Solstício de Verão escrita por Benuzinha


Capítulo 11
O despertar de Minos


Notas iniciais do capítulo

Agradecimento especial à Mariana que me ajudou muito com as pesquisas, ideias e sugestões malignas pra esse final ❤



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Reidar ouviu os gritos de sua família e sentiu sua mente se despedaçar. Ele fechou os olhos e tentou se forçar a acordar daquele pesadelo.

— Não adianta – o espectro de Dríade comentou, adivinhando seu intento. – Isso não é um sonho. Despeça-se de sua família terrena, o senhor Aiacos não tem a menor compaixão pelos humanos.

— Vocês estão todos loucos! Falam como se não fossem também!

— Nós não somos e você sabe muito bem disso.

— Eu não...

Reidar se interrompeu quando ouviu a voz dos familiares ecoando pelo descampado da fazenda e chegando até ele. Aiacos acabava de chegar na casa e os soldados haviam capturado toda a família e os levaram até a varanda na frente da casa, esperando apenas uma ordem final para dar cabo de todos.

— Ah, a doce família que criou aquele digno de receber a Estrela Celeste da Nobreza – o Garuda olhou para os quatro, um a um. - Alguma coisa está impedindo seu despertar, alguma coisa poderosa, seria a ligação familiar?

— Quem são vocês? – Egil usou toda sua coragem para performar o papel de homem da casa e enfrentar os intrusos.

— Somos os mensageiros da morte – Aiacos se aproximou e Egil estremeceu. – Tenho a suspeita de que se me livrar de vocês, Minos finalmente vai aparecer.

— Quem é Minos?! – Trine foi a próxima a se manifestar.

— Você o conhecerá no mundo dos mortos, quando ele julgar sua alma – ele respondeu e se aproximou, tirando-a das mãos do espectro que a mantinha presa.

Reidar olhava fixamente para a cena e Aiacos retribuiu o olhar com intensidade. Agora, as íris de rapaz brilhavam amarelas como dois sóis. Ele se aproximou, ao mesmo tempo em que seus cabelos voltavam a mostrar aquele brilho prateado e parou a poucos centímetros da irmã, que olhava agora para ele com um misto de medo e incredulidade.

Ninguém falou uma palavra, presos no encanto daquela cena sobrenatural. Até que Reidar recuou três passos e um grito escapou de sua garganta, ecoando pela fazenda, a aura maligna arroxeada rodeou seu corpo e a sapuris negra de Griffon o revestiu.

Aiacos, vendo que o companheiro, de cabeça baixa e os olhos ocultos sob a franja, ainda não estava com pleno controle daquele corpo, largou a menina e deu dois passos para trás.

Longos fios saíram das pontas dos dedos de Minos, que luziam agora em um tom agourento de púrpura. Eles enrodilharam a garota, que não teve como evitar soltar um grito muito alto.

Aquilo pareceu irritar o espectro semiadormecido, que fez um movimento com as mãos e, no instante seguinte, todos os membros de Trine se movimentaram em ângulos estranhos, contra sua vontade.

Os olhos de Minos brilharam com intensidade e ele ergueu a cabeça, um sorriso sinistro estampado em sua face. E, com um último grito apavorante, e o som terrível de ossos quebrando, o corpo de Trine caiu pesadamente no chão, sem vida.

Os soldados espectros, que até ali haviam mantido os outros reféns presos, seguiram o exemplo de Aiacos e os soltaram, recuando uns bons passos para trás. Os três humanos correram para o corpo da garota, que permanecia inerte.

— Reidar! – Nora olhou para aquele que deveria ser seu filho. – Reidar, o que está acontecendo?

Egil apenas mantinha as mãos na cabeça e os olhos fechados, sentado no chão ao lado da filha e Cecilie chorava copiosamente.

Aiacos arriscou se aproximar do companheiro e colocou a mão em seu ombro.

— Em respeito ao tempo que cuidaram do receptáculo de Minos, deixarei que ele decida o que vai fazer com vocês – ele falou, olhando para os três.

Minos ergueu novamente as duas mãos, mas dessa vez elas não brilhavam. Estavam com as palmas para cima e ele as encarava como se não pertencessem a ele. Como de fato não pertenciam. Ele sacudiu a cabeça e recuou.

— Minos? – Aiacos chamou.

O espectro de Griffon não respondeu, desvencilhando-se do companheiro e se afastando, atordoado.

Repentinamente ele parou, abriu as asas da sapuris com violência e se voltou na direção dos humanos. Seus olhos brilhavam mais do que nunca e novamente os fios saíram de seus dedos, com velocidade e quantidade maior do que antes. Dessa vez, Egil, Nora e Cecilie foram dominados por eles e, em segundos, seus corpos também jaziam sem vida. Como se a estrela maligna não quisesse dar a chance a Reidar de tentar impedir aquilo.

O brilho assassino de seus olhos apagou e ele voltou a tentar se afastar dali, confuso, esbarrando na cerca de madeira envernizada que cercava a varanda com tanta força que um pedaço dela foi arrancado. Em seguida, abriu novamente as enormes asas negras e, num impulso, ganhou os céus e se afastou da cena horrenda que deixara para trás.

