foi que eu fiz? – Perguntou-se com medo de si mesma. Poderia ser verdade aquela história?

O celular de Jorge começou a vibrar em cima de uma mesinha, do lado esquerdo da cama. Com dificuldade, Elizabeth alcançou o aparelho, não havia identificação do número, atendeu mesmo assim. Não teve tempo de se pronunciar, uma voz feminina começou a dizer coisas totalmente sem nexo. Ele escapou há três dias atrás. Tenha cuidado. Elizabeth não compreendeu foi nada – Quem está falando?

— Esse número não é do Jorge? – A voz parecia mais alterada nesse momento.

— Ele não está aqui... – Elizabeth só pode ouvir a seguir, o som da chamada sendo desligada. Largou o celular. Respirou fundo. Tudo estava tão estranho. A porta foi aberta e por ela, um homem de aparentemente 40 anos, entrou sorridente.

— Como está mocinha?

— Nem um pouco bem... – Elizabeth olhou para o médico em um pedido silencioso de socorro, nada estava bem – Fisicamente me sinto ótima, mas me disseram que matei um homem. Há como eu estar bem, numa situação assim?

— Consegue se lembrar de como o assassinou?

— Não... De nada.

— Então, você não matou ninguém – O médico fez algumas anotações em uma ficha – Elizabeth, você tem alguns hematomas e arranhões, mas nada demais, além da quantidade absurdamente alta de álcool que havia no seu sangue, todos os exames apresentaram boas condições, nenhum traumatismo ou lesão. Realmente, a senhorita está ótima e poderá ir para casa assim que terminar esta medicação – Ele apontou para o soro – Encaminharei você a um psicólogo  e um neurologista, ele poderá explicar o porquê de você não lembrar de nada – O médico piscou e sussurrou –  Acredito que deva ser efeito do álcool – Em seguida saiu do quarto sem dar mais informações.  

******

Aquele dia foi terrivelmente agitado, após dar alto no hospital, Elizabeth foi para casa ainda confusa. Jorge havia dito algo sobre conversar com um advogado antes de depor na polícia. Ela não contestou. Sentia-se inútil, como nunca antes. Ainda se perguntava quem havia ligado para Jorge e até cogitou a ideia de perguntar a ele, mas sabia que o tio não contaria nada. Ele escapou. Sua curiosidade estava atiçada para saber de quem se tratava, só que antes teria de resolver sua situação com a lei. Pediu que fosse a delegacia. Queria ver a face do homem que a acusavam de ter matado.

— Querida, precisamos conversar – A mulher negra entrou na pequena sala. Em seu colo tinha um pequeno filhote de cachorrinho. Não devia ter mais que um mês.

— Deixa eu pegar? – Elizabeth perguntou com os bracinhos estendidos. A mulher lhe entregou o filhote. Era totalmente de pelagem preta e peluda. Os olhinhos eram castanhos e fofos. A menina havia se apaixonado intensamente pelo pequeno animal.

— É um presente para você... – A mulher sorriu tristemente – Para te fazer companhia, imagino que esteja sentindo-se sozinha.

— Por que a mamãe ainda não venho me ver?

— Elizabeth, sua mãe estava muito doente... – Érita não sabia como prosseguir. Não existiam expressões que fossem amenizar a dor que a criança a sua frente iria sentir. Desde que encontrou Elizabeth na escola, sabia que havia algo de errado em todo aquele acidente familiar e era terrível, depois de dias, ter que contar a verdade a menina - Deus preferiu que ela fosse morar com ele.

— Ela morreu? – Elizabeth apesar de nova, conhecia muito bem o significado de “papai do céu levou sua mãe”. Nunca mais veria ela. Apertou o cachorro em seus braços e saiu correndo para fora daquela sala.

 

As lágrimas corriam desenfreadamente. Elizabeth olhou-se no espelho e as tentou secar, sem muito sucesso. Odiava chorar. Fraqueza. Respirou fundo, tentava se acalmar a todo custo. Voltar a polícia, depois de doze anos, não estava sendo fácil. Naquele lugar, descobriu que não veria mais sua mãe. Atualmente, ela sabia que não tinha sido uma gripe, que a tinha levado embora. Era tudo tão cruel. Mas a cada dia que passava, ela lembrava-se de mais detalhes. Passou a base e o pó na face e saiu do banheiro. Encontrou os olhos de Jorge. Ele parecia preocupado e ela sabia que não era com ela. Ele não se preocupava com ninguém que não fosse ele mesmo. Tinha dado merda. Sorriu vitoriosa para ele. Talvez tivesse algo haver com a ligação de mais cedo.

— Algum problema Jorge? – Fez a melhor expressão de desentendida – Parece tão pálido e preocupado.

— Pare com todo esse sarcasmo – Ele sussurrou com raiva, uma única lágrima escorreu pelo canto do seu olho – Vera está morta – Ele passou trombando na sobrinha e saiu para fora do saguão, batendo a porta com toda sua força.

O sorriso de Elizabeth se desfez. Vera era irmã de Jorge. Eram inseparáveis e por instantes, sentiu por ele um pouco de empatia. Não que ele merecesse, mas ela não era um monstro. Sabia como doía perder alguém que ama. Jorge só amava Vera e agora, ela estava morta.

— Elizabeth? – Um homem fardado apareceu na porta.

— Eu... – Ela o seguiu para dentro da sala. Sentia algo diferente dentro de si. Não sabia como explicar. Satisfação, talvez. Sentou na cadeira de madeira e fitou os dois homens na sala. Estava na hora da verdade.

— Eu sei que não sou eu que começo falando, mas queria antes de mais nada, ver uma fotografia dele. Não me lembro de nada, tinha bebido. Talvez se eu ver a foto, posso lembrar-me do que ocorreu e responder as perguntas de vocês – Ela analisou a expressão do homem a sua frente, o delegado Corrêa. Ele deslizou uma fotografia sobre a mesa. Ela sorriu em agradecimento.

Elizabeth pegou a fotografia e analisou o homem de meia idade. Flashes do que aconteceram vieram em sua mente embaralhados. Lembrava-se daquele homem. Ele havia seguido ela. Mas quem o matou? O mascarado. Como pudera esquecer disso? Seria estuprada, tinha certeza. Antes de desmaiar, lembrou-se de ver alguém de máscara próximo a onde estava. Foi ele. Só podia ser aquele homem o assassino.

— Lembra deste homem? – Corrêa pergunta apontando o indicador para a foto em mãos.

— Vagamente – Ela fitou os olhos castanhos do delegado, firmou seu olhar – Ele me seguiu até a rua, acho que ele queria me machucar. Então, com medo e por causa da bebida, eu devo ter desmaiado – Ela largou a fotografia em cima da mesa – Desculpa, é só de que me lembro.  

— Então, você não sabe dizer como que ele morreu? – O delegado parecia desconfiado, talvez ele soubesse que ela estava mentindo.

— Não, eu não faço ideia – E ela realmente não sabia quem era, mas faria o possível e o impossível para descobrir.


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