Âmago da Meia-noite escrita por Shantalas


Capítulo 11
Conversa com Claus


Notas iniciais do capítulo

Parte II de II



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Omun.
— Você está bem mesmo? Talvez fosse melhor retornarmos para o quarto – Claus diz com sincera preocupação.
— Não, o senhor precisa saber.
Claus não negou, queria saber cada detalhe, pois ele sabia que a informação era essencial. Daniel prosseguiu com o que dizia e contou ao Rei o que aconteceu desde o momento em que invadiu o sonho da princesa até a conclusão do embate onde ele conseguiu expulsar a bruxa da mente de Melanir. Claus ouviu tudo calado, ficando nervoso nos momentos em que a bruxa era mencionada e ficando constrangido na narração do sonho da filha.
— Devo de verdade agradecer a sua filha, princesa Kalifa, ela salvou minha vida.
— Aquela garota é mesmo uma arteira – Diz Claus com falsa decepção.
— Ela me lembra um tecido de seda, delicado e suave, mas forte e resistente. – O garoto não conseguiu esconder o tom afetado.
— Você deve tomar cuidado – O Rei diz achando graça – Eu mandei buscar um instrutor de artes marciais do extremo ocidente para essas meninas, diretamente da Floresta de Blueberry.
— Graças a isso meu pescoço não foi esmagado – Daniel sorri aliviado.
O Rei Claus se ergue do banco e se espreguiça, parecendo um urso despertando do inverno. Ele fica de frente para o garoto e pergunta:
— Uma coisa me intriga, você disse que somente Umbuzeiro seria capaz de rivalizar com essa bruxa, mas você conseguiu expulsá-la.
— Não – Daniel se entristece e fica envergonhado – O que eu fiz foi errado. Usei a magia sombria. Me senti pressionado a usá-la, foi errado. Eu prometi ao ancião que nunca usaria e mesmo assim...
— Meu garoto, pense comigo, porque acha que Umbuzeiro lhe escolheu para esse trabalho?
Daniel muda sua expressão de tristeza lentamente para uma de intriga. Ele sobe o rosto e encara o Rei. Então responde:
— Ele me proibiu de usar, é uma magia perigosa
— Se é tão perigosa assim, porque um garoto da sua idade sabe utilizá-la?
— Eu não sei! Fiz coisas que nunca tinha testado antes.
— E conseguiu vencer uma bruxa tão poderosa quanto Umbuzeiro em um duelo.
— Não foi um duelo...
— Você desistiu de pensar? – O Rei sorri
— Não – Daniel se exalta – Não é como você está pensando! Como o senhor está pensando! Desculpe, vossa Excelência! – Ele balança a cabeça negativamente – Isso tudo faz parte de um teste, ele queria saber se eu iria apelar para o lado mais fácil e eu falhei! Quebrei uma promessa!
— Você acha que a vida da minha filha faz parte dos jogos de vocês? – O Rei fica sério e Daniel logo se intimida
— Não! Não é isso!
O Rei sorri mostrando que sua seriedade era apenas uma encenação e então se inclina e coloca a mão pesada e grande no ombro do garoto dizendo:
— Eu conheço Umbuzeiro, sei como ele é. Não é o que ele diz que realmente importa e sim o que ele faz e o que ele não diz. É um homem de enigmas.
Uma confusão se inicia na cabeça do rapaz, o que o Rei dizia fazia sentido, mas ele sabia que a magia sombria não era algo para alguém com o desempenho dele usar, até mesmo seu padrasto temia o uso indevido dela. Ainda sim, ele havia conseguido, de alguma forma, contornar a situação e sair ileso.
— Quantos anos você tem, garoto? – Claus pergunta tirando a mão do ombro dele
— 14 Anos.
— Bem que eu achei estranho, sua mente não corresponde com seu corpo. Já é quase um homem.
Daniel normalmente diria que já é um homem, mas a forma como o Rei disse aquilo o desarmou e ele sentiu aquilo como um elogio bem vindo.
— Vou perguntar a você porque sei que tem a resposta. O que eu devo fazer para salvar minha filha?
“Não sei” era a resposta que a mente de Daniel havia preparado, mas ele não podia dar aquela resposta, então pensou no Ancião, mas sabia que o Rei não aceitaria também. Então respondeu:
— Sua filha. Ela precisa lutar contra.
Surpreso com a resposta, o Rei ergue uma sobrancelha e pergunta:
— Mas como? Ela está sob uma maldição.
— Esta sob uma maldição que faz exatamente o quê?
— Não sei, deixa ela sujeita à bruxa, à possessão. Você me diga o que essa maldição faz.
— Sim, deixa ela a mercê, é verdade, mas não é uma possessão exatamente. A bruxa deixou ela imersa na magia sombria, mas é ela quem sustenta o feitiço, ou pelo menos parte dele.
— Não entendo. Esta dizendo que minha filha tem parte da culpa de estar assim? Você não conhece a Mel, ela é a mais forte das minhas filhas, a mais determinada! Se houvesse qualquer coisa que ela pudesse fazer, ela já teria feito! - Os olhos do Rei ficaram úmidos, ele engoliu seco e pressionou os lábios um contra o outro, então disse com dificuldade – Ela é a minha menina.
— Então – Daniel começa devagar- Você deve ter fé nela, para combater o lado sombrio nela e quebrar parte do feitiço.
