Momentos Embaraçosos escrita por Dream


Capítulo 2
Capítulo 2 - Kent




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A hora do almoço é uma das horas mais importantes do dia para muitas pessoas, mas talvez seja ainda mais para aqueles que trabalham em restaurantes. Comer é muito importante, mas não requer esforço. Fazer comida e entregá-la para dezenas de pessoas, no entanto, requer esforço e cuidado, principalmente quando o trabalho também inclui entreter os clientes com boa aparência, simpatia e modos.

Por isso a maioria das pessoas que vão a um estabelecimento como o Maid’s Sheep não espera ver o seu pedido caindo no chão, fazendo uma grande bagunça. E, no entanto, era o que acontecia em uma das mesas. E não era a primeira vez naquele dia.

—M-Me desculpe! Mil perdões! – A garçonete se desculpava repetidamente, quase formando um ângulo reto enquanto se curvava. Até agora o perdão dos clientes fora quase imediato – sua expressão corada de quase choro era fofa o suficiente para derreter o coração deles – mas ela sabia que a paciência deles iria logo esgotar. E que a paciência de um gerente muito mais aterrorizante, que muito provavelmente a estava encarando lá da área dos empregados, já havia esgotado havia muito tempo. Ela não teve coragem de olhar para ele.

Enquanto ela se desculpava, um dos rapazes, Shin, limpava a bagunça. Ela tentou se oferecer para fazer aquilo, mas ele já tomara a iniciativa logo de cara, não lhe dando chance. Ela preferiu voltar à cozinha e pedir outro prato.

—Outra vez? – Perguntou Kent, um dos encarregados da cozinha. -Isso é incomum, dado seu desempenho passado. O que aconteceu?

—E-Eu só tropecei... eu acho...

—Mais uma vez, isso é incomum. – Ele a encarou nos olhos, com uma expressão que não dizia absolutamente nada. –Você sempre foi uma garçonete exemplar. Sua postura sempre foi impecavelmente calculada para estabilizar o seu centro de massa enquanto carregava bandejas, e sua velocidade sempre foi a máxima possível que ainda permitisse tal estabilidade. Da última vez que te pedi detalhes sobre seus cálculos, você pareceu confusa, o que me leva a crer que isso é algo que você executa em nível subconsciente. E habilidades que operam nesse nível não são facilmente falíveis, a menos que alguma circunstância incomum ocorra. Por isso, mais uma vez, eu pergunto: o que aconteceu?

—...

Lá ia ele de novo. Kent sempre parecera um computador, descrevendo uma análise detalhada de qualquer coisa que ele pensasse, fizesse ou percebesse. Isso muitas vezes chegava a ser engraçado, talvez até mesmo fofo, mas naquele momento, ela desejava que ele pudesse ser menos perceptivo.

—Eu não sei do que você está falando, Kent-san... foi um acidente, eu juro que não vai acontecer de novo!

—Não vai mesmo. – Disse uma nova voz masculina. Shin entrava na cozinha, com cara de poucos amigos. -Eu não sei o que diabos aconteceu ali, mas depois de duas dessas, você não vai entregar pratos hoje.

—Mas...!!!

—É melhor ouvir ele. – Sawa entrava logo atrás de Shin, parecendo preocupada. -O Waka tá com uma cara péssima, e eu não quero nem ver depois que você derrubar outra bandeja!

—...

Ela apenas se calou, cabisbaixa. Não gostava daquilo, mas... eles tinham razão. Shin lhe lançou um último olhar severo antes de pegar uma bandeja e sair.

—Ei, ei, não fica assim! – Sawa se aproximava dela, pondo o braço em volta de seus ombros. -Você ainda pode ajudar na cozinha e com a louça, beleza?

Ela não teve muita escolha além de assentir. Sua amiga lhe deu um sorriso otimista, como ela sempre fazia. -Prometo que eu dou conta dos seus clientes, valeu? Posso não ter esse seu rostinho lindo, mas eu confio no meu potencial!

—Pára com isso, Sawa-chan... – Ela sorriu, sem jeito. -Você também é linda e sabe disso.