Aiacos, muito contrariado, se preparou para sair atrás do receptáculo fugitivo quando sentiu uma vibração muito sutil vindo de dentro da casa.

— Esperem! – ele se dirigiu aos subordinados, que se preparavam para seguir o rastro de Reidar. – Tem alguma coisa dentro dessa casa. Talvez seja a chave para esse mistério.

Os soldados trocaram olhares entre si, surpresos, mas não pensaram duas vezes em obedecer e voltaram a entrar, seguidos pelo comandante.

Desviando dos corpos sem vida como se não fossem absolutamente nada, Aiacos e seus homens começaram a procurar, cômodo por cômodo, qual poderia ser a resposta para o atraso tão incompreensível do despertar de Minos.

— Senhor – após alguns minutos, um dos soldados chamou Aiacos de dentro do quarto de Cecilie. – Tem uma coisa aqui que seria interessante que visse.

Aiacos seguiu o subordinado, sabendo que ele não o chamaria para ver algo que não fosse realmente importante. Pendurado na parede, um quadro de madeira escura, que retratava um valknut chamou sua atenção. Por dentro do desenho dos três triângulos entrelaçados, a imagem de uma árvore Yggdrasil se destacava. Era uma peça bela e poderosa.

— Ah, então esse era o motivo? – Aiacos direcionou seus olhos sombrios para o símbolo nórdico. – Uma devota de Odin, quem diria...

— O que faremos, senhor? – o espectro perguntou, hesitante.

— Deixe comigo.

Era mesmo dali que vinha a sutil vibração, percebeu o juiz. Algo muito estranho, diferente do cosmo de Atena e seus artefatos, mas igualmente poderoso. Ele andou até o quadro, o encarou por mais alguns instantes e, com um movimento ágil, o desfez em pedaços. Agora, sem as preces fervorosas se Cecilie, a peça perdera grande parte de sua magia.

— Esse simples pedaço de madeira não é páreo para mim – comentou com desdém.

Enquanto isso, Minos voava por cima da floresta que rodeava a fazenda quando sua transformação começou a se desfazer. A sapuris desapareceu e ele caiu pesadamente no meio das árvores, ganhando alguns cortes e arranhões no processo, mas sem nenhum ferimento mais grave. Seu corpo voltou a ter a aparência do rapaz norueguês comum e seus olhos e seus cabelos voltaram à cor normal.

Mas ele sabia que havia feito algo terrível. As imagens estavam gravadas em sua mente desta vez, muito nítidas e ele começou a andar sem rumo pela floresta, tentando entender o que estava realmente acontecendo.

No momento em que o quadro foi destruído, Reidar sentiu sua alma pulsar, como se quisesse sair de seu corpo.

Segurando o próprio peito com desespero, ele continuou andando sem pensar, seu corpo levando-o pela floresta sem que ele tivesse noção do caminho que seguia. Apenas queria ir para longe, bem longe de tudo aquilo.

No entanto, logo Aiacos estava novamente à sua frente, bloqueando seu caminho.

— Pelo visto ainda há mais alguma coisa que o prende – o Garuda parecia muito insatisfeito.

— Grifo! – Reidar exclamou ao ver que Aiacos segurava o coelho pendurado pelas orelhas, que se debatia inutilmente tentando se soltar.

— O senhor Hades logo despertará, você está atrasado Minos de Griffon.

— Quem é você, afinal? – Reidar olhava para o estranho, sem compreender por que aquilo estava acontecendo com ele.

— Eu sou Aiacos de Garuda. Sou um de seus companheiros – ele decidiu finalmente responder. – Nós somos a elite do exército de Hades, os três juízes do inferno.

— Eu sou um membro do exército de Hades? Isso não faz sentido nenhum – Reidar sacudiu a cabeça, a terrível dor voltando.

— Não adianta lutar contra sua estrela, Minos. Deixe-a despertar. Venha e junte-se aos seus companheiros. Venha para o lugar a que verdadeiramente pertence.

— Não!

— Minos de Griffon, a Estrela Celeste da Nobreza – Aiacos elevou seu cosmo, esforçando-se para não perder a paciência. – É assim tão fraco que um simples humano consegue detê-lo? – ele fez uma pausa e então continuou. - Esse coelho insignificante é importante para você, não é, Reidar? – Aiacos mastigou seu nome, saboreando cada letra com uma dose significativa de desprezo. – Lune me contou.

— Não faça isso, por favor – implorou o jovem.

— Não faça o quê? – o temível juiz perguntou, despreocupadamente. – O que eu poderia fazer a esse inocente animal?

Os olhos de Aiacos se direcionavam agora diretamente para os de Grifo, que parecia hipnotizado por ele.

Reidar fechou os olhos, sem coragem de ver o que ele faria com Grifo. Sua mente mandava ele atacar aquele estranho cruel e salvar seu animalzinho, a única coisa que lhe restara, mas seu corpo não o obedecia. Ele estava com muito medo daquele homem e do quanto seu discurso parecia real.

