Crow on Ice escrita por Caique Morningstar


Capítulo 5
Rachadura




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Eu não tive tempo de perdoar meu pai.

 

 

Não consegui ir ao hospital naquele dia. Não iria conseguir contar para minha irmã o que tinha acontecido. Isolei-me, acovardada, entre as muralhas do meu apartamento.

Quando voltei ao trabalho, minha expressão devia estar terrível, pois Sasuke me perguntou se eu estava bem pela primeira vez. Eu não tinha forças para mentir.

— Não.

— Eu vou fazer um café para alegrar você — disse ele, tentando fazer uma piada sobre o café terrível que fazia. Minha expressão não mudou.

— A Tsunade me contou que você perdeu alguém... Se precisar de algo, seja um ombro pra chorar ou um ouvido pra desabafar... Eu tô aqui.

Olhei para Sasuke, esperando ver zombaria, mas ele estava sério. Eu segurei o gelo firmemente no lugar.

— Obrigada, mas não.

Ele pareceu frustrado e resignado ao mesmo tempo.

 

 

À noite, Ino foi até minha casa. A desorganização do lugar refletia meu estado mental. Ela fez chocolate quente e nos sentamos no meu sofá.

— Você vai ver sua irmã amanhã?

Eu estremeci, mas não respondi, pois ainda não tinha certeza. Ino interpretou meu silêncio corretamente.

— Se quiser, posso te fazer companhia.

Meus olhos estavam baixos. Eu não queria passar na frente do quarto onde meu pai havia morrido. Mas não podia deixar Sayuri sozinha.

— Tudo bem — concordei.

Eu levei flores amarelas e o livro do Bambi. Minha voz tremia tanto que às vezes eu tinha medo de que minha irmã não entendesse a história. Quando o horário de visitas estava quase terminando, foi só a mão firme de Ino segurando a minha que me deu forças para contar para Sayuri da morte do nosso pai. Foi só o apoio de Ino que me impediu de desabar ali mesmo, implorando para que minha irmã não me abandonasse também.

Quando estávamos saindo, eu consegui murmurar uma última frase.

— Espero que pelo menos você consiga sentir o cheiro das flores.

 

 

A muralha de gelo estava rachando.

Eu queria buscar esquecimento no álcool, mas não ousava tocar no assassino da minha família, tão responsável pela minha solidão quanto a decisão do meu pai de sentar atrás do volante naquela noite.

Minha mente traiçoeira me arrastou rapidamente para onde eu menos queria estar. A velocidade do carro. A música no meu celular. Meu pai perdendo o controle, o carro girando, o impacto do lado direito do carro, onde minha mãe e minha irmã estavam, o arrastar do metal, meu pai do lado de fora, o impacto final, o gosto de sangue.

Eu estava no único lugar do carro que não foi atingido diretamente. Os médicos disseram que foi sorte. Para mim, era uma maldição. E eu já não sabia mais onde começava a tristeza e onde terminava o eu.

 

 

— Sakura? — A voz de Sasuke era baixa, mas perfurava todas as minhas barreiras.

— Sim?

— Você se importa se eu fizer o intervalo um pouco mais tarde hoje?

Olhei o relógio.

— Você agendou com a dona Luisa às quatro.

— Eu vou voltar a tempo.

Dei de ombros. Não era como se eu me importasse. Não era como se alguma coisa importasse.

 

 

Três policiais pararam à porta da escola. Eu apertei o botão automaticamente para abrir a porta, confusa.

A única mulher do grupo passou os olhos por mim e encarou Sasuke.

— Você é Uchiha Sasuke?

Ele acenou lentamente com a cabeça, os olhos pretos, pretos. A mulher tirou as algemas do cinto.

— Você está preso pelo assassinato de Chiba Chiyoko.

 

 

Em pé, aguardando para prestar depoimento, eu tremia.

Sasuke estava sendo interrogado, e eu não podia vê-lo ou ouvi-lo. Em compensação, tudo que eu via em minha mente era a expressão dele quando a policial anunciou a prisão.

Ele havia colocado a máscara no lugar, mas ela parecia errada. Era como se ele já estivesse esperando por aquilo, mas ao mesmo tempo algo ruim e odioso queimasse por trás daquela aparência plácida.

Eu estremeci com a lembrança.

— Será que você pode desligar o ar condicionado? — perguntei para o policial que me escoltava.

— Não vai ser necessário. Você vai ser interrogada agora.

 

 

Eles fizeram muitas perguntas sobre Sasuke. Tantas que em determinado ponto eu já não sabia mais o que eles estavam perguntando. Algumas perguntas eram traiçoeiras, outras eram incriminatórias, e outras eram repetidas várias e várias vezes. Quando fui liberada, as ruas estavam escuras e vazias. Fui para casa, esperando que houvesse alguém lá: alguém que se importasse, que perguntasse como havia sido meu dia. Alguém com quem eu poderia reclamar do tratamento dos policiais e desabafar minhas dúvidas sobre Sasuke.

Entrei no meu apartamento entorpecida de frio. As únicas coisas que me receberam foram as sombras.

 


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