—Então mostra pra esses pratos quem é que manda enquanto eu mostro pra aqueles rapazes quem é a linda!

Com isso, e umas risadinhas, as duas se separaram. Pratos e clientes as aguardavam.

 

Kent estava certo. Aquilo era, de fato, incomum. E havia sim uma causa para aquilo.

Os eventos da noite anterior não conseguiam sair de sua mente.

Por mais que ela tentasse se concentrar, era impossível. Mesmo durante suas aulas naquela manhã, sempre que se distraía por um segundo, sua mente reprisava a cena toda, nos mínimos detalhes. Ela, completamente nua, sentada em um sofá enquanto Ikki a massageava... aqueles olhos... aqueles olhos profundos e maravilhosos... escaneando cada centímetro de seu corpo... aquelas mãos delicadas e firmes... subindo pelas suas pernas... suas coxas... chegando perigosamente perto de sua virilha... enquanto sentia a respiração dele sobre seus seios...

... Essa era a parte em que ela sacudia a cabeça com força e tentava separar os acontecimentos reais daquilo que ocorrera apenas em suas fantasias. Ninguém precisava saber do que fizera antes de dormir na noite anterior... e nem do estado dos lençóis de sua cama em virtude daquilo.

“... Ninguém precisa saber e eu não preciso lembrar!!!” Ela brigava internamente consigo mesma, enquanto seu rosto corava ainda mais.

Enquanto ela lavava os pratos, sua mente estava em outro lugar. Quando não estava lembrando da noite passada, estava se preocupando com o presente. Ikki estava ali. Ela ainda não falara com ele. Ela evitava até olhar para ele. Como ela conseguiria sequer encará-lo depois... daquilo...?

Foram pensamentos como esses que causaram os dois acidentes naquele dia. E foram pensamentos como esses que causaram um terceiro acidente, dessa vez envolvendo um prato limpo caindo no chão.

—Essa é a terceira vez em um único dia de trabalho! – Kent virou-se para ela, que mais uma vez se desculpava repetidas vezes. -... Espere, você está doente?

—... hã? – Ela juntava os cacos de vidro enquanto tentava processar a pergunta súbita.

—Seu rosto está vermelho. Se você estiver com febre, isso é um péssimo sinal. É melhor informar ao gerente agora mesmo e ir para casa mais cedo.

Ela imediatamente balançou a cabeça em negação. Primeiro porque seria impossível Waka dispensá-la assim tão facilmente, depois de tudo o que ela fizera. Segundo, porque ela sabia muito bem que o motivo de seu rosto vermelho não era febre.

—Eu ouvi febre?! – Sawa entrava na cozinha mais uma vez. Como ela fazia o dobro do trabalho, não era surpresa. -Tá explicado! Você nem devia ter vindo pra início de conversa!

—M-Mas... eu não...

—Olha, só relaxa, tá legal? – Sawa a pegou pela mão e começou a dirigi-la para fora da cozinha, com um olhar de Kent que dizia “conto com você”. Ou pelo menos era o que ele pretendia, já que era sempre impossível ler suas expressões faciais.

 

O lugar para onde Sawa a levava era a área de convivência dos empregados.

Ao ver aquele mesmo lugar... com aquele mesmo sofá... o mesmo filme que sua mente reprisara mil vezes era passado mais uma vez. E seu rosto reagia de acordo, enquanto mil borboletas batalhavam dentro de seu estômago.

—Senta aqui. – Sawa a levava para, ironicamente, o mesmo sofá onde Ikki a sentara. -Respira.

Ela o fez. Não podia deixar sua amiga saber... não que estivesse escondendo muito bem. Ela não fazia ideia do quão óbvia estava sendo, ou do quão ciente Sawa estava.

—Eu não sei se você tá doente mesmo, mas... você claramente não tá em condições de trabalhar. É melhor descansar.

—... mas... Waka-san...

—Já sei! – Sawa exclamou, com um sorriso. -Por que você não toma um banho? Um bom banho de banheira vai te fazer bem!

—... mas...

—Olha, confia em mim! – A amiga interrompia. -Eu te dou cobertura, já falei! Um bom banho vai te fazer sentir melhor dessa febre. E desse stress todo de hoje! Waka vai ficar pê da vida, mas eu tô mais preocupada com a sua saúde! E acho que ele também, na real.