— Isso parece o tipo de coisa que Umbuzeiro diria.
— Obrigado – O rapaz diz, sem se sentir grato de verdade.
— Não foi um elogio – O Rei esfrega os olhos – Me diz só uma coisa, se eu matar essa bruxa, a maldição acaba?
— Se o senhor fizer isso, algumas condições da maldição mudariam, mas o principal fator que a magia sombria traz, isso ficaria intocado, porque sua filha...
— Algumas condições você diz, então alguma diferença vai fazer.
O Rei virou-se e começou a caminhar, determinado. Daniel não saberia dizer quando ele chegou, mas o sentinela do Rei estava logo ali encostado em uma árvore mais distante. Era o mais baixo e de pele negra, estava sem sua armadura de couro e usava uma camisa branca e manchada. O aprendiz de curandeiro se levanta rápido e vai atrás do Rei.
— Andur, leve o garoto para o quarto de hóspedes na torre central.
— A torre do Rei, o senhor quis dizer.
— Chame-a como quiser, depois traga Donavan para a masmorra.
Os três vão saindo juntos do jardim e se dirigindo ao salão principal abaixo da torre maior, os sentinelas estavam por lá em pares, sempre em prontidão. O Rei, coça a garganta com um pigarro e sutilmente desconcertado diz:
— Sabe, aqui no castelo precisamos de alguém com seus conhecimentos. – Os três param logo ao pé da escada – Seria bom se após tudo isso acabar você pudesse nos visitar, passar uns dias.
— Mas é claro – Daniel diz com polidez – O Ancião disse mesmo que precisava de mais contato com vocês.
— Ele quer que você seja um membro efetivo de sua corte – Andur diz descansando a mão na bainha de sua espada curva.
Daniel sentiu seu rosto esquentar e ficou desconcertado. Não conseguia imaginar um garoto como ele sendo membro de uma corte real. Sentimentos e pensamentos controversos invadiram ele. Logo pensou em seu dever maior com a sociedade da mata viva, porém, foi instantemente esmagado pela ideia de ficar próximo da princesa Kalifa.
— Não precisa responder agora, apenas pense sobre o assunto. Você fez o suficiente para eu lhe dar, no mínimo, um título de escudeiro.
— Ok senhor. – Ele disse automático.
— Nos vemos em breve.
Claus Donmark se retirou para as masmorras com toda sua robustez. Os dois restantes subiram as escadas da torre e foi quando Daniel se lembrou, sentindo uma pontada de desespero, seu companheiro de viagem, Kal, estava em maus lençóis da última vez que o vira. O rapaz resolveu voltar para falar com o Rei, mas Andur o segurou. Era mais alto e muito mais forte que Daniel.
— Tem uma coisa que eu esqueci de perguntar para ele.
— Agora é tarde, amanhã você pergunta.
— Só quero saber o que aconteceu com meu companheiro, Kalisto.
— Vamos subindo, eu lhe conto de seu amigo – Andur esfregou a mão esquerda da cabeça lisa, visivelmente perturbado com a menção a Kal.
— O que houve com ele? – Daniel pergunta temendo a resposta. Andur libera o garoto e os dois sobem as escadas em ritmo lento.
— Depois que saímos do quarto, o Rei dispensou o Duque e conduziu seu amigo até o pátio, ele foi escoltado por seis guardas, por mim, Donavan, aquele homem alto que estava comigo, e o próprio Rei com a sua espada mágica em punho.
“O Rei pediu ao mestre das armas duas espadas de treino, sem gume, ambas de uma mão e meia, Vossa Majestade deduziu que seu amigo Kalisto teria melhor desempenho com uma espada grande, já que desfila com aquela bastarda nas costas.
Um cerco foi feito ao redor deles, e uma lâmina de treino foi entregue a cada um dos dois. O nosso mestre de armas, mesmo sem saber do que se tratava, pediu a Kalisto que entregasse sua espada verdadeira, mas ele se recusou. O Rei não fez questão também, disse que não faria diferença, mas manteve sua Ira da Tempestade na cintura. Todos foram contra aquela ideia, mas quando Claus coloca algo na cabeça, ninguém consegue tirar.
Sem muita reverência, o combate se iniciou, se é que posso chamar aquilo de combate, foi mais o Rei descarregando sua raiva do que outra coisa. Seu amigo não teve chances, ele tinha bons reflexos, mas sua perícia com a espada era péssima. Foi isso ou estava com medo de usar suas habilidades contra o Rei, apesar de que duvido muito que tivesse qualquer chance.
Não estou aqui engrandecendo vossa majestade como um serviçal bajulador, mas ele nem sempre foi Rei, muito pelo contrário, era um errante meio mercenário, vivia onde poderia achar perigo e andava sempre onde podia testar suas habilidades, um verdadeiro aventureiro. Sua habilidade com a espada é extraordinária e sua velocidade muito boa em contraste com o que se pensa de seu tamanho.
Seu companheiro foi completamente devastado, perdeu o duelo uma dezena de vezes, até seu corpo sangrar e a espada sem gume do rei ficar vermelha.”
