Destino Incerto escrita por ShisuiONagato


Capítulo 2
Volta Pro Seu País, Idiota!


Notas iniciais do capítulo

Fala pessoassss :) Mais um capítulo saindo do forno direto para vocês ♥ Espero mesmo que estejam curtindo, o tanto que estou gostando de escrever!
Se não for pedir muito, gostaria que me dessem seu feedback para saber suas opiniões!
Sem mais delongas... Boa leitura para todos :)



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As mãos trêmulas e enrugadas do velho diretor, seguravam firme o telefone sem fio da secretaria do colégio. Sabrina conseguiu se salvar de toda a história mais uma vez — seu jeito rebelde as vezes ajudava, uma vez que o diretor sabia que ela não mudaria.

Tentava dispersar meus pensamentos olhando cada canto daquela sala, sem descansar meus olhos um segundo sequer. A mesa de madeira envelhecida e mal envernizada, estava cheia de papeis espalhados e canetas já sem tinta jogadas por cima deles. A tinta das paredes também descascava aos poucos, assim como em quase todas as outras daquele prédio tão velho, construído a muito tempo atrás por um dos fundadores do colégio.

Mesmo tentando evitar ficar pensando, só conseguia me concentrar em ouvir o que ele dizia à minha mãe do outro lado da linha. Fiquei imaginando sua preocupação ao escutar que seu filho havia esmurrado um “colega”. Ela mal conseguia sair da cama, e para ajudar acabara de dar mais esse desgosto. Tudo isso era culpa daquele olhos puxados.

De repente, sou livrado da preocupação quando o diretor devolve o telefone branco — levemente amarelado por causa do tempo — de volta no gancho.

 — Pode se retirar senhor Bruno. Deve voltar a sua aula.

— Por favor me perdoe! Juro que não foi minha intenção fazer o fiz, somente não consegui me controlar naquele instante, e sinceramente nem sei direito o motivo. — estava realmente arrependido.

— O que você fez foi algo sério, não podemos negar. Mas o que seria ser jovem sem cometer erros, não é? — ele ri, o que me deixa confuso. — Só me prometa que não fará algo do tipo novamente. Imagine se fosse você no lugar dele... Um outro país, diferenças culturais, outra língua, outras pessoas, e o pior é que não tem sua família por perto para ajudar.

— Claro senhor, não farei. Peço novamente desculpas pelo ocorrido.

Levanto-me da cadeira e pego minha mochila com a mão esquerda, arrastando-a no chão. Já estava passando do batente da porta quando ele me interrompe de seguir.

— É um bom rapaz Bruno! Metade dos jovens daqui não iriam conseguir viver um dia no seu lugar. — ele sorri outra vez.

Apenas retribuo e me retiro de lá. Apesar de tudo, o diretor sempre transmitia paz com suas palavras. Ele me lembrava o Mestre dos Magos de Caverna do Dragão, seus cabelos grisalhos ainda se encaixavam perfeitamente — só faltava ser longo — afinal já era bondoso e sábio.

Continuo a andar pelo longo corredor onde ficava a maioria das salas de aula e os laboratórios do colégio — vendo vários panfletos de assuntos diversos espalhados pelas paredes. Vou até o banheiro e ligo a torneira pia deixando a água escorrer bem devagar enquanto lavo meu rosto e respiro profundamente para tentar esquecer tudo. Desvio meus olhos para o espelho, e me encaro por alguns minutos, me perguntando o porquê de eu ter fiquei tão irritado com aquele garoto, afinal como o diretor havia dito, ele estava sozinho... Mas meu orgulho não deixava nem mesmo eu cogitar em pedir desculpas. De relance vejo alguém entrando. Era Tales.

— Eai parceiro. O que houve? Está com cara de cachorro arrependido. — diz enquanto já abria o zíper de sua calça para se aliviar, fazendo com que ficássemos de costas um para o outro.    

— Ta... Tales? — foi tudo que saiu da minha boca.

— O que foi? — ele fica confuso com minha reação.

— Achei que não queria mais falar comigo. Se afastou de mim tão repentinamente. — jogo logo a real.

— Claro que não irmãozinho. Você sabe que é meu brother. É que agora estou com a Lisa, e sabe muito bem como são as garotas né? — ri.

— Sim. Eu sei... — estava mal demais para manter uma conversa longa.

— Fez um grande estrago na cara daquele asiático. — diz mudando de assunto.

— Ele é coreano. E na verdade, não deveria ter feito isso. — afirmo.