—...

A ideia era tentadora. Ela se sentia mal por deixar seus colegas na mão dessa forma, mas as palavras tranquilizadoras de Sawa a convenciam cada vez mais a seguir a sugestão... até que ela acabou cedendo.

 

Maid’s Sheep era um lugar inacreditável em muitos aspectos. Um deles dizia respeito aos seus banheiros.

Na área restrita aos funcionários, havia três banheiros: um masculino, um feminino e um sem indicativo claro de gênero. Este último era bem diferente dos outros – enquanto o masculino e o feminino tinham vários boxes (e urinóis no caso do masculino) e nenhum chuveiro, o terceiro parecia mais algo que se encontraria em uma suíte de um hotel de luxo do que em um restaurante. Havia apenas um vaso sanitário, que ficava ao lado de uma pia muito bonita e ornamentada. Além do vaso, havia um boxe com um chuveiro e, do outro lado, uma bela e luxuosa banheira.

É fácil ver por que este banheiro era o menos usado dos três. Ninguém tomava banho no restaurante, em geral preferiam fazer isso em casa, antes e depois do expediente. E para quaisquer outros propósitos, os outros dois banheiros eram bem mais práticos.

Por isso, naquele momento, ela estava aliviada.

Ela própria só entrara naquele banheiro uma vez antes, em seu primeiro dia de trabalho. Só queria conhecer o ambiente, e tal como todo mundo, sua reação foi de confusão. Seus veteranos apenas disseram para deixar para lá e aceitar – ninguém entendia realmente o motivo de tudo aquilo.

Ninguém usava aquele banheiro. Ninguém iria procurá-la ali.

Pela primeira vez naquele dia (sem contar o atendimento ensaiado aos clientes), ela se permitiu um sorriso. Ainda se sentia mal por deixar seus colegas na mão, mas... pelo menos ela poderia relaxar sem atrapalhar ninguém.

Com um suspiro de alívio, ela finalmente começou a se preparar para o banho. Havia um suporte na parede que parecia feito especialmente para guardar suas roupas, e foi o que ela fez. Com seu avental e kimono dobrados e pendurados, e seu sutiã e calcinha jogados por cima de qualquer jeito, ela pôs a banheira para encher e preparou os produtos necessários para um banho super cheiroso e relaxante. E quando finalmente estava cheia o suficiente, ela enfim entrou na água – mas não sem antes desfazer seu coque e sua trança, e sacudir a cabeça para experimentar a liberdade.

—Ah, que delícia... – foi a exclamação obrigatória dela enquanto se espreguiçava. A temperatura da água estava perfeita, e ela já podia sentir seu corpo relaxando. O cheiro de sabonete, a água quentinha... o ambiente lindo do banheiro... lentamente, ela fechou os olhos.

Tudo aquilo era como estar num sonho. Era calmante. Tranquilo. Ela respirava com muita calma, adorando a sensação. Não estava dormindo, mas era quase como se estivesse. Nada mais importava.

Nada mais importava.

Talvez tenha sido por isso que ela esquecera completamente que não tinha trancado a porta do banheiro.

Talvez tenha sido por isso que ela nem pensou muito quando ouviu o barulho da maçaneta girando.

Tudo parecia tão distante... talvez fosse só imaginação. Assim como o leve rangido da porta ao abrir. E a leve batida da porta ao fechar.

“...?”

Espera.

Aquela era uma sequência muito específica de sons.

Lentamente, ela reabriu os olhos.

 

—...

—...

Era como se as engrenagens de seu cérebro começassem a girar uma de cada vez.

Kent estava ali.

Foi a primeira informação que ela processou após abrir os olhos.

Kent estava com uma expressão de extrema surpresa.

Foi a segunda informação que ela processou. E isso era incomum o suficiente para que o resto das informações fossem processadas mais rapidamente, e sua expressão adquirisse o nível apropriado de surpresa.

Ela estava tomando banho. Em uma banheira. Nua.

E Kent estava olhando diretamente para ela.

