Crow on Ice escrita por Caique Morningstar


Capítulo 3
Vergonha


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado à Lily. Obrigado pelo comentário.



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O livro escolhido de sexta-feira foi Bambi, o original por Felix Salten. Era um livro longo, e eu levaria alguns dias para concluí-lo.

Ao sair, apertei a mão gelada de minha irmã em coma. Pensava se ela conseguia me ouvir. Pensava se eu estava lhe fazendo algum bem ao tentar distraí-la do tédio do hospital.

Passei pela porta do quarto onde meu pai estava. Coloquei a mão na maçaneta, mas não abri.

Eu tenho tempo, suspirei. Ainda tenho tempo para perdoá-lo.

Fui embora.

 

 

Sasuke estava conversando com duas alunas. Ele sorria enquanto explicava as vantagens de se fazer os cursos de inglês e espanhol ao mesmo tempo. Elas bebiam suas palavras e concordavam enfaticamente com tudo. Em poucos minutos a venda foi concluída e as duas saíram satisfeitas. Eu suspeitava fortemente que elas concordaram apenas para ver aquele sorriso duas vezes por semana.

Logo em seguida, Sai entrou.

Senti o sangue fugindo das extremidades do meu corpo quando o olhei.

— Ei, Sakura. Não sabia que trabalhava aqui.

A mentira estava cristalizada nos olhos dele. Eu sorri polidamente.

— Bom dia. Em que posso ajudá-lo?

Ele ergueu um panfleto da escola Senju.

— Me interessei no curso de design gráfico.

Sempre com uma desculpa na ponta da língua. Meu sorriso congelou no rosto.

— Sasuke vai atendê-lo. Pode se sentar.

Sai pareceu relutante, mas se sentou diante de Sasuke. Eu me levantei, considerando aquela uma ótima hora para ir ao correio enviar as cartas de cobrança.

O olhar de Sasuke queimou minha nuca quando saí.

 

 

— Então você conhecia o garoto.

Eu tentei continuar a digitar normalmente.

— Sim.

— Ex-namorado? — insistiu Sasuke.

Eu não respondi, mas o meu rosto deve ter me traído.

— Um término ruim, imagino.

— Por que você se importa? — soltei, o encarando.

Ele me encarou de volta. Não havia nada escrito naqueles olhos de carvão.

— É uma boa pergunta.

 

 

O gelo derretia no fundo do copo de uísque. Ino tagarelava sobre sua nova conquista amorosa, um ruivo que eu não fiz questão de gravar o nome. A batida da música na boate reverberava no chão.

Bebi outro gole e o álcool queimou minha garganta.

— Oi, rosada — disse uma voz masculina atrás de mim.

Eu me voltei. O homem mal se mantinha de pé, o copo de cerveja ameaçando derramar. Ensaiei meu melhor olhar de gelo para ele e lhe dei as costas.

— Então? — perguntei à Ino, tentando retomar a conversa.

Mas uma mão segurou meu ombro.

— Vai me ignorar assim?

Eu não gostava de pessoas insistentes. Encarei aquele homem bêbado com desprezo e abri a boca para responder, mas alguém chegou primeiro.

— A rainha do gelo é assim mesmo, Genma — disse a voz de Sasuke. Um segundo depois, ele entrou no meu campo de visão, usando uma camiseta.

— Ah — eu exclamei, finalmente entendendo porque ele só usava camisas até o punho no trabalho. — Você tem tatuagens.

Tatuagens imensas, cobrindo os dois braços com desenhos escuros e retorcidos sobre a pele branca.

— Gostou? — ele perguntou.

— Você parece um rebelde.

Sasuke gargalhou, mais alegre do que o normal, sabendo que eu havia evitado a pergunta.

— Sasuke? — disse uma voz feminina. Uma modelo se aproximou de nosso grupo, um olhar interrogativo para Sasuke. Ino me deu um beliscão na perna.

Ela era linda por inteiro, mas foram os olhos acinzentados que me tiraram o fôlego.

— Já estou indo, Hinata.

Parados lado a lado, eles formavam um contraste incrível. Sasuke era um corvo: misterioso, escuro, turbulento. Hinata era um cisne: elegante, clara, correta. Eu não conseguia parar de olhar de um para o outro.

Hinata sorriu para Sasuke e se afastou sem esperar por ele.

— Vem, Genma. Tchau Sakura. Loirinha.