— Bobagem! É legal socar algo de vez em quando. Principalmente carne nova. — ele ri como se fosse algo genial ficar brigando com os outros. Mas não podia reclamar, Tales e eu éramos amigos desde pequenos, uma vez que morávamos um do lado do outro, antes dele se mudar dois anos atrás. Sempre me salvava daqueles que queriam me bater por mera diversão.

— Acho que sim. — apenas concordei.

— Vamos sair para beber hoje, como nos velhos tempos! Assim talvez melhore esse seu humor.

— Mas...

— Não aceito resposta negativa. Passo na sua casa as oito. — interrompe. — Agora tenho que ir. Vou divertir um pouco meu camarada aqui de baixo atrás da sala de limpeza da quadra de basquete. Até de noite meu brother.      

— Até... — ele já havia saído quando respondo.

Depois disso, finalmente chego na sala de aula. Bato apenas uma vez na porta, na esperança de ninguém atender e eu continuar do lado de fora. Infelizmente, a professora Barbara abre. Ela era completamente assustadora, tinha músculos saltados e usava um óculo redondo com armação laranja, totalmente brega em todos os séculos já existentes. As contas já ocupavam a lousa inteira e minha disposição para copiar aquilo tudo era zero multiplicado por zero.

Sento-me ao lado de Sabrina, que estava preocupada comigo. E na minha frente estava Jungkook, que continuava o mesmo, com aquela cara de morto, tirando o olho roxo que eu havia deixado, claro. Preferi apenas ignorá-lo.

— Eiii! — sussurra Sabrina. — Você está bem?

— Só quero ficar quieto um pouco, mas estou sim.

— Mocinho! — a voz rouca era da professora. Eu estava fudido. Ela ia me matar com aquele traseiro gigantesco que fazia tremer o chão quando sentava em sua cadeira.

— Si...Sim, senhora. — gaguejo.

— Chega com quinze minutos de atraso e ainda quer conversar dentro da minha sala de aula?

— Sinto muito. — digo rapidamente.

— Venha... Resolva esse exercício para seus colegas. — enquanto eu tremia indo em direção a lousa, Sabrina ria feito louca atrás de mim.

Eu olhava aqueles números rabiscados com giz branco e eles me olhavam sutilmente de volta. Matemática era minha pior matéria, eu quase havia repetido no ano passado, e então de repente me encontro nessa situação.

O silêncio tomou conta do lugar. Ouvia o bater de passos acelerado da senhora Barbara, o tique-taque do relógio em cima de minha cabeça, o lápis sendo apontado por algum aluno, a escrita sendo apagada pela borracha no caderno... Cada som parecia se tornar mais alto conforme os minutos iam passando, e o suor ia escorrendo em meu rosto. O giz que estava segurando fazia pequenos riscos em um ponto fixo na lousa, conforme o tremor da minha mão. Até que acordo dessa pequena crise de pânico quando ouço uma cadeira ser arrastada, e alguém se aproximar atrás de mim. Era Jungkook, que andava com seu caminhar lento. Carregava consigo uma folha de papel amassado na mão esquerda, e um pequeno pedaço inteiro na mão direita. Ia em direção ao latão de lixo, mas dá uma pequena pausa quando chega do meu lado. Ele coloca o papel não amassado no meu bolso discretamente, e depois continua até chegar aonde ia jogar o outro fora.

Após ele sentar novamente em seu lugar, puxo bem rápido o pequeno item do meu bolso. Era a resposta do exercício que estava na lousa. Minha sorte era Barbara ser um pouco cega, até mesmo com seus óculos bregas. Escrevo a resposta com o grande pedaço de giz e em seguida o devolvo a ela, voltando a minha mesa depois disso.

A única coisa que não me deixava em paz naquele momento era o motivo pelo qual aquele garoto havia feito aquilo. Eu tinha acabado de dar um soco nele, e até então só o tratei mal. Por que ele fez isso? Por que me ajudaria? Por que justo eu? Eram perguntas sem respostas. Me assusto com o sinal do termino da aula, que nem vi passar. Me atrapalhei tanto nos pensamentos que não me concentrara nas coisas ao meu redor.

Sou o último a sair da classe, até mesmo depois da senhora Barbara já ter pegado todas suas coisas espalhadas em sua mesa. Vi que Sabrina me esperava com as bochechas encostadas na porta, sorrindo em minha direção. Apressei-me para chegar a ela.

— Você estava bem distraído em Bruno! Algum bicho te mordeu? Ou será que foi o próprio diretor que fez isso com a advertência por causa do Kook?

— Cookie? Você só pensa em comer?

— Não babacão. É o apelido fofinho que eu dei para ele. — ela diz isso dando um giro de alegria e parando com seus olhos bem próximos ao meu. — E é Kook, e não cookie.

