Cada Um Com Sua Cor escrita por Babs Júnia


Capítulo 1
Capítulo 1 - “Sem garotas. Ga-ro-tas”


Notas iniciais do capítulo

Ei, pessoal!

Bom, eu estou meio/ muito sumida no que se refere às minhas histórias solo.

Enfim, essa daqui é meu neném ♥ A trama é quase que exclusivamente focada nos dois personagens principais e a leitura é bem levinha. Quis dar aquele climinha de filmes antigos pra ela e espero muito que gostem!

Boa leitura ♥



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1. “Sem garotas. Ga-ro-tas”

 

— Jude, quero que se comporte.

— Você já disse isso, mãe.

— Mas dessa vez estou falando sério!

— E não era sério das outras?

— Pare de tentar bancar o espertinho comigo!

O grito nervoso foi o suficiente para que Jude erguesse os braços em sua melhor pose de “não está mais aqui quem falou”. Obviamente, foi fuzilado pela mãe, que abaixou o volume da música para dar continuidade ao sermão.

O que era chato, pois, das músicas que a mãe curtia, aquela era uma das legais. E bem combinava com a vista que tinha da janela do carro; um monte de poeira no vento, correndo na rua pouco movimentada da Florida em plena madrugada.

— Sem piadinhas, sem brigas, sem rebeldia, sem dormir tarde, sem acordar tarde, sem cigarros e… JUDE! — America chiou e, por pouco, não atropelou um ciclista no caminho.

O adolescente suspirou e tirou os fones. Okay, sem fones.

— Sem walkman também! — Ela acabou decidindo e estendeu a mão, ignorando por completo a expressão de injustiça com que o garoto lhe olhava.

Mas é claro que jamais pensou que seria moleza. Com um filho rebelde, nada era moleza.

— Eu pensei que fossem férias e não uma passagem só de ida pro purgatório! — O drama era de família e hereditário, pelo visto.

— Jude Raymond, o walkman!

Certo, arrepios. Jude considerou a mãe.

Depois de sete horas de viajem, America Raymond estava descabelada, de mal humor e a pele negra brilhava com o suor. Era bem estranho, por que a mãe normalmente era toda elegante e cheia de nariz em pé pra qualquer um que os olhasse torto.

Só podia significar uma coisa.

— EU NÃO VOU PEDIR DE NOVO!

Ela estava puta da vida.

— Credo, mulher. Pra quê tanto estresse?

Com um suspiro exasperado, uma das maiores preciosidades da vida do adolescente foi parar na mão livre da mãe tirana. Era melhor perder o tocador de música que ter os olhos arrancados por aquelas garras pintadas de cor-de-rosa. E deixar ela dirigir com apenas uma das mãos era um perigo público.

— Não fica triste, ‘mão. Eu te empresto o meu. — A voz infantil acabou fazendo o rapaz sorrir e olhar pra trás.

Não existia coisa mais fofa que a irmãzinha caçula de trancinhas e pernas gorduchas amassadas no banco traseiro. A mãozinha oferecia um brinquedo rosa da Hello Kitty que deveria ser um walkman, mas só fazia tocar a mesma musiquinha irritante. Tudo o que Jude mais quis foi encher ela de mordidas.

Mas não achava que a mãe fosse gostar de bagunça no carro.

— Obrigado, Carrie. — A essa altura, estava bem claro o gosto musical obsessivo de America. — Ao menos uma das mulheres dentro desse carro me ama.

A mãe acabou soprando uma risada nada feliz e encarou a estrada.

— Não sei de onde puxou esse talento pro drama. — O resmungo teve um olhar irônico como resposta e ela girou os olhos.

Silêncio.

Tudo o que precisavam era de silêncio e, tentando deixar isso no ar, a mão cheia de anéis aumentou o volume do rádio. E a música que preencheu o ambiente veio trazendo um sorriso ao rosto cansado.

É, amar doía mesmo.

E era por isso que fazia o que estava fazendo. Não era qualquer louca que decidia deixar os filhos na casa de amigos, mesmo que por apenas um mês, para viajar a trabalho. Mas era um mês, trinta dias e poderia pagar, quem sabe, até mesmo a faculdade de Carrie futuramente.

O que ela e Jude recebiam todo o mês mal dava pra pagar a creche e situações drásticas requeriam medidas desesperadas.