—...!!!!

Mais uma vez, ela estava completamente nua na frente de outro homem!!!

—... M-Me perdoe!!! – Kent foi o primeiro a quebrar o silêncio, curvando-se profundamente e imediatamente se virando para abrir a porta e... sair?

E todos lá fora o veriam saindo do banheiro onde ela estava tomando banho pelada?!

—ESPERA!!!

O desespero no grito dela o fez se virar antes que pudesse girar a maçaneta. Ela estava de pé, pronta para sair da banheira... e com seu corpo completamente à mostra.

—Ah... AH!!! – Ao ver Kent se virar na direção dela, ela percebeu que se levantara por reflexo e, corando furiosamente, se abaixou dentro da banheira. -N-Não... n-não abra... a... porta...

—...?!

—Q... Quero dizer... e-eu... d-digo... s-se virem você... s-saindo... d-do banheiro onde eu... estava... eu... e-eu...

—...

Ainda chocado, ainda corado, ainda embasbacado... Kent se virou para o outro lado, sem abrir a porta.

 

Ela não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Tudo o que ela queria era esquecer o incidente absurdo da noite anterior... e agora, menos de 24 horas depois... ela conseguia sentir seu rosto em chamas enquanto mil borboletas lutavam em seu estômago.

Ela estava nua, tomando banho na frente de Kent.

E ele não podia sair... o que significava... que ela teria que se vestir na frente de Kent.

Ela sentiu seu rosto ficando ainda mais quente, se é que isso era possível.

—... En... tão... – foi a voz de Kent, trazendo-a de volta à realidade desesperadora e embaraçosa. Isso mesmo, ela ainda estava completamente nua e molhada, e precisava se vestir o mais rápido possível!

—Ah! E-Eu... e-eu vou só me enxugar e-

A frase morreu na garganta dela quando ela percebeu outro detalhe crucial da situação que deixara passar.

 

Aquele banheiro raramente era usado. O que significava que não eram necessárias muitas manutenções. Ainda que ainda houvesse certos suprimentos, como sabonetes e xampus, isso não significava que houvesse outros suprimentos igualmente importantes.

Como toalhas.

—...

Não havia toalhas naquele banheiro.

Ela estava molhada.

Ela estava tomando banho sem sequer ter algo para se enxugar depois.

Ela olhou para o suporte onde pendurara suas roupas – e deu um tapa na própria testa ao perceber o quão burra fora. Aquilo não era para pendurar roupas, era para pendurar toalhas. E estava vazio. E ainda assim ela não percebera que havia algo errado quando entrou.

—... Algo... errado...? – Kent ainda estava com o rosto virado.

—...

Mais uma vez, ela sentia seu coração batendo e suas pernas tremendo. Sua voz quase não saiu de sua garganta quando ela falou que não havia toalhas.

—E-Entendo... – Ele respondeu, olhando para a porta. -Eu acredito que possa haver toalhas guardadas no depósito, então-

—NÃO!

A interjeição saiu quase que por reflexo, e imediatamente ela se perguntou por que diabos. Uma parte dela sabia que a sugestão de Kent era a mais razoável, mas ainda assim...

—... é... arriscado... – Ela disse, mentalmente se castigando por cada palavra. -É melhor... espe... rar...

Esperar? Esperar? Como assim, esperar até seu corpo secar? O que diabos ela estava pensando?! Ela mesma não sabia responder.

Kent também não sabia. Em condições normais, ele daria todos os argumentos quanto ao porquê de aquilo ser uma ideia desvantajosa, tanto na questão do tempo de espera quanto da própria situação, mas... ele claramente não estava em condições normais.

 

Um garoto vestido de mordomo e uma garota nua, sozinhos, no banheiro.

Estavam de costas um para o outro. Ambos sabiam que iriam ficar ali por um bom tempo... graças a ela.

Ela tentava se convencer de que aquilo era realmente necessário, para evitar mal-entendidos e ninguém ter a ideia errada. Por mais que ficar pelada na frente de um garoto por tanto tempo a deixasse incrivelmente envergonhada. Por mais que o fato de essa ser a segunda vez que isso acontecia em míseros dois dias a deixasse ainda mais envergonhada.