— Você é doente sabia? — rio.

— Mas você me ama assim. — meu corpo gela da cabeça aos pés.

— QUE?

— O que, o que?

— Que? Esquece... Vamos na cantina, estou precisando de mais balas de canela.

Depois de descansar um tempo, entramos para a nossa terceira aula do dia, de biologia. Eu ia bem na matéria, e a professora Thalia era minha preferida, era jovem, mas tinha um espirito protetor — como uma mãe — sempre me ajuda quando tinha dificuldades tanto em relação a matéria, quanto nas questões pessoais, isso tornava ela uma pessoa muito especial. Sua beleza era estranhamente delicada, com aqueles fios de cabelo loiro, e os olhos verdes suavemente azulados.

Felizmente a aula passou bem rápido, talvez fosse pelo fato de eu gostar de tudo aquilo, o que fazia com que o tempo corresse diferente para mim. Apenas aprendemos uma matéria nova, sobre genética, o que realmente me despertou um grande interesse. Durante todo o tempo não pude deixar de ficar olhando Jungkook, que não correspondia meu olhar, ainda queria entender o porquê dele ter feito o que fez.

Thalia sorri suavemente para mim com os olhos serrados ao me despedir e sair de sua sala, e eu retribuo com outro sorriso da mesma intensidade. Ela transmitia-me um sentimento bom, até mesmo me fez esquecer aquele coreano por alguns segundos.

Sabrina me puxa pelos meus braços de repente e me arrasta pelo corredor, descemos as escadas do segundo andar e fomos até a fila do lanche da manhã na cantina principal. O cardápio da vez era um sanduiche de atum com suco de uva, para piorar meu dia, afinal odiava qualquer tipo de peixe, e aquela fruta roxa e redonda me fazia querer vomitar — tirando o vinho, eu não gostava de mais nada que era produzido com ela.

Meu olhar é levado até uma mesa onde apenas uma pessoa estava sentada, não conseguia ver direito, mas ele usava um moletom enorme em seu corpo, e o capuz cobria metade do seu rosto, ficando apenas pequenos fios de cabelo a amostra. Sabrina me surpreende levantando repentinamente de nossa mesa.

— Olha lá aquele garoto sentado sozinho, Bruno... — ela lia mentes agora por acaso? — Vamos até lá!

— Como?

— Para de ser frouxo e levanta logo daí! Sabe que não gosto de ver pessoas sozinhas assim. — isso porque uma amiga dela havia se suicidado a mais ou menos um mês atrás, e antigamente ficava isolada do mesmo jeito do garoto naquela mesa.

Ele me arrasta novamente por uma das mãos, enquanto com a outra segura seu copo com suco, e o lanche estava preso entre seus dentes. Quando chegamos até lá, minha vontade de voltar era imensa!

— Ora! É o Kook! — ela se anima. — Vamos nos sentar aqui, ok?

— Claro, podem senta. — aquele “português” engraçado outra vez.

— Sabrina, já se esqueceu que eu o esmurrei hoje mais cedo? — digo corando as bochechas.

— Minha nossa Bruno... Eu esqueci. — morde a língua, fingindo demência.

— Não preocupa isso. — ele quebra o clima.

— Hã? — arqueio uma das sobrancelhas.

— Eu digo desculpa. Achei que quando disse que ia matar algo, era uma gente de verdade. — então era isso? Não acredito que bati nele atoa.

— Ai meu deus! Está vendo Bruno, somos pessoas más. Ele se confundiu.

— Me desculpe vocês.

— Claro que desculpamos Kookiezinho! — ela era tão fofa falando isso. — Não é mesmo Bru?

Fico paralisado... Pensado... Refletindo. Como eu pude fazer isso com aquele garoto? Eu sequer tentei entender a situação. Estava me questionando antes, mas agora eu realmente me sentia culpado.

— BRUNOOOO! — era Sabrina.

— Que? — fico em silêncio enquanto me recomponho de novo. — Eu... Eu preciso ir.

— Aonde você vai seu louco? Volta aqui! — ouço sua voz, enquanto me afasto com passos apressados de onde nós estávamos.

Ando sem rumo por toda a escola, apenas aumentado a velocidade cada vez mais. Olho para um lado e para o outro, estava com um sentimento de culpa enorme palpitando em meu peito. Mas por quê? Era só um garoto. Ele já havia até me pedido desculpas. Então qual era o motivo desses batimentos?

