Predestinado escrita por GabusDramaticus


Capítulo 2
Capítulo Dois




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Senti alguns dos funcionários me observaram quando eu me afastei dos jogos para os banheiros.

Tudo em volta tinha o nome Cassino Lótus gravado neles. Nas pias, torneiras e até o mictório. Toda vez que eu lia aquelas palavras, queria muito voltar a jogar. De que importava meu nome? Diversão para sempre. Comida boa e colchões d'água. Por que eu iria embora?

O arrepio na espinha voltou mais forte que antes.

Armadilha. Saia já daí.

Assenti com a cabeça e esfreguei o rosto com a água. Não me incomodei em fechar a torneira e saí correndo de volta para os corredores.
Saída. Onde era a saída?

Tentei a sorte e perguntei para uma garçonete. Ela ignorou a pergunta e me ofereceu bolo de chocolate e chantili. Minha boca salivou e o arrepio voltou ainda mais forte.

—Não, obrigado. - falei, olhando em volta e procurando qualquer pista. Então tive uma ideia. —Ahn, onde está a recepção? Quero conseguir um cartão novo.

Ela sorriu de orelha a orelha.

—Ali, meu bem. — Apontou para as camas elásticas de tamanho gigante. —Logo depois dos bungee jump. O corredor com um chafariz. Você poderia tentar nosso Cartão Diamante e entrar no salão mais atual. Temos realidade virtual e Final Fantasy VI.

—Certo. Muito obrigado. — disse, deixando de lado a visão do Cartão Diamante que apareceu na minha mente. Deveria ser brilhante e cheirar a controles recém-comprados...

Arrepio mais uma vez.

Apenas segui as instruções da garçonete e assim que cheguei na recepção, um rapaz ruivo sorridente se aproximou com uma travessa com quatro cartões. Avistei as portas duplas douradas de entrada e não me deixei escutar qualquer palavra que tentassem me dizer, esbarrando em quem estivesse no caminho com ambas as mãos esticadas para a frente do corpo e, quando finalmente cheguei às portas, as empurrei e caí de cara na calçada.

Do lado de fora, estava quente e escuro. Me sentei, atordoado e prendi a respiração quando percebi uma figura de pé em minha frente. Uma mulher, ao que parecia. Devia beirar seus trinta anos, mas não era isso que chamava a atenção. Ela emitia uma luz branca suave e fria, e parecia ser feita de fumaça. Seus olhos eram opacos e da mesma cor do resto do corpo. Não sei bem dizer o por quê, mas sabia o que ela era. Uma fantasma.

Seu sorriso estava cheio de alívio.

—Quem... — pisquei —Quem é você?

Ela respirou fundo e se agachou suavemente para ficar da minha altura.

Estou feliz que tenha escutado meu chamado, Eugene. Não atender aos convites do Cassino Lótus demanda muita força de vontade.

Eugene. Meu nome. Aquele era meu nome.

—Quem... — minha voz estava fraca. —...sou eu?

Ela suspirou.

Não cabe a mim dizer. Não é seguro revelar muito a você, criança. aquela última palavra parecia dolorosa para ela. —O que posso dizer, é que você é Eugene Totenn, e o Acampamento Meio-Sangue lhe espera. Há muito para você aprender, e ainda mais para você andar. Venha comigo.

Sua imagem se virou com uma leveza sobrenatural, e foi quando notei que ela estava flutuando a poucos centímetros do chão, como um holograma. Eu parei para encarar a rua vazia e uma brisa súbita me fez estremecer. Escutei risadas vindo de dentro do cassino, me chamando.
Não havia mais para onde ir, o que queria dizer que não tinha muita escolha. Me levantei devagar logo antes de seguir a mulher-fantasma.

Ambos seguimos por aquela mesma rua, as maravilhas do Cassino Lótus se distanciando mais e mais às minhas costas. No caminho a enchi de perguntas, e ela não pareceu incomodada em responder algumas delas – na verdade, tivera muita paciência - , mas outras... parecia que ela realmente não podia responder. Como se alguém lhe tivesse roubado a memória, ou como se fosse o maior dos pecados me dar uma informação específica.
Seu nome era Erika – o que também me parecia vagamente familiar - , e ela seria responsável por me escoltar para o tal Acampamento Meio-Sangue em segurança.

—Segurança de quem? — perguntei. Ela me olhou com um pouco de apreensão.

Monstros. Logo, logo vão sentir que você está aqui. Você tem um cheio forte. Cheiro de meio-sangue poderoso. O acampamento é o melhor lugar para você. Encontrará seus semelhantes e treinará para lidar com esses monstros.

Monstros. Monstros da Grécia Antiga, ela explicou. Harpias, centauros, hidras, górgonas e espíritos da natureza. Ela enfatizou esses últimos por alguma razão.

No geral, coisas esquisitas.

Mas eu também não era muito diferente, pois não era humano.

Não totalmente— disse ela. Você é um meio-sangue. Meio humano, meio deus.

Bom, por um momento tudo parecia ser incrível. Criaturas fantásticas! Mágica! Deuses! Uhu!

Como eu disse: por um momento.

 

Foi quando viramos a esquina da Rua Pacific — estávamos a caminho de um ponto de táxi de Las Vegas — que minha animação foi despedaçada da forma mais cruel possível.