— Mãe, ‘tô com fome. — A voz chorosa a fez ajeitar o retrovisor para ver a menininha reclamona. — Biscoito!

— Desse jeito não vai sobrar biscoito pro resto da viagem, querida.

— Mas eu ‘tô com fome agora, não ‘tô com fome no resto da viajem!

— Essa tirana quer nos matar de fome, Carrie. — Jude cutucou maldoso e sorriu com o olhar atravessado que recebeu. Era melhor ficar quieto.

— Não digam que eu não avisei. — A preocupação estava clara, mas ela abriu o porta-luvas e Jude decidiu ser útil e pegar os malditos biscoitos.

Mais silêncio e a música já chegava ao fim. Seria tão bom se lhe deixassem ouvir as três outras músicas do Bon Jovi sem interrupções. Assim, podia fantasiar que aquele homem lindo a estava aguardando no final de um arco-íris ao lado de um pote de dinheiro.

Mas claro, não teve esse sossego.

— Espero que lá tenha uma vista boa, pelo menos. — Isso veio de quem? Obvio que não tinha sido de Carrie.

E pelo tom de voz, ela soube bem de que tipo de carne o filho mais velho estava falando.

— Sem garotas também. — Completou a lista e foi o fim.

Jude virou completamente o corpo e a olhou como se fosse louca. Ela tinha mesmo cara de louca com aquelas roupas que pareciam ter sido atropeladas por um unicórnio em alta velocidade, mas ele continuava amando ela do fundo do coração.

Ao que parecia, o sentimento não era recíproco.

— Sem música, sem garotas…! — Tentou chamá-la à razão. — Qual é, mãe! Tem que me compensar por passar um mês inteiro de babá! — Apontou para a irmã, que o encarou sem entender.

Não que estivesse incomodado. Amava Carrie mais que amava batata-frita. Certo, não era pra tanto, mas realmente amava a pestinha, ou não teria deixado a vida que tinham pra trás enquanto a mãe ia tentar a sorte sabe-se Deus onde!

América suspirou.

— Eu vou devolver assim que chegarmos. — Ela disse, mas interrompeu o filho antes que ele continuasse. — Mas só se me prometer não ficar com isso na orelha o tempo todo, é irritante. E trate de não incomodar seus primos, também.

— Não são meus primos. — Jude ainda estava de mal humor. — São – o quê? – amigos seus e do meu pai?

— Minha amiga e o primo do seu pai. — América corrigiu. — Isso nos faz quase da mesma família.

— É, se a gente esquecer que meu "pai" saiu pra comprar cigarros e até hoje não voltou.

— JUDE!

— É a verdade! Mentir pra quê?

A negra teve que suspirar pelo que pareceu a enésima vez, ou cometeria um filicídio dentro do carro alugado. Por quê aquele pessoal tinha que morar tão longe…?

— Jude, eu e sua tia Rika somos amigas desde o colegial e ela está fazendo um favor em cuidar de vocês nesses dias. — Esperava que assim o garoto entendesse. — Não estrague tudo!

Jude suspirou e voltou a olhar para as estradas terrosas.

Era mesmo o fim do mundo.

*

Clermont era uma cidade pequena, localizada na Florida, no condado de Lake.

O destino dos Raymond naquele momento, era justamente este, mais especificamente a Yellow Street, que ficava num bairro de classe média no norte da cidade.

Talvez pela pieguice ou por ter sido planejada assim, a rua fazia jus ao nome. Quatro fileiras de casas idênticas seguiam uma simetria surpreendente, sem cercas que as separassem e nada para diferenciá-las além de algumas peculiaridades nas decorações. Os gramados eram verdes e bem cuidados e, num olhar mais atento, podia-se ver gotas de orvalho brilhando nas folhas pequenas.

E o foco da história, naquele momento, sofria com o ventilador queimado.

Estava tão calor que Ariel McFly só conseguia pensar em como gostaria de ver neve caindo do céu. Era um pequeno sonho impossível em pleno inicio de verão e o rapaz apenas pôde esfregar os olhos e mandar a preguiça ir embora ao se levantar. Não deram dez minutos e já tinha se enfiado embaixo da ducha fria.

Odiava quando estava calor.

Não por causa do suor ou das roupas, mas porque o cabelo se tornava uma verdadeira bagunça e não aguentava ficar muito tempo com eles soltos sem querer enfiar a cabeça dentro da geladeira. Também odiava ficar com eles presos, mas cortar e deixar a testa enorme e cheia de espinhas a mostra, também estava fora de cogitação.