Encosto na parede gélida ao lado da sala de música, devidamente identificada por uma plaquinha de metal em cima da porta. Aos poucos vou escorregando minhas costas, até sentar por completo no chão. Algo estava tocando lá dentro, era calmo e lento. Ia escutando e meu coração desacelerava aos poucos. Tinha quase certeza de que era nossa professora, Margarida, apenas ela tocava tão perfeitamente como a melodia que estava ouvindo. Quando percebo eu já sorria de olhos fechados, acompanhando o ritmo dentro de mim.

Respiro fundo. Já havia me acalmado quando o sinal ecoa novamente, para dizer que os alunos deveriam retornar para suas duas últimas aulas do dia. Ficara tão bem comigo mesmo que quase esqueci qual era a próxima matéria, sorte que vi alguns colegas de classe entrando na sala da frente aonde estava, que era de português.

Novamente aquele coreano me vem na mente. Dessa vez era apenas imaginava como ele se sairia na aula da língua falada no nosso país.
— Bom dia turma! — diz o professor Lucio, após todos entrarem e sentarem em seus respectivos lugares. A resposta vem logo depois por nossa parte. — Hoje iremos fazer uma tarefa bem simples, assim conseguiremos ajudar nosso novo colega a se enturmar melhor, e a melhorar o seu português.

Ele nos entrega papéis com três atividades, que a propósito até uma criança de dois anos saberia fazer em minutos. Minha surpresa foi grande quando ouvi meu nome.

— Bruno, sente-se ao lado do Jungkook e ajude-o na atividade.

— Mas professor, é algo muito simples.

— Simples para você idiota. — Sabrina brinca.

— Senhorita, não admito palavrões em minha aula. Retire-se. Enquanto a você Bruno, faça logo o que eu digo.

— Ai está bem! Que mal humor. — murmuro. Sabrina arruma seu material e realmente sai da sala — toda feliz por sinal.

Pego minha cadeira bem cuidadosamente para não fazer barulho e a levo do lado dele. Depois faço o mesmo com meu material, colocando-os em sua mesa.

— Me desculpar. — diz o moreno, e eu não entendo nada outra vez.

— Pelo que?

— Ter que ajudar a mim.

— Relaxa, está tudo bem. — digo logo, antes que enchesse mais minha paciência.

A primeira atividade era um mero caça-palavras, não pude acreditar que em pleno terceiro ano do ensino médio, estaria procurando palavras para ajudar um coreano com um olho roxo.

— Vamos começar logo. — continuo. — A primeira palavra é “COLÉGIO”.

Em menos de dois segundos ele à encontra e circula todas as letras, sem errar em nada. Poderia até dizer que estava surpreso, mas ele mesmo havia me dito que tinha treinado o português por um tempo.

— Certo né? – era tão difícil não rir daquele sotaque asiático.

— Sim! Vamos logo para próxima, já estou cansado do dia de hoje. — vejo na folha que a próxima ele “FELIZ”.

 Pronto! Féliz. — eu juro que nessa hora não aguentei e comecei a rir muito alto.

— É feliz! Não feliz, sem acento.

— Mas eu estar sentado.

— Não seu bobo, acento são essas coisas em cima das letras. No português temos vários tipos deles.

— Ohhh! Entendi agora. — ele ri de volta para mim.

Sem perceber, estávamos rindo os dois, juntos. Nem me lembrava do ocorrido naquele instante, e acredito que ele também não. Quando a fixa cai, eu me recomponho e engulo um seco na garganta.

— Certo! Vamos para o exercício dois. — aqui nós só teríamos que pintar os balões de acordo com no nome da cor. Caralho será que eu tinha voltado para o primário e não sabia?

Isso já o confundiu um pouco. Ele me desse que não imaginou que precisaria saber o nome das cores em português, mas no fim eu o ajudei dizendo os nomes em inglês e assim facilitou para ele.

Por último fomos para a terceira questão. Nela ele precisaria dizer com poucas palavras o que tinha achado do primeiro dia de aula no Brasil, e o que ele mais havia gostado de tudo que fez até o momento.

Ele pega sua caneta preta, com a tampa toda mordida e amassada, começando a escrever logo em seguida. Tento desviar o olhar para evitar atrapalhá-lo, mas não consigo me conter em ver quando ele larga o objeto de sua mão e ergue a folha, para tentar ver se a escrita estava certa.

“Foi legal fazer amigo Bruno”. Com isso ele respondera a primeira e a segunda questão em uma só cartada, mas o que eu não entendia era o motivo do meu nome estar ali? E ainda por cima acompanhado da palavra “amigo”. O que ele estaria pensando, que eu era seu amigo? Pois se fosse estava muito enganado. No máximo éramos colegas de classe, nada mais que isso.

