Credence era uma maior controvérsia do que ela mesma, Abigail reparara em meio ao seu extenuante tédio e silêncio sepulcral. Bocejando, a agente pensava em como as gotas escorrendo pelos pelos rubros do Arcanine e o frio no exterior de sua garupa pareciam não combinar em nada com o seu amigo, que em intervalos de poucos minutos meneava a cabeça para um lado ou outro, terminando tais sempre mais atiçado que naturalmente, como se o solo batido do trajeto estivesse prestes a arder em chamas naquela noite de lua. 

Visando adivinhar o que ele pensava só com sua “percepção metódica”, como ela mesma, modéstia à parte, gostava de chamar; Abigail ainda suprimiu o desejo louco de agarrar nos ombros do parceiro e parar sua correria à força a fim de resolver o que ali se passava. E para depois talvez – só talvez, xinga-lo pelo curso, mandando-o assim concentrar-se no caminho. Mas foi notável como não o fez pela pura preguiça de se desatar da sua carona e se aprumar, arrumando assim um nome bonito qualquer para seu leve incômodo.

Entretanto, Abigail logo maneou a cabeça para os lados, não era como se ela se importasse com quem quer que ele estivesse imaginando. Abby ignorou a vozinha em sua mente que a pedia para falar com o cão e bocejou, esperando indica-lo que talvez só estivesse pensando nessas coisas porque ele não a estava provocando o bastante.

Embora que agoniasse o seu juízo politicamente correto o fato de querer estar disputando as atenções de Credence assim, ela continuou calada, observando, ranzinza e desconfiada a cena que se seguia, espumando de curiosidade controladamente, como se esperaria de uma boa criatura das neves.

Nesse vai e volta de emoções o seu amigo ainda apertava os olhos, entreabria a boca para falar e desistia, ou mudava para uma feição ainda mais dispersa que a anterior. O ritmo da fuga para a Taverna seguia preocupante pois Credence, nesse entremeio, marchava distante ao ponto de estar desatento, e Abigail se sentia grata de saber que as trilhas que os guiavam até a vila eram calmas e aconchegantes. Em verdade, as rotas eram até que eram um pouco geladas e úmidas demais, mas ainda pouco passível de acidentes, mesmo com o perceptível descuido do parceiro. E melhor, eram desertas.

Desistindo de sua distração ainda rotulada como observação, Abigail então fechou os olhos. Os segundos que se sobrepuseram ao seu devaneio logo foram esquecidos e, enquanto ela se focava apenas nas gotas de chuva que escorriam por sua pele, seus ouvidos se atentaram à passagem da fronteira entre os portões da floresta para o rio da pedra, ao compasso de que o Arcanine resmungou, frustrado.

— O que? — Ela, por fim, indagou, mesmo sabendo de que a probabilidade não seria condizente com uma resposta concreta. Porém, com a pressa de Credence em se curvar para ouvir os arredores, ela percebeu que essa mudança brusca se tratava de algo problemático. Abigail piscou e só havia uma pessoa no mundo que causaria aquele efeito na sua companhia. — Ah. Não diga mais nada. — E parou para repensar um pouco. — Na verdade, diga. Quando pretende contar para ele? — E questionou, descarada, enquanto o mais velho quase capotava os dois ao pegar a direção errada após perceber o que Abigail descobrira.

— Como você adivinhou? — Ele ainda perguntou, os olhos vidrados no nada.

Credence engoliu à seco. E assim, quem sabe, ele já não fosse mais tão controverso quanto Abigail previa, só ela mesma, que percebera então que poderia muito bem ter citado o nome de Ianis antes ao invés de perder tempo e energia deduzindo tudo isso.

— Ele terá uma missão em três dias e querem que eu esteja na jogada. Não pude dizer não.

— Ou o chefe cortaria a suas bolas. — A Jynx concluiu. E, outra vez, ela não precisou entender o que Credence estava pensando para saber que concordava.