E aquele silêncio... só deixava tudo pior. Ela estava dolorosamente ciente da presença de Kent... ali, no mesmo cômodo que ela... nua... por deus sabe quanto tempo...

Seus olhos percorriam de um lugar para outro com o nervosismo... até se depararem com seus prendedores de cabelo.

—...

O cabelo dela, pelo menos, estava seco... ela podia ganhar algum tempo. Aquele penteado era demorado, afinal. Ainda com as pernas trêmulas, ela andou lentamente até onde os tinha deixado e...

... ela não queria que a cena do dia anterior se repetisse. Antes que suas pernas falhassem, ela se sentou sobre a tampa da privada e, ali mesmo, começou a arrumar o cabelo.

Enquanto isso, Kent ainda estava de pé no meio do banheiro, apenas ouvindo ela caminhar atrás de si... e, pela sua visão periférica, ele a viu sentar sobre a privada. Não sabia se devia se virar ou simplesmente... permanecer onde estava. Afinal, ele não estava... olhando diretamente para ela... certo...?

 

Era difícil.

Ela tentava trançar o seu cabelo, mas suas mãos tremiam demais. Quando tentava prender o coque, ele acabava caindo. Kent estava bem ali na frente dela, ainda que de lado... e mesmo que não estivesse... permanecia o fato de que ela estava completamente nua bem perto de um rapaz...

"...!!!!"

A ideia que surgira em sua cabeça era tão horrivelmente embaraçosa que ela tentou, o máximo que pôde, apagá-la e fingir que nunca existira em sua mente. Não conseguiu. Ela tentava ignorar... mas a ideia estava ali. Ela dizia a si mesma que era uma péssima ideia... mas a ideia se recusava a ir embora.

Ela não fazia ideia de quanto tempo ela passara nesse debate interno acalorado e incessante. Pareceu ter sido eras. E mesmo após todas essas eras... mesmo após a ideia ter vencido... ela estava quase lacrimejando de vergonha...

—... K... Kent... san...

—... Pois não…?

Tenso como a corda de um arco, ele olhava fixamente para frente, mesmo ela estando ao seu lado.

—... P... Pode... ria... me... ajudar...?

Era isso.

Ela dissera.

Agora não havia mais volta.

 

Ela estava sentada sobre uma privada tampada, tentando trançar o cabelo.

Ele estava bem diante dela, segurando o coque dela no lugar.

Ela precisava das duas mãos para trançar o cabelo.

Ela estava nua.

—...

Ela sentiu seu rosto queimando. Estava completamente nua, bem diante de Kent, sem poder sequer usar as mãos para cobrir o seu corpo. Seus seios, assim como suas partes mais íntimas, estavam completamente à mercê dos olhos dele.

E os olhos dele não estavam olhando para o cabelo dela.

 

Kent era um matemático extremamente pragmático. Temas de biologia raramente tomavam muito tempo em sua mente. Anatomia feminina, em especial, quase nunca.

Por isso, ao ver uma garota extremamente atraente, molhada, sem uma única peça de roupa em seu corpo, em uma posição que não ocultava absolutamente nada de suas partes íntimas frontais, tanto de cima quanto de baixo... foi como se o sistema operacional de sua mente tivesse sobrecarregado, com as sensações e emoções completamente inéditas que aquilo trazia.

Ele tinha uma visão muito clara e privilegiada daqueles seios volumosos... daquela cintura fina... daquelas pernas longas e coxas grossas... daquelas gotas de água que ainda escorriam por todo o corpo dela...

Ele não conseguia fazer uma análise detalhada da miríade de sensações que tomavam conta de si. Pelo contrário, sua mente apenas enchia-se de perguntas para si mesmo, para as quais ele não sabia a resposta. E enquanto ele não respondesse... ele não conseguia agir. Ou falar. Ou tirar os olhos daquela visão que lhe provocava tantas sensações indescritíveis de uma vez só.

 

E ele não era o único sentindo emoções completamente novas.

Ela olhava para o rosto dele. Para os olhos dele. Ela via seu próprio reflexo nos óculos dele. E também via o olhar dele.