Jungkook levanta e sorri para mim, depois caminha até o professor e entrega a folha em suas mãos. Ao voltar para perto de sua mesa, ele inclina seu corpo fazendo reverencia para mim e diz umas palavras estranhas.

— Mas que porra é essa? — pergunto.

— Oh! Desculpa. É um agradecimento em coreia. – responde, bagunçando seus cabelos com as mãos e rindo como se soubesse que tinha feito confusão com as origens outra vez.

No fim, apenas ignorei o que ele escrevera na atividade, afinal era seu primeiro dia e as únicas pessoas com quem ele teve mais contato, fora os professores e o diretor, foram Sabrina e eu — no caso, minha mão.

— Ok Bruno, pode voltar para seu lugar. Vamos dar continuidade a aula agora. — interrompe Lucio.

Retorno para minha mesa, e ele retoma a matéria complexa após dispensar Jungkook da sala, já que a partir dali seria complicado demais para ele, só fazendo-o perder tempo.

Faltavam doze minutos para terminar, mesmo assim o tempo parecia não passar. Acho que era graças ao fato de estar sozinho, já que Sabrina foi expulsa, Tales deveria estar completamente excitado nesse momento e feliz da vida com sua namorada, e Kook também havia saído.

Kook? Por que minha mente pensou no apelido fofo que Sabrina deu a ele? Sai de mim coreano, desaparece da minha mente, eu hein! Chacoalho várias vezes a cabeça em movimentos repetitivos, o que bagunça meus cabelos escuros e desfaz meu topete.

O barulho do sinal me ajuda voltar a realidade, estava distraído demais e realmente ainda não entendia o motivo, provavelmente era por causa daquele acontecimento — que mesmo tentando apagar por completo — não conseguia fingir que nada havia acontecido.

Retiro-me ainda um pouco absorto em meus pensamentos, que logo são interrompidos ao ver Sabrina conversando com Jungkook sentados no chão bem no meio do pátio do segundo andar.

— O que vocês estão fazendo? — pergunto cruzando os braços.

— Ele só estava me dizendo o porquê tinha saído da sala antes de acabar a aula.

— Entendi.

— Era só isso?

— Era... Quer mais alguma coisa por acaso?

— Ain! Seu grosso. Vai pescar!

— Pra que se já tenho um peixe bem exótico na minha frente? — brinco sarcasticamente.

— Ah é? Qual? Uma sereia, não é? — pergunta esperançosa.

— Uma piranha! — ela mudou sua expressão de anjo para demônio em questão de milésimos de segundos. Bipolaridade é o nome. 

— É melhor correr seu moleque! — eu tinha realmente irritado ela, era o que queria fazer. Corremos um do outro por alguns instantes, parecíamos duas crianças brincando sem nenhuma preocupação. Era melhor assim. Foi a promessa que fizemos um ao outro...

Posso ver pelo canto dos meus olhos, que Jungkook estava rindo nos vendo agindo como dois idiotas. Isso me fez pensar que poderíamos ter começado diferente se estivesse com esse humor de agora. Poderia ter evitado magoa-lo — mesmo que tenha parecido não ter ficado chateado com o que aconteceu — contudo, as marcas que estavam em seu rosto diziam o oposto.

— Você é um babaca Bruno. — ela diz enquanto para de correr para respirar.

— Olha quem fala, baixinha! — retruco ofegante.

— Gente, aula começar agora. — ele quebra nosso momento. Talvez ele realmente tenha merecido apanhar um pouco no fim das contas...

— Tem razão, vamos entrar logo. — Sabrina me segura com uma de suas mãos, e com a outra prende as dele, puxando-nos em seguida. Com isso nos levando para nossa última matéria do dia. Geografia, com a professora Martha.

Ela pede para que Jungkook fala um pouco sobre a Coreia do Sul. Apontando a cultura, os principais alimentos, e várias outras perguntas. Ele começa mostrando no mapa a localização e aponta quanto tempo dura uma viagem de lá para cá ou vice-versa. Também diz muitas pessoas de fora estão conhecendo bastante o país pelo gênero musical K-pop, que acabou se espalhando por vários lugares do mundo nos últimos anos. Falou um pouco dos ensinos nas escolas coreanas e também sobre política — nessa parte eu estava quase dormindo.

Nunca vi minha sala se concentrar tanto em alguém, quanto fizeram com ele. Até as conversas paralelas pararam, e a atenção voltou-se toda para ele. Apesar de seu português engraçado e confuso, ele se virou bem dizendo algumas palavras em inglês, apesar de que as vezes esquecia e soltava algo em coreano, o que me fazia rir por dentro e me segurar por fora.