Isso sem falar da falta de ânimo que tinha para qualquer coisa que não fosse passar o dia inteiro lendo HQs ou jogando Tetris no computador inútil que tinha no canto do quarto. Era uma lástima não ter pedido um carro no aniversário de dezoito anos, mas a ideia de ter um pouco de tecnologia dentro de casa e não precisar caminhar até o fliperama pareceu mais que encantadora na época.

Se existisse uma categoria “preguiça” nas olimpíadas, Ariel, com certeza, traria ouro para a casa.

Já pensava em parar de gastar toda a água do mundo quando seus devaneios sem sentido foram interrompidos pelas batidas que vieram da porta.

— Ari?

Não foi a água gelada que o fez se arrepiar, mas a voz gentil de mais da dona Rika do outro lado. Não era por mal, mas, quando ela vinha naquele tom meloso e ainda usando o apelido, podia esperar por uma catástrofe imediata.

— Aguenta aí, mãe! Já ‘tô saindo.

— Rápido, benzinho, precisamos conversar. — Os passos se distanciando devolveram sua privacidade.

De certa forma, sabia o motivo daquilo.

Há alguns dias, os pais haviam avisado que teriam visitas e, bem, estavam estranhos desde então. Não imaginava quem receberiam ali, mas, pela preocupação dos pais, esperava no mínimo um terrorista.

Aquele que o olhou de volta no espelho se parecia menos com um zumbi do que estava se sentindo e a preguiça apenas aumentou quando vestiu a camiseta e as calças que havia separado.

Apresentável; essa era a palavra.

Mas não foi o que a mãe achou quando desceu e encontrou os pais tomando o café da manhã.

Depois de uns vinte anos de casamento, era impressionante como eles tentavam disfarçar o clima ruim agindo como se estivessem em um comercial de margarina.

— Ari! Quantas vezes eu tenho que dizer pra pentear esse cabelo? — Os dedos intrusos ajeitando os cachos úmidos o fizeram piscar diversas vezes antes de fugir do ataque.

— Ah… Oi, bom dia pra você também, mãe. — Se jogou na cadeira enquanto enfiava um bom pedaço de torrada na boca.

— Dormiu bem? — O pai o olhou por cima do jornal. Ariel duvidava que ele estivesse prestando atenção no que estava escrito.

— Como uma pedra.

— Não fale de boca cheia, Ariel! — A voz estridente de Rika fez com que encolhesse os ombros e se desculpasse com um gesto.

Dessa vez, mastigou e engoliu antes de abrir a boca de novo.

— Ah… E o que vocês queriam me falar?

Aquelas pareceram as palavras do milênio.

Nathan McFly fechou o jornal e o colocou ao lado do prato de torradas e não parecia nada feliz, contrastando com a mulher que dava a impressão de ter visto um pássaro azul na janela logo que acordou.

Da última vez que eles agiram assim, Ariel recebeu a notícia de que não tinha sido aceito em nenhuma das universidades em que se inscreveu e isso tudo por falta de atividades extracurriculares em seu histórico. Ao que parecia, precisava construir ao menos uma casa para desabrigados se quisesse realmente entrar em Princeton, mas só foi descobrir isso quando estava com o diploma do ensino médio na mão e sem nenhuma outra expectativa de vida.

Embora ajudasse a mãe na floricultura de vez em quando… Bem, não era como se viver praticamente de favor fizesse parte de seus planos.

Mas não era hora de pensar nisso.

O garoto colocou mais um pouco do suco de laranja no copo e tirou os cabelos que Rika havia “arrumado” de trás da orelha.

— E então?

Quando a mãe se sentou, Ariel decidiu encher a boca de novo. Pelo que via, a conversa ia ser longa demais pra pouca comida.

*

Os três pares de olhos acompanharam o carro carro alugado até que ele sumisse na primeira curva. Não sabiam muito como agir, o clima era desconfortável e nenhum dos dois adolescentes parecia com muita vontade de quebrar o silêncio.

— Então, É Jude… Tipo os Beatles?

— E daí?

— Ah, nada de mais, só achei engraçado. — Aquele sorriso realmente irritou o negro.

— Engraçado é ter o nome da pequena sereia. — E nem por isso estava rindo.