Bem à frente, uma figura de mais de dois metros de altura arrastava os pés lentamente de um lado para o outro, um porrete meio metro maior que eu sendo arrastado no chão.

A criatura farejou o ar e parou, virando sua cabeça gigante para nós. Havia apenas um olho negro no meio de sua testa, totalmente focado em mim. Seus beiços enormes se alargaram num sorriso macabro. Não parecia ter simplesmente aparecido ali, não... estava esperando.

Rua Pacific...

Como a ironia dos deuses é imbecil.

Morto. Eu estava morto. Totalmente, absolutamente morto.

Monstro, Eugene. — Erika constatou, como se já não fosse óbvio. —Ciclope. É mais lento que você. Corra!

Mas eu não estava ouvindo. A única coisa que estava na minha mente era o monstro se arrastando em minha direção, levantando o porrete — uma árvore arrancada do chão, percebi depois — com uma mão e o apoiando na outra.
Aquilo me lembrou um batedor virtual do jogo de beisebol do Nintendo Wii, no Cassino Lótus. Era o pensamento mais estúpido de alguém prestes a morrer, mas minha mente não tinha muito mais para oferecer.

O ciclope andou mais depressa, um grunhido horrendo vindo do fundo de sua garganta. Minhas pernas tremiam, mas não saíram do lugar. Erika estava berrando alguma coisa no meu ouvido, mas sua voz parecia distante. Eu queria fechar os olhos, mas nem mesmo minhas pálpebras iriam responder. A criatura levantou o porrete acima da cabeça, chegando ainda mais perto. Estava a ponto de desferir o golpe.

Até que uma sensação invadiu minhas costelas como uma barra congelada e eu caí e pisquei. Erika tinha atravessado seu punho fantasmagórico no meu corpo.

CORRA! gritou.

Só ali meus membros responderam.

O golpe veio a centímetros da minha cabeça, sua força fazendo meus cabelos voarem com um zunido. Me arrastei por entre as pernas do ciclope e finalmente comecei a correr. Corri como nunca havia corrido antes. Com um sentimento consumindo minha alma, sendo lançado para fora do meu corpo, por cada minúsculo poro. Meus olhos ardiam, meu peito doía e os músculos das minhas canelas estavam tão rijos que lançaram cãibras a cada passo que eu dava.

O monstro correu também, rugindo com fúria e golpeando o ar com o porrete como um animal selvagem. Seus passos faziam o chão tremer e me desequilibravam à medida que se aproximava.

Quando chegou perto o suficiente, o estrondo de sua pisada me fez cair de bruços no chão, cobrindo a cabeça com ambas as mãos. Acho que ele deve ter tentado me golpear no mesmo momento, pois o porrete caiu alguns metros a minha direita, esmagando o teto de um carro estacionado logo à frente de uma das casas da rua. O monstro também não conseguiu frear sem tropeçar nas próprias pernas e dar de cara no asfalto na minha frente com um grande estampido. Devo ter tido a sorte de ele ter passado por cima de mim sem me esmagar com seus pés enormes, mas não sorte o suficiente de não ter olhado por baixo de sua tanga de pele horrorosa.

Apenas levantei e corri pelas costas dele, pisando na cabeça do monstro e sentindo seu grande olho arrastar no asfalto como um pneu. Ele urrou de dor, mas eu não ousei olhar para trás.

Continuei correndo, virando a esquina e passando por mais duas ruas até chegar na sede da Savetag Taxi, na Avenida Clifford. O prédio era grande e no formato de uma pirâmide retangular deitada, com a ponta virada para a rua. Sacudi os braços para o táxi mais próximo e ele deixou que eu entrasse. Eu respirava com dificuldade, meus pulmões pareciam estar em chamas, assim como minha garganta.
Erika agora estava sentada do meu lado no banco de trás do carro. Tinha simplesmente se materializado ali.

Você o cegou. Brilhante. ela sorriu com a expressão mais plena do mundo. —Ainda está tentando chegar até você, então se apresse. Moapa Town, Nevada. Pague com o cartão do cassino.


Eu ainda estava tentando conseguindo pegar o máximo de fôlego possível, minha mão buscando o cartão no bolso da bermuda.

—Moapa... Town... Nevada. — minha voz estava rouca. Meus braços estavam arranhados por ter caído no asfalto. A camisa azul, suja e com pequenos buracos no peito. Meu cabelo estava colado na testa e eu suava por todos os lugares.

—Oitenta e dois Quilômetros, moleque. — a motorista grunhiu —Você não tem todo esse dinheiro.


Então lhe ofereci o cartão. Ela riu de leve e deixou que eu o passasse na maquininha. O símbolo do infinito apareceu na tela com um apito e o queixo da motorista caiu. Ela olhou para mim e limpou a garganta.

—Quer um pouco d'água? Você parece cansado. Posso parar numa lojinha e te comprar uma almofada. Meu Deus, você está péssimo.


Recusei os convites e ela se desculpou mais de dez vezes, arrancando o carro e perguntando o quão rápido eu queria que ela dirigisse.

—Quando estivermos fora da cidade... — arfei. —Compre água... Sorvete de pêssego... — me encostei no banco.

—Claro, o que você quiser. — ela mudou a marcha, me olhando pelo retrovisor. —Poderia colocar o cinto por favor?


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