— Por que você escolheu o Brasil? — pergunta um aluno.

— Porque é muito bonito aqui. Adoro as pessoas, elas som calorosas e alegres también. — caralho, até espanhol ele falou. Bichão estava trilíngue já. 

— Certo classe, sei que estavam gostando de ouvir nosso novo colega falar, mas tudo que é bom dura pouco não é? Faltam alguns minutos para a aula acabar. Estão dispensados.

— FINALMENTE! — Sabrina deixa escapar. — Opa... Acho que falei alto demais.

— Tenho certeza que você quer ficar depois da aula não é senhorita? — pergunta Martha.

— Com certeza não professora. — elas riem.

Mas a frase dela não estava errada no fim das contas. O dia tinha sido completamente cansativo, mais do que qualquer outro. Só queria minha cama naquele momento.

Solto um suspiro de alivio ao passar pelo enorme portão enferrujado da saída do colégio, até o ar que respirava parecia diferente. Soltei um sorriso e levei meus punhos até minha cintura.

— BRUNOOOO! — quem mais poderia ser? — Pare de fingir ser o Superman e vamos logo andando. — ela sempre me acompanhava para ir embora, afinal morava perto da minha casa, umas duas quadras de distância.

— Nossa você é uma estraga prazeres mesmo. — digo já a seguindo.

— PARE! — tão repentino assim?

— Parei... — olho confuso e com os olhos arregalados.

— Vi que hoje você não estava muito legal, então vou te comprar um café gelado na venda de esquina para animar até sua alma.

— Está doida? Olha o frio que está fazendo.

— Para de ser bunda mole Bruno! Anda logo. — ele me arrasta até o outro lado da rua. Apenas sigo sem poder questionar.

Na verdade, o café gelado era um lance nosso e do Tales. Nós três costumávamos tomar todas as sextas feiras na padaria na frente do colégio, mas o tempo foi passado e Tales começou a deixar de aparecer. Depois Sabrina. Então me via sozinho tomando o café, até um certo ponto que perdeu a graça. Já se faziam sete meses desde o meu último.

Que boas recordações eu tive após aquele liquido gelado descer pela minha garganta. Era como se remetesse a infância ou algo do tipo. No fim das contas, ela sabia me animar mesmo.

— Agora podemos ir para casa, senhorita? — pergunto.

— Mas é claro bobão, vamos.

É uma longa caminhada até minha casa. Para chegar no colégio a tempo, acordo duas horas antes do horário do sinal, afinal sempre tenho que esperar Sabrina que perde hora todos os dias. Fomos andando e rindo o caminho todo, o humor dela é completamente diferente do dia em que nos conhecemos, mas admito que amadureceu muito mais que eu, apesar de ser um ano mais velho do que ela.

O caminho se torna mais curto quando conversamos sem parar, sem ver já estou na frente de sua casa.

— Vai fazer alguma coisa nesse final de semana? — ela pergunta

— Apenas estudar para as provas.

— Ai, você é muito nerd! — te ligo mais tarde.

— Vou estar te esperando minha Julieta. — brinco.

— Vai se foder. — me responde já da sacada de sua casa, depois de entrar.

Sua casa era linda, cercada por arbustos e com um portão de grade branco e bem pequeno. A cor era um rosa suave que agradava os olhos e o telhado parecia com aqueles de filmes americanos, tinha até uma chaminé. Seu pai sempre nos esperava chegar do colégio observando da janela, esperando para me cumprimentar.

Ando mais um pouco e finalmente chego em casa. Puxo do meu bolso as chaves da porta com um chaveiro de tartaruga pendurado. Ela era uma construção estreita, localizada entre duas outras um pouco maiores que a nossa. Sua pintura cinza estava começando a ficar suja, mas não era o momento apropriado para uma reforma, afinal só tínhamos a pensão que minha avó deixou quando morreu, fora o que ganho na banca de jornais do senhor Emanuel na praça do outro lado da rua, onde trabalho de segunda a quinta feira depois do colégio. Depois que meu pai nos abandonou quando tinha apenas cinco anos, as coisas tiveram que mudar um pouco, por isso evitamos gastar com coisas que podem ser deixadas para depois. Além de tudo ainda tinha os remédios da minha mãe, que descobriu um câncer avançado a alguns meses atrás, por isso teve que sair do emprego e mal sai de casa.

— Boa tarde mãe! — Digo ao entrar.

— Olá querido, chegou tarde hoje.

— Sabrina e eu fomos tomar café assim que saímos do colégio.

