Lobisomem Trouxa escrita por Nina Bichara


Capítulo 4
Bilhetes e conselhos


Notas iniciais do capítulo

Só coisas fofinhas hoje. Talvez alguma risada no final?



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Clance conferiu seus livros mais uma vez. Ele ainda estava certo, pó de prata e dictamo deviam ajudar as feridas a fecharem. Mas não havia nada garantindo que Jacob sobreviveria à transformação. A sorte é que ele ainda tinha 22 dias até isso acontecer.  Mas não queria desistir, mesmo que isso deixasse a impressão que fosse ele o infectado. Ele havia conseguido um endereço e uma indicação de um livro com uns amigos mais velhos, temendo retaliação no começo do ano escolar. Ele desviou as desconfianças dizendo que eram parte de um trabalho que tinha que terminar.  

O livro foi entregue em sua casa naquela mesma manhã. Uma coruja Aluco com cara de tédio depositou o pacote em sua cama, e estendeu a pata com a pequena bolsinha. Ele tinha poucas moedas bruxas, mas era o suficiente para pagar o pesado livro. Ele se debruçou sobre ele assim que a coruja saiu e pesquisou e anotou tudo o que podia até as cinco da tarde. A luz brilhava forte na janela, lembrando que ele devia sair logo ou não chegaria a tempo. O metrô estaria cheio se saísse mais tarde. 
— Por favor, um latte com chantilly.  - Clance sentiu seu estômago cair no chão. Jacob nem o reconheceu. Os olhos do garoto estavam fundos e sem vida. A pele pálida e opaca. Ele parecia ter voltado do inferno ou coisa pior.

Jacob anotou o pedido, processou o pagamento no cartão e preparou mecanicamente a bebida. Clance tinha a esperança de que ele ia ver quem era quando entregasse a bebida, mas nem assim. Jacob limpou o balcão e continuou olhando para frente. Ele achou melhor deixá-lo com seus próprios pensamentos. Pelo menos até o fim do expediente.  

Achou uma mesa para sentar e bebeu o café. Considerando que Jacob sequer tinha olhado para o copo, a bebida estava ótima. Ainda assim matava Clance por dentro vê-lo trabalhar como se sua alma tivesse saído do corpo. Ele se sentia culpado. Devia ter ido atrás dele naquele dia, devia ter ido visitá-lo no dia seguinte, no mínimo. Apesar de não poder voltar atrás na merda que tinha feito, pelo menos ele poderia ajudar daqui para frente. Com esse pensamento ele se levantou da mesa e foi resoluto até o balcão. 
— Eu preciso falar com você quando acabar seu expediente!
— Senhor, o senhor pode preencher o papel de sugestões e reclamações e colocar naquela caixa à esquerda. Sua contribuição é muito importante para nossa empresa. - o tom monótono de Jacob deixou Clance assustado e irritado. 
  — Não, cara! Eu tenho que falar com você. —Sua voz saiu irritada, assustada e bem mais alta do que ele pretendia. Várias pessoas pararam para olhar. Jacob também. Clance abaixou o rosto, colocando uma das tranças atrás da orelha. Pediu desculpas, pegou um guardanapo e escreveu alguma coisa. Depois empurrou para Jacob e saiu pela porta com passadas irritadas. 

Jacob ficou no balcão, com uma expressão meio boba. Seu corpo estava extremamente cansado e dolorido. Mas ele fitou o nada até que sua mente juntasse as coisas e se lembrar. Aquele era o garoto da casa cheia de coisas estranhas. O cara que tinha salvado ele. Ele lembrou do ataque no beco e segurou o ombro instintivamente, assim como lembrou de ter sido carregado no colo. Ele ficou sem graça mais uma vez e guardou o papel no bolso. 
— Hey Jacob? Tá sonhando? 

A voz amigável e feminina quebrou ele do transe. Jesse era sempre calma e chegava no trabalho como um fantasma, sem fazer nenhum barulho. Nove entre dez vezes ela o pegava de surpresa. Ainda que fosse difícil não avistá-la na multidão com o cabelo preto e as roupas descoladas. 
— Pela suas orelhas vermelhas pelo menos era algo bom, né? É a primeira vez que eu vejo cor na sua cara essa semana. Gostei. Aconteceu alguma coisa?
— Não, não. Tá tudo bem? Você cobre esses últimos cinco minutos? Eu preciso ver uma coisa. 
— Claro, mas se cuida tá? Você não anda parecendo bem.  