Andur fez uma pausa intrigado, os dois continuavam a subir vagarosamente as escadas em caracol, com as batidas de pé esporádicas a ressoar na torre silenciosa, Daniel percebeu que os passos do sentinela real eram estranhamente silenciosos.
— Seu amigo foi curado?
— Creio que sim, o Ancião não liberaria ele caso não estivesse curado. – Ansioso para saber o destino final de Kal, ele pergunta – Mas então? O que fizeram com ele após esse massacre?
— O Rei mandou trancá-lo nas masmorras até decidir se vai sentenciá-lo a morte ou não. – Andur deixa transparecer um segundo de ódio em meio a seu inconformismo – Honestamente, se fosse por mim já o teria decapitado.
— Mas o que foi que ele fez a vocês?
Andur virou para o último andar antes de chegar ao topo da torre e Daniel subiu mais uns degraus distraído, até retornar e seguir seu guia. O garoto nem percebera, mas subiu mais lances de escada de uma única vez do que em toda sua vida.
— O que ele fez? – Andur repete em tom óbvio – O que acha que ele fez?
Os dois andam brevemente por um corredor onde um lado é repleto de janelas grandes, dando para ver as luzes da cidade, e o outro lado quatro portas espaçadas uma da outra, cada uma com adornos entalhados nas portas. Ao final do corredor havia uma sacada sem cobertura com uma dupla de guardas. Os dois eram precariamente iluminados pelos archotes agarrados em sequência na parede.
Daniel não respondeu à pergunta de Andur pensando ser parte de sua retórica. Os dois pararam na primeira porta, a mais próxima da escada. O sentinela real parou um instante antes de abrir a porta e tentando esconder o desconforto de tocar no assunto, ele diz:
— Ele matou um grande amigo nosso – Seus olhos voltaram ao passado ao dizer isso – Era um tolo arrogante e prepotente, mas um bom amigo.
Daniel não sabia o que pensar, quanto mais pensava no assunto, mais confuso parecia. Andur abre a porta do quarto e sua expressão casual de sempre retorna a face. Dentro do quarto, uma lareira quente o esperava junto de um lugar confortável e espaçoso, parecia melhor do que aquele em que estivera, se não fosse o fato de não haver uma cama e sim um catre bem arrumado ao chão, com várias almofadas e cobertores em um monte.
— Aproveite a estadia – Andur diz em seu tom que parecia sério, mas para quem já estava acostumado a ele, havia um leve tom brincalhão.
Tentando forçar sua mente a encaixar as peças daquela história Daniel fica parado na porta com um olhar distante, até perguntar:
— O que falta para o rei sentenciá-lo então?
Estava claro que o assunto deixava o sentinela real desconfortável e aquela pergunta parecia ser a mesma duvida que vinha circulando sua mente. Andur se afastou da porta indo até uma das largas janelas com abas de madeira e respondeu:
— Ele quer achar culpa em seu amigo, teme em punir um homem inocente – Virando-se para Daniel ele faz um cumprimento com a cabeça – Boa noite.
E se retira para a escada deixando o garoto ainda mais confuso.
Havia alguma coisa de estranho nessa história. Se o rei tinha dúvidas quanto à inocência de Kal, significava então que o amigo deles mereceu morrer? Daniel andou para observar Andur descer as escadas, mas não teve coragem se fazer aquela pergunta, parecia extremamente inadequada.
O garoto então volta para o quarto matutando, ele fecha a porta e vai direto até as almofadas. As pessoas na mata viva sempre tinham um problema, os anciãos e membros no geral sempre estavam ali para ajudar as pessoas, seja com uma doença ou com um comportamento auto destrutivo. Sangue-de-Dragão costumava dizer que sempre pagamos por nossos erros, ele nunca tinha dito a Daniel, mas o garoto sabia, fora um mercenário da pior espécie no passado.
Ele dizia que nunca se deveria pensar que é possível sair impune de um crime, seja ele qual for. Também dizia que as vezes, nenhuma consequência externa poderia acontecer, mas que o pior juiz é a sua própria consciência. Ele repetia tantas vezes aquelas palavras, que Daniel passou a achar que ele dizia para si mesmo. Só que, para Daniel, alguns crimes eram justificáveis, ele nunca se arrependera de ter matado o próprio padrasto.
Teria sido esse tipo de assassinato cometido por Kal? A reação do Rei e de Andur diziam que não era esse o caso. Talvez Kal fosse, antes de conhecer o Ancião, um matador sem escrúpulos. Pensando dessa forma, Daniel achou parecido com o perfil dele.
Cansado de pensar no assunto em pé, Daniel resolveu deitar e para sua surpresa, havia uma pessoa no volume abaixo dos lençóis, uma menina se sentou ainda bêbada de sono. Parecia ter aproximadamente a idade de Kalifa, mas com a beleza ligeiramente distante.
— Garoto da cozinha, por acaso o Cozinheiro Mor sabe que está no quarto de hospedes da torre real?

 


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