— Vocês dois ainda vão acabar juntos.

— Claro que não, isso é só imaginação sua. — ATÉ ELA SABIA.

— Fiquei preocupada com a ligação do diretor hoje pela manhã. Você nunca fez algo do tipo.

— Sinto muito mesmo... Eu acabei me exaltando e não consegui me conter.

— Deve ir pedir desculpas à família do garoto.

— Isso é meio impossível. Eles são da Coreia do Sul.

— Coreia?

— Ele é um aluno que chegou hoje de intercâmbio. Na verdade, não sei com quem está morando.

— Coitado! Imagina como ele deve ter se sentido.

— Me desculpe mesmo. — inclino a cabeça, demonstrando arrependimento.

Ela sorri e me puxa para perto dela, me abraçando. Mesmo com tantos problemas, ela nunca perdia a postura. 

— O que quer comer meu filho? — pergunta mudando de assunto.

— Na verdade nada mãe. Mais tarde o Tales vai passar aqui para sairmos um pouco.

— Você deve estar tão estressado ultimamente, tenho certeza disso depois de hoje. Saiam e se divirtam então, mas antes suba e descanse um pouco.

— Farei isso, obrigado! — agradeço e subo as escadas, entrando em meu quarto no segundo andar.

Posso dizer com toda certeza que era bem organizado. A cama com madeira tingida nos tons de preto e branco ficava bem no meio, e encima dela três almofadas da mesma cor. Do lado direito uma velha escrivaninha de computador, onde deixava meus livros empilhados de um lado, junto com uma caneca cheia de caneta e marcadores, e do outro meu notebook, com mais uns retratos espalhados por perto. Ao lado esquerdo do quarto ficava minha pequena cômoda, onde deixava meu despertador e mais uns papéis importantes na gaveta. Ainda desse lado, era onde a janela ficava — que aliás gostava de sentar perto e ficar apreciando as estrelas durante a noite, mesmo que parecesse meio brega ouvindo assim— ela iluminavam por completo o ambiente, mesmo com a cortina de algodão cobrindo-a. Tinha também meu guarda-roupa, onde também posso dizer que estava bem arrumado, com todas as roupas dobradas, e os perfumes lado a lado. Também tinha um quadro que ficava bem na minha cabeça, quando deitado na cama. Era uma pintura desconhecida, mas eu gostava muito dela, então nunca me desfiz.  

Depois de um dia tão cansativo, e razoavelmente estranho, posso deitar e esticar minhas pernas. Me sentia como se estivesse flutuando, minha mente esvaziava quando relaxava na cama. Antes, eu fecho a cortina deixando apenas uma fresta de luz entrar, que batia no meu pé formando apenas uma linha que seguia até parar perto da porta. Respiro profundamente e pego no sono.

— x —

“Tum”... “Tum”... “Tum”... Uns barulhos vindos da janela de repente me fazem despertar. Meus olhos estavam relutantes, não queriam se abrir. Levanto-me ainda meio desnorteado de sono e abro-a para ver o que era.

— Até que enfim Bela Adormecida. Vamos? — era Tales, e eu tinha dormido demais!

— Mano! Perdi a hora. — olho no relógio, eram oito e quinze da noite. — Espere um pouco, vou tomar um banho e já vamos.

— Fazer o que, não é? Vou te esperar aqui na frente. — diz já se sentando na calçada.

Corro para o chuveiro e regulo a temperatura para o mais quente — fazia muito frio e eu não queria congelar. Enquanto a água fervente escorria pelo meu corpo, fico pensando se não deveríamos ter chamado Sabrina também, mas logo esqueço essa ideia. Mal me enxugo com minha toalha vermelha toda cheia de fios soltos, e já corro para o quarto, abrindo o guarda roupa e pegando as primeiras peças que via pela frente, coloco uma jaqueta por cima da camiseta, visto uma calça jeans rasgada — semelhante a que Jungkook usava quando entrou na sala pela manhã. Por último, pego o mesmo tênis que usara no colégio.

— Até mais tarde mãe! — grito descendo as escadas e já abrindo a porta de entrada.

— Bruno... Ele já foi... Se cuida, meu querido. — ouço distante sua voz.

Tales e eu paramos no bar perto de minha casa, poucos quarteirões dali. Estava lotado de jovens de nossa idade, e uns adultos perdidos também. Sentamos em uma mesa que ficava dentro do estabelecimento. Logo uma garçonete — muito gata por sinal — veio nos atender.

— O que vão querer senhores? — pergunta com uma voz doce.

— Duas cervejas, por favor. — Tales mal espera ela terminar de falar.