E eles se foram.

Bebi meu uísque, agora aguado, e fiz uma careta.

— Aquela era a Hyuuga Hinata? A linda, poderosa e rica modelo e herdeira dos Hyuuga? E ela estava conversando com o cara gostoso e tatuado que trabalha com você?

Dei de ombros.

— Não conheço ela.

Ino sacudiu a cabeça.

— Você é um caso perdido.

Pedi um novo drinque, precisando do álcool para me aquecer.

— É por isso que a gente sempre vem aqui? Pra você ter uma chance de ver alguém famoso?

— Pensei que era óbvio. Mas as bebidas de graça também tem seu valor.

Nós duas mergulhamos em um silêncio confortável por alguns minutos.

— Você pensou no que a Tsunade te disse?

Suspirei. Sabia que o assunto ia surgir.

— Pensei. Mas eu não vou a um psicólogo, Ino. Muito menos no “doutor” Uzumaki.

— Você está realmente se negando a ficar trancada numa sala com um deus grego? — Ino perguntou. — Se bem que o Uchiha é bem mais gostoso, e você fica com ele no mesmo cômodo todo dia. Se fosse eu…

— Você já teria agarrado ele, eu sei.

— Falando sério agora, o Naruto é um profissional de saúde mental, né. Ele não vai… Quer dizer, ele é confiável.

— Eu não vou contar sobre a minha vida pra um amigo de infância.

Ino deu um risinho.

— Você só tá incomodada porque ele ainda é apaixonado por você.

— Outra razão pra eu não fazer. Não é ilegal isso? Os psicólogos não podem ser amigos, conhecidos ou familiares.

— Sei lá. Mas aí é só você procurar outro.

— Eu não vou.

— Isso é por causa d… — Encarei-a com meu olhar de iceberg. — Okay, não está mais aqui quem falou.

 

 

Depois de mais alguns drinques, fiquei bêbada o suficiente para dançar. Me enfiei na pista, pulando e balançando no ritmo da música, tentando extravasar todos os sentimentos que eu me esforçava para congelar durante a semana.

Desde o acidente, eu não sabia mais como lidar com minhas emoções. Dançar naquela boate toda sexta-feira à noite era a única forma que eu havia encontrado para extravasar tudo aquilo, deixar fluir todo sentimento antes que eu explodisse.

Eu dancei três músicas e já estava chorando, mas não parei de dançar até sentir o mundo rodar ao meu redor e escurecer de repente.

 

 

Acordei com a cabeça latejando. Tentei me mexer e uma dor horrível se espalhou por um dos lados da cabeça, chegando até o pescoço. Coloquei a mão na boca para não vomitar.

— Sakura?

Abri os olhos minimamente. Estava do lado de fora da boate, e Ino me encarava com apreensão.

— Você está me ouvindo?

Fiz que sim, mas o movimento espalhou uma nova onda de dor. Algo gelado foi colocado na minha cabeça, e eu me sobressaltei, arregalando os olhos.

Sasuke se inclinava sobre mim, os olhos mais pretos do que o normal, tumultuados feito as profundezas de um oceano sem luz cheio de correntes marítimas violentas.

— Fique quieta um minuto. A dor já vai passar.

A voz dele era rouca. Eu senti o sangue subir pelas minhas bochechas, mas o rubor sumiu em um suspiro frio. Não havia razão para sentir vergonha de Sasuke. Não havia razão para nada.

Ino me trouxe água e comida, e aos poucos voltei a me sentir minimamente humana, até conseguir me colocar de pé.

— Vou chamar um Uber pra gente — disse Ino. — Vou dormir na sua casa, tá, Sakura?

Não entendi o motivo, mas não argumentei.

— Deixa que eu chamo. — A voz rouca de Sasuke se fez presente.

Eu o encarei. Havia algo de errado com ele, mas não consegui entender o que seria.

— Não precisa, Sasuke.

— Acredito que o motorista do Uber vai se sentir menos tentado a abusar de duas mulheres bêbadas em seu carro se quem chamar a corrida for um homem.

Ino torceu a boca, incomodada. Eu dei um risinho. Ela detestava ser fraca.

— Ok, você tem razão. Mas peça pra pagar em dinheiro.

Sasuke sorriu, dando a entender que concordava, mas eu conhecia aquele sorriso.

Quando chegamos em casa, o motorista disse que a corrida havia sido paga no cartão.

 


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