Por isso, ele se virou e correu na direção oposta, para longe deles. Seus olhos, inundados pelas lágrimas de dor e vergonha por fugir e abandonar Grifo, se arregalaram pelo choque ao quase colidir violentamente com Lars. Sem perceber, Reidar fugira na direção da casa do melhor amigo, que acabara de acordar, bem cedo como de costume, para começar a rotina de cuidar da fazenda, alheio a tudo que estava acontecendo na propriedade vizinha.

— Lars! – ele gritou, transtornado e segurou o rapaz pelos ombros. – Corre pra dentro de casa, rápido! Ele está vindo.

— Ele quem?Rei, o que está havendo com você?

— Rápido! – Reidar o empurrou, desesperado. – Ele vai chegar e se ele vir você...

— Reidar, se acalma – Lars se desvencilhou e olhou na direção atrás do amigo. – Quem é aquele homem?

Reidar não precisou seguir o olhar para descobrir de quem ele falava. A aura maligna de Aiacos irradiava, pesada e sufocante. O sol começava a despontar no céu e iluminava a os poucos a .silhueta sombria do espectro.

Em um movimento tão rápido que nenhum dos dois humanos conseguiu acompanhar, Aiacos se aproximou de Lars, tão próximo que seus pés quase se tocaram. O espectro ergueu a mão direita e envolveu o pescoço do fazendeiro com tanta força que o levantou alguns centímetros do chão.

— Solta ele! – Reidar gritou, a voz desafinando de forma constrangedora, mas ele não se importou. Nada mais importava.

— Você ainda está ligado demais aos humanos que conviveram contigo até agora, Minos. Achei que sua família fosse o bastante, depois o coelho, mas vejo agora que este é o último elo que deve ser cortado.

— Por favor, não machuca ele – Reidar implorou, aos prantos. – Eu faço o que você quiser.

— Por favor, Minos, acorde de uma vez – o rosto de Aiacos era do mais profundo desprezo. – Já estou ficando impaciente com todo esse espetáculo patético.

— Reidar... – Lars tentava responder, mas a pressão em sua garganta o sufocava.

De repente, toda aquela pressão desapareceu e Lars caiu pesadamente no chão. Confuso, ele levantou o olhar para Aiacos e depois para Reidar, e foi nesse momento que seu coração falhou uma batida.

Os cabelos de Reidar, que sempre haviam sido loiros como os seus, tomavam, bem diante de seus olhos, uma tonalidade fantástica de um branco prateado, começando na raiz e indo na direção das pontas. Seus olhos passaram do azul celeste para um amarelo sobrenatural. Mas o pior de tudo foi o sorriso. Aquele sorriso maligno que surgiu em seu rosto.

— Até que enfim.

Lars olhou incrédulo para Aiacos, que lançara aquele murmúrio em um tom inconfundivelmente aliviado. E alívio era a última coisa que o rapaz sentiria ao ver aquela transformação demoníaca.

— Bem vindo de volta para mais uma Guerra Santa, Minos de Griffon.

— Aiacos, velho companheiro. – o sorriso de Minos aumentou, o apenas serviu para deixar sua expressão ainda mais terrível. – Pobre Reidar, desistiu de tentar me deter para salvar o amigo.

Com um movimento displicente, Minos arrancou o cordão em seu pescoço e o encarou com um misto de aversão e interesse.

— Era isso que o ajudava a impedir meu despertar.

— Então não era só o símbolo no quarto da velha? – Aiacos ergueu uma sobrancelha.

— Não, aquela mulher foi esperta – ele girou o amuleto em seus dedos, distraído. –Ele sabia que o garoto não estava mais conseguindo me deter. Não que a pobre Cecilie soubesse exatamente o que estava acontecendo, mas ela tinha uma intuição forte - o olhar do espectro de Griffon transformou-se até exalar apenas ódio.– Maldito Odin, quem deu a você o direito de interferir?

O pingente em sua mão começou a tremer e desapareceu, incinerado em uma pequena explosão. O terceiro juiz do inferno estava finalmente desperto e com todo seu poder.

— Vamos para o Castelo – Aiacos abriu as asas de sua sapuris. –Pandora nos aguarda, finalmente os três juízes estarão reunidos.

— Vamos.

Enquanto os dois temíveis espectros ganhavam os céus, seguidos pelos soldados de Aiacos, um arbusto se remexeu bem ao lado de onde Lars ainda estava caído, em estado muito próximo ao choque.

O pássaro asa-de-cera trinou alegremente, pousado em um galho da árvore, alheio a toda aquela cena dantesca. Saudava o novo dia.

Farejando o ar, o terceiro espectador daquele terrível desfecho remexeu as orelhas e, um pouco hesitante, decidiu se aproximar de Lars. Agora, aquele humano era a única coisa que lhe restava, mesmo que o pequeno animal ainda não soubesse.

E, quando o agricultor o viu e o aninhou, com desespero em seus braços, Grifo permitiu o contato, ele mesmo sabendo o quão próximo também estivera da morte.


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Notas finais do capítulo

Finalmente! Minos conseguiu se livrar da influência de Odin, que o prendia e eu matei todo mundo, vixi!



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