— Vocês não são muito jovens para beber? — pergunta.

— Claro que não gracinha. Tenho vinte e ele dezoito anos. Pode ver nossas identidades. — ela checa e pede desculpas por duvidar.

— Vou trazê-las logo. — ele dá um tapa em sua bunda ao sair, fazendo sua saia levantar por completo. Vi em seu rosto o desconforto, juntamente com a vergonha e as bochechas coradas.

— Não deveria ter feito isso. — murmuro seriamente.

— Você é muito fresco Bruno. Por isso não pega ninguém.

— Pelo menos não fui eu que repeti duas vezes por ficar de graça com as garotas invés de estudar.

— Pelo menos não sou mais virgem. — retruca.

Não tinha resposta para isso. Ele podia ser um babaca as vezes, mas era meu amigo de infância, e já me havia me ajudado durante anos.

— Eu já namorei! — digo depois de pensar um pouco na resposta que daria.

— Sim, já namorou e eu sei disso, mas foi a um ano atrás... Bruno, como seu amigo, você deve escolher logo. Não quer morrer sozinho, quer?

— Claro que não, só não encontrei a pessoa certa ainda.

— Isso é coisa de garota cara, só sai pegando todo mundo e pronto, se divirta com o cardápio.

Fico em silêncio, não iria ganhar essa discussão nem se tentasse. A “lista” dele era de se invejar por qualquer um. Queria um dia poder por minhas mãos nela e saber quais os nomes escritos lá.

— Até que enfim chegaram. — um outro garçom veio nos trazer as cervejas, vi que a outra nos observava com olhar de julgamento atrás do balcão. — Vamos encher a cara amigo!

Eu não tinha o costume de beber. Às vezes Sabrina e eu comprávamos uma garrafa de whisky barato e um maço de cigarro, e bebíamos no banco da praça perto de nossas casas, mas fazia tempo desde a última vez.

Uma.

Duas.

Três.

Estava começando a ficar alegre.

Quatro.

Cinco.

Seis.

Sete.

Tales já estava sem camisa, voltando os olhares das garotas para ele.

Oito.

Nove.

Dez.

Minha visão ficou fora de si. Nós dançávamos com as garotas, fiquei imaginando se Lisa aparecesse ali de repente, o que ele iria fazer para se defender.

— Bruno... — ouço alguém me chamar bem de perto.

Viro-me e vejo um garoto, mas não conseguia identificar, estava tudo embaçado. Cambaleava sem conseguir me equilibrar, e mesmo que minha consciência dissesse para não fazer, meu corpo não me obedecia.

— Quem é? — pergunto apertando as bochechas dele. Eram macias.

— Bru... Bruno... Eu, Jungkook.

— HÁ! O olhos puxados. — passo as mãos bagunçando seus cabelos. — Você estragou meu dia hoje seu babaca.

— Eu...

— Desembucha logo! — altero meu tom de voz, estava completamente bêbado.

— Seu estojo você esqueceu na sala. — estica seus braços com um objeto nas mãos, mordendo os lábios e sem olhar na minha cara.

— Espera... Como sabia que eu estava aqui? Você me seguiu desde o colégio?

— Queria devolver a você isso. — ele abaixa a cabeça.

— Meu deus! Você é um maluco... Me perseguiu todo esse tempo mesmo? Só me falta ter me visto pelado também enquanto tomava banho...

— Desculpa eu... — sua voz mostrava sua tensão e todos os redor pararam para ouvir o show.

— É ME DESCULPE QUE FALA! E ALIÁS É SÓ ISSO QUE SABE DIZER PORRA? DESCULPA, DESCULPA. PENSE ANTES DE AGIR, DROGA! — eu gritava descontroladamente, mesmo que eu quisesse parar, não conseguia.

Ele sequer se move, e continua com a cabeça baixa.

— Calma cara. — Tales tenta me segurar.

— PRIMEIRO AQUILO NA AULA DE PORTUGUÊS E AGORA ISSO? — continuo a berrar. — VOLTA PRO SEU PAÍS, IDIOTA!

Nesse momento eu paro. Vejo uma lágrima escorrer de apenas um lado do rosto de Jungkook. Por dentro, estava arrependido, querendo apenas fugir dali. Aos poucos, tudo fica mais borrado até quedar-se tudo preto. Sinto meu corpo cair vagarosamente e atingir em cheio o chão gelado daquele bar.


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Notas finais do capítulo

Aaaaaa to adorando escrever essa fic :)
Logo mais sai o terceiro capítulo, então fiquem ligados para novidades :) E se puderem deixem seu feedback... Até a próxima ♥



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