Ela não se lembrava de já ter estado tão perto de Kent antes.

De todos os garotos daquele restaurante, Kent sempre fora o mais difícil de se aproximar. Por mais lindo que ele fosse, ele quase nunca falava nada, e quando falava, era sempre usando palavras difíceis e num tom monótono que não expressava nada. Sua expressão era sempre ilegível, e tudo o que ele dizia parecia estranhamente calculado... por mais gentil e amável que ele fosse no fundo, ele parecia um robô.

Mas agora... a expressão dele não era ilegível.

E agora, mais do que nunca, ela conseguia ver exatamente como ele conseguira um emprego no Maid’s Sheep, mesmo sendo tão pouco sociável. Aquele cabelo castanho claro charmosamente bagunçado... aqueles óculos que o faziam parecer charmoso ao invés de um nerd... aquele porte físico, alto, não muito forte, mas também não muito magro... de algum modo, o uniforme de mordomo parecia realçar todas essas características que o tornavam irresistível.

E como se o fato de estar tão próxima àquele garoto irresistível não fosse o suficiente para fazê-la corar... aquele garoto irresistível... a estava olhando nua!

Ela sentiu um arrepio. Aquilo era completamente diferente de ser vista por Ikki. Ikki a olhava nos olhos, com uma expressão tranquila. Mesmo quando olhava para seus seios ou outras partes, era sempre muito rápido... mal dava para sentir os olhares. Já Kent...

Ela sentia completamente o olhar dele, que não fazia o menor esforço para não manter os olhos fixos sobre seus seios... e outras partes.

Sua própria respiração se tornava mais pesada.

Ela devia reclamar. Devia se irritar. Devia fazer alguma coisa. Ela sempre detestara pervertidos sem vergonha, e naquele momento, Kent a olhava de forma bestial, como se a devorasse com os olhos. Ela devia estar indignada, ela pensava.

E ainda assim... ela não estava. Estava envergonhada, nervosa, com vontade de sumir da existência... mas ao mesmo tempo... ela sentia algo... impossível de explicar. Ela sentia seu corpo tremendo, seu rosto queimando, seu estômago pulando... e ainda assim... algo no olhar de Kent... algo no fato de ser Kent... aquele rapaz tão quieto e distante... olhando-a de forma tão intensa... a fazia se sentir tão... tão...

Um gemido completamente involuntário foi a única maneira que seu corpo encontrou de expressar aquele sentimento indescritível. E foi também o que quebrou o silêncio, deixando ambos ainda mais vermelhos, se é que isso era possível.

“... por que... diabos... eu...

As mãos trêmulas dela haviam parado de fazer a trança sem que ela sequer percebesse. E Kent... talvez o gemido dela tenha feito algo clicar em seu cérebro, pois ele imediatamente virou o rosto para o lado, ainda mais vermelho.

Isso a fez corar ainda mais. Não só ele a ouvira gemer, ele a ouvira gemer do nada, sem que ele tivesse feito qualquer coisa além de olhar para ela! E como se isso não fosse o suficiente... aquela reação confirmava que ele não era um pervertido, afinal! De algum modo, isso não era surpreendente – ora, era Kent, pelo amor de deus – mas saber que seu corpo nu o deixava daquele jeito era, de certa forma, muito mais embaraçoso.

Completamente sem jeito, ela tentou prender o coque com o qual Kent a ajudava. Suas mãos ainda tremiam... e mesmo sem poder usar os óculos de Kent como espelho, agora que ele se virara... ela tinha a forte impressão que não ficara muito bom. Ainda assim... teria que ser o suficiente.

 

Um tempo terrivelmente longo se passara em seguida, no mais absoluto silêncio. Ela ainda estava sentada na privada. Ele estava sentado na borda da banheira, que já fora esvaziada. Ambos olhavam para o chão.

Era difícil ela olhar para o chão sem olhar para os próprios seios. E era impossível não corar com o fato de que eles estavam completamente à mostra. Suas mãos estavam apoiadas nos lados da privada... e ela estava no campo de visão de Kent. Ela sabia disso.