A mãe ainda pagaria por tê-lo largado ali com Carrie à tira colo. A tirana, após cumprimentar a pequena sereia que os esperava, saiu cantando pneu. Obviamente, o próximo som foi o do choro de Carrie, que durava até agora.

— Desculpe, não quis ofender.

— Não ofendeu.

O tom raivoso que o outro rapaz usou enquanto tentava acalmar a irmã fez Ariel soltar um suspiro e desviar o olhar.

Aquilo não daria certo.

A conversa que os pais queriam ter de manhã era simples, mas Rika e Nathan McFly não sabiam ter conversas curtas e simples. A mãe começou todo um discurso pedindo compreensão, depois discutiram um com o outro sobre a índole duvidosa daqueles que hospedariam dentro de casa e terminaram pedindo para que fizesse com que a visita se sentisse bem e em casa, sempre parando para lhe lembrar que estavam ajudando a amiga da mãe, e apenas por isso: pela amiga da mãe.

Até porquê, se dependesse do pai, jamais abrigariam “gente de cor”.

Claro que não demorou para que Ariel entendesse as entrelinhas e soubesse que a visita se tratava dos filhos, não só da amiga da mãe, mas do primo do pai, que havia sido excluído da família após desaparecer e voltar casado com uma negra e, depois, simplesmente sumir e deixar a esposa cheia de dívidas.

Ao que parecia, a America Raymond tinha recebido uma proposta de emprego muito boa, mas precisava de um lugar para deixar os filhos, ao menos até conseguir se estabelecer em outro país.

E ali estavam eles, três semanas após Rika oferecer a casa como hospedagem... Sem consultar o marido.

Os pais falavam de mais quando pensavam que estava dormindo e a mãe praticamente gritava quando falava ao telefone.

Era bem típico dela isso, na verdade. Aliás, dizer que o pai tinha odiado aquele arranjo, seria eufemismo, mas Ariel não ligava muito. Tinham um quarto de hóspedes e, apesar de não ser a mais sociável das pessoas, estava disposto a fazer com que a visita se sentisse bem.

O que não daria certo se continuasse com aquele sorriso amarelo no rosto.

Afastando os pensamentos, Ariel ignorou o comentário sobre seu nome e se abaixou ao lado dos dois.

Já estava acostumado com aquilo. Oras, claro que a perseguição era constante, seu nome era Ariel.

Ariel!

Maldito o dia em que a pequena sereia havia sido batizada, mas isso não vinha ao caso.

Não podiam ficar ali com uma menininha chorando sentada sobre um punhado de malas, os vizinhos já começavam a parar para ver. E realmente odiava ser o centro das atenções.

— Ei, princesa. — Chamou e os olhos pequenos se voltaram para si, não se importando com a presença do irmão ao lado. — O que acha de a gente entrar e você me ensinar como fez pra ficar tão bonita? Tem bolo lá dentro. — Esperava que realmente tivesse bolo lá dentro.

Um sorriso e ganhou outro, banguelo e encantado. Ela parecia ter esquecido do próprio rosto cheio de lágrimas.

— Interesseira. — Ouviu Jude assobiar ao pegar últimas malas, mas continuou agachado com a garotinha.

— Posso pegar no seu cabelo? — E, obviamente, esse foi o real motivo pra ela ter parado de chorar.

Ariel acabou rindo mais.

— Claro que pode, mocinha. — Foi a conta de se abaixar mais um pouco que sentiu as mãos pequenas nos cabelos cacheados.

Ela primeiro tocou receosa, mas depois soltou uma risada boa e fez a festa. Esfregou, apertou e puxou os fios castanhos até arrancar um gemido de dor do rapaz que foi socorrido pelo outro estressadinho.

— Certo, certo, pestinha. Não vamos torturar o garoto logo no primeiro dia.

Jude tirou as mãos pequenas dos cabelos do rapaz, mas só quando julgou que tinha se divertido o bastante com a dor dele.

Ainda atordoado e com a cabeça doendo, Ariel sorriu e se ergueu.

— Obrigado. — Os olhos claros lembravam mel e foi esse um dos motivos que fez Jude sorrir de volta.

Garotas.

A mãe havia dito sem garotas.

Ga-ro-tas.

Algo lhe dizia que gostaria daquele lugar mais do que esperava.


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Notas finais do capítulo

ENTÃO?
Como tá?
Comentem ♥



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