Tom escrita por themuggleriddle


Capítulo 1
quimérico




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De vez em quando, Tom tinha certeza de que abriria os olhos no meio da noite e veria Merope Gaunt sentada sobre o seu peito. Era a única explicação para o ar não conseguir entrar direito em seus pulmões, causando aquela sensação horrível de sufocamento com a qual acordava todas as noites. Nos momentos antes de abrir os olhos, segundos que pareciam durar uma eternidade, ele podia vê-la como uma versão menos demoníaca, porém não menos assustadora, da pintura de Henry Fuseli.

Quando tomava coragem suficiente para abrir os olhos, tudo o que via era o escuro. O formato dos móveis lentamente se destacava no meio da escuridão e Merope não estava ali, mas o peso sobre o seu peito continuava. O ar entrava, porém, era como se o seu diafragma não conseguisse expandir o suficiente para que uma quantidade adequada de ar permeasse os seus pulmões.  

Poucos segundos depois, outras sensações apareciam. Fantasmas de dedos em seus braços, uma respiração em seu ouvido, a preocupação roendo o fundo de seu estômago, a inquietude fazendo com que ele começasse a mexer os dedos do pé... Com medo do que iria sentir, Tom erguia a mão para encostar no ponto em seu pescoço onde ainda podia sentir uma ardência, esperando notar a textura escoriada da pele arranhada, mas nunca havia nada ali. Isso é, até ele mesmo afundar as unhas na própria pele. Se era para ser machucado, ele faria isso consigo mesmo. Havia uma sensação falsa e fugaz de controle nisso.

Em algumas noites, ele conseguiria voltar a dormir. Essas eram as noites boas, quando eventualmente o sono conseguia se apossar dele, independente do medo e da falta de ar. Em outras, ele tinha que se levantar, andar em círculos, se esgueirar para um banho no escuro, escapar para o jardim... Havia vezes em que tudo o que fazia era se afundar na banheira e alternar entre submergir na água ou esfregar onde conseguia alcançar até ficar vermelho. Novamente, pequeninos momentos de controle sobre si mesmo. Outras vezes, ele se deixava perder o controle, deixava que os pés o levassem até o jardim, onde ficava acordado até o amanhecer, tremendo de frio em seus pijamas finos demais para o ar gelado das manhãs de inverno e início da primavera.

Naquela época, não havia tantos empregados na casa. Desde o seu desaparecimento, seus pais se desfizeram de boa parte das pessoas que trabalhavam ali, uma por uma, cada vez que ouviam sussurros referentes a ele saindo dos lábios delas. Assim, o número de pessoas que podiam encontrá-lo nessas situações era pequeno. Podia ser sua mãe, que iria lhe abraçar e o levar de volta para a cama, ou seu pai, que de forma surpreendentemente gentil, apesar de soturna, o guiaria de volta para o quarto e perguntaria se ele precisava de algo. Também havia Margareth, a moça que limpava a casa e que sempre soltava um barulhinho preocupado quando o encontrava no jardim, antes de ir chamar a Sra. Riddle, ou a Sra. Lovett, a cozinheira, que geralmente fingia não o ver. O jardineiro, Sr. Bryce, era o único que arriscava segurá-lo pelo braço enquanto o levava para a cozinha, fazia uma xícara de chá para os dois e o distraía falando da esposa e do filho.

(Anos depois, haveria outro Sr. Bryce e esse, mais novo e mais assustado que o pai, também iria procurar paz no jardim durante a noite. Tom ainda se lembraria de como o rapaz o olhara com desdém quando ele não mexeu um dedo para se alistar ao exército, mas isso já não teria importância – nunca teve. Seria a vez de Riddle de tentar distrair alguém de pesadelos que resistiam ao despertar)

Meses iriam se passar antes que Tom pudesse dormir durante uma noite toda sem ter nenhum problema. Meses durante os quais o horário mais seguro de se render ao sono era durante o dia, encolhido sobre o sofá da sala ou debruçado sobre a mesa do escritório de seu pai (naquela época, o ateliê de sua mãe lhe era proibido, podendo ser adentrado apenas na companhia de alguém... muitas coisas perigosas, ele ouvira um médico falar, como estiletes e tintas que poderiam ser tóxicas). Meses durante os quais ele aprendera cada detalhe do jardim e descobrira que as estrelas podiam ser ótimas companheiras para uma noite de insônia. Era curioso, ele pensava de vez em quando, como uma situação horrível conseguira forçá-lo a prestar atenção em coisas pequenas mais uma vez: estrelas e flores e o nascer do sol, a segurança de um abraço e o peso de um olhar preocupado... Era horrível e Tom não queria passar por aquilo de novo e de novo e de novo, mas havia um certo conforto em saber que teria uma recompensa, mesmo que minúscula e nem sempre notável.


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