Ela sabia porque conseguia sentir seus olhares fugazes, da mesma forma que sentira com Ikki no dia anterior.

Ela poderia ao menos tentar se cobrir com as mãos. Ela provavelmente deveria. Mas assim como no dia anterior, ela não o fez. Ela não se cobriu porque... porque... tinha que deixar seu corpo secar. Sim, é isso mesmo. Ela tinha que deixar o ar entrar em contato. É. É claro. Era totalmente essa a razão. Não podia ser outra coisa.

Ela não soube ao certo quanto tempo fazia que seu corpo tinha secado. Quando deu por si, estava olhando para os seus seios completamente secos. Olhou para o resto do corpo e... sim. Seja lá quanto tempo houvesse passado... finalmente era hora.

Ela se levantou. Por reflexo, o olhar de Kent acompanhou o movimento. Ela percebeu isso... tentando ignorar, ela andou até o suporte onde tinha deixado as roupas.

Ela se virou para Kent. Ele ainda a olhava... tentava desviar o olhar, mas seus olhos sempre acabavam se voltando para ela. Ainda de frente para ele, completamente ciente disso tudo... ela começou a se vestir.

Ela sentiu seu olhar enquanto ela colocava a calcinha.

Ela sentiu seu olhar enquanto ela prendia o gancho do sutiã.

Ela sentiu o peso do olhar dele diminuindo enquanto ela vestia o kimono e, por fim, colocava o avental por cima.

 

Como combinado, ela fora a primeira a sair.

Pela claridade, ainda não anoitecera. Não deviam ter passado mais de uma hora lá dentro. Ainda assim... ela sabia que se arrependeria disso no dia seguinte, mas correu para o vestiário, dessa vez tendo a certeza de trancar a porta. Tirou o uniforme que acabara de vestir e, o mais rápido possível, vestiu suas roupas normais. Ela rezava para que Waka não a flagrasse enquanto ela escapava pela saída dos fundos.

Ela ainda não conseguia acreditar... seu rosto estava queimando mais do que nunca. Quais as chances de uma pessoa acidentalmente ficar tanto tempo nua diante de duas pessoas do sexo oposto em menos de 24 horas?! Ela teria que ligar para Waka depois, dizendo que estava doente. Ao menos Sawa acreditaria nisso... já Kent... e Ikki...

—AAAAARGH!!! – Ela gritou entre os dentes, enquanto andava rapidamente pela calçada, atraindo alguns olhares aos quais ela não estava em condições de dar atenção.

 

Kent levou algum tempo para sair do banheiro.

O que... o que fora aquilo...? Por mais que tentasse analisar, ele não conseguia explicar tudo. Ele obviamente sabia que o corpo humano, assim como o de qualquer animal, reagia a estímulos sexuais de modo a favorecer o processo reprodutivo... mas por que esse tipo de reação deixava sua mente tão vulnerável e seu trabalho de raciocínio tão prejudicado? Por que ele não conseguia sequer falar direito? Por que ele não conseguia tirar os olhos daquele corpo nu, mesmo tendo consciência da regra específica da vida em sociedade que dizia que isso não era um comportamento social aceitável?

E por que aquela visão não saía de sua memória?

Longe da presença dela, ele respirou fundo e tentou recuperar o controle de seus pensamentos. Pouco a pouco, ele entrou novamente no estado mental necessário para trabalhar... ou ao menos próximo disso.

Ele agora estava ciente do tempo que perdera naquele banheiro, no qual só entrara para fazer a manutenção básica. Ele era o único que se preocupava em higienizar aquele banheiro e, como quase ninguém o usava, era sempre um trabalho rápido. Ele estava ciente do desejo de sua colega de manter o que acabara de ocorrer em segredo... por isso precisava pensar em alguma desculpa para levar tanto tempo ali. E sabia que, fosse qual fosse a desculpa, não ia aplacar a ira de Waka.

Ele estremeceu. A ira de Waka era uma das poucas coisas que abalavam seu estado emocional. E hoje ele descobrira mais uma coisa que o abalava. Corando com a lembrança, sua primeira providência ao sair foi pegar toalhas de banho para aquele banheiro.

Aquele seria um longo dia.


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