Jacob foi para o quartinho do lado do depósito onde ficavam os pertences dos funcionários e se jogou numa cadeira. Seu ele conferiu mais uma vez a dor no ombro. Ainda estava lá. 

O bilhete que ele pegou do bolso marcava uma hora e lugar para se encontrar com Clance. Sua única chance de descobrir o que estava acontecendo. Ele arrumou as coisas, trocou o uniforme por um casaco e foi encontrar Clance numa praça não muito longe do café. 

Clance revirava papéis em cima de um banco na praça, sentado com as pernas cruzadas em cima do mesmo. Jacob achou melhor anunciar sua presença com um pigarro na garganta. 
— Nossa, desculpa. Faz tempo que você tá parado aí? Eu me distrai com umas... é, umas anotações. 
— Eu cheguei agora. 
— Desculpa as minhas abordagens idiotas. Eu fico preocupado e perco todo o tato. 
— Visto o que a gente passou e tudo que você fez por mim eu vou considerar.
Clance juntou os papéis em cima do banco e se ajeitou, estendendo o braço para que Jacob sentasse ao seu lado. 
— Seu braço tá melhor? 
— Não sei. Dói bastante a noite, mas não conseguiram tratar no hospital.   
— Você entendeu o que foi que atacou você aquela noite?  
— Olha, eu procurei por fotos de capivaras na internet, um amigo virtual falou que podia ser uma. Mas eu tô achando que ele tava errado. - Jacob riu sem graça e passou a mão pelos cachos volumosos de seu cabelo. Enquanto isso Jacob olhou para os dois lados da rua. Ele mexeu nos bolsos do largo casaco amarelo que usava. 

—  Bom, não era esse bicho. Era um lobisomem. Eu acho que eu te falei aquele dia na minha casa. É bem aquilo que você conhece em filmes, sabe? Você é mordido, se transforma durante a lua cheia e etc. 
Jacob deu um riso nervoso. —Eu devia me acostumar com essa loucura. É a segunda vez que você diz isso e por mais que pareça uma piada eu não acho que um estranho insistiria nisso. Você pode pelo menos me dizer o quanto eu estou ferrado?
— Você pode me falar seu nome? É estranho não saber.
— Ah, claro. É Jacob Miller. 

 

Clance passou os próximos minutos falando sobre a transformação dos lobisomens, sobre casos em que algo foi noticiado no jornal e era na verdade um lobisomem e sobre como as próximas luas seriam decisivas. Jacob ouvia cabisbaixo, sua perna balançava cada vez mais nervosa à medida que o monólogo fluía. 
— Eu estou entediando você?
— Não. É bastante pra digerir, só isso. Mas eu confesso que estou segurando uma pergunta. - Jacob procurou por aprovação nos olhos escuros do garoto. - Como você sabe de tudo isso?

Clance hesitou por um momento, pegou o celular e digitou alguma coisa. Mostrando a tela para Jacob. Ele leu.
EU SOU UM BRUXO.
ME DESCULPA, EU VOU TE AJUDAR. 

— Eu vou forçar se eu pedir pra você confiar em mim. Mas eu queria que você viesse me visitar essa semana. Eu vou tentar te explicar tudo aos poucos e eu posso te ajudar a se sentir um pouco melhor. Eu acho. E eu conheço alguém que passou por algo parecido, nós podemos encontrá-lo amanhã. 
— Eu não tenho escolha, né?
Clance tentou esboçar alguma fala, mas só murchou e pediu desculpas de novo. 
— Eu acho que por hoje vou pra casa, mas amanhã a gente se vê. É minha folga de qualquer forma. 

Jacob se ajeitou para ir e se despediu. Clance viu que essa era sua última chance e alcançou ele, estendeu outro papel na mão do outro. Ao abrir Jacob encontrou um número de telefone e alguns pequenos conselhos. O último chamou sua atenção, estava sublinhado com vermelho. 

TENTE COMER CARNE CRUA.


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Notas finais do capítulo

Já viram a notícia da capivara lobisomem?
https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2018/11/14/funcionaria-se-assusta-ao-encontrar-capivara-no-banheiro-de-lanchonete-achei-que-fosse-lobisomem.ghtml

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