Banzai! escrita por DetRood, Crica


Capítulo 1
A Lenda




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CAPÍTULO 1: A LENDA

“O suave e envolvente odor das peônias do jardim entrava pelas narinas de Aya, que realizava seu ritual secreto de caminhar à noite em volta do suntuoso castelo onde habitava.

Era lua cheia, e a luz prateada banhava todo o local, desde o pátio principal até os altos muros feitos de pedra, que por conta de sua formação rochosa acabavam por refletir o luar, formando uma espécie de espelho difuso.

Um rapaz solitário estava no pátio, trajado com o kimono dos aprendizes bushi, a realizar o treinamento com sua katana, a espada tradicional dos samurais.

Aya percebeu que algo reluziu em sua face. Era a espada nas mãos do rapaz, refletindo a luz do luar, cortando seus pensamentos e atraindo sua atenção para aquele formidável artefato tradicional entre os samurais a serviço de seu pai, o Shogun Naizen.

O jovem Isao sentiu que não estava sozinho, parou seus movimentos e avistou a moça de cabelos presos e pele alva, do outro lado do pátio, próximo ao jardim.

Seus olhares se cruzaram e, mesmo com a luz escassa, puderam enxergar muito mais do que havia para ser visto.

Naquela noite aconteceu o encontro de duas almas...”

 

***

Nos dias atuais...

Hideo Tanaka olhava para o relógio na parede, em forma de Maneki Neko, um sorridente gato branco de pata levantada, que marcava alguns minutos para as onze horas. Alguns minutos para fim do prazo do acordo que tinha, mas que infelizmente não conseguiu cumprir.

Estava em pé, atrás do estreito balcão de vidro, única coisa de atual na pequena loja de antiguidades orientais localizada no coração de Chinatown.

Alguns minutos para que adentrassem três membros da Yakuza, e tornassem um pesadelo realidade.

Estava em dívida com a organização havia seis meses, e devido à baixa temporada no bairro turístico de Nova York, não conseguiu juntar dinheiro suficiente para o acerto de contas marcado para aquela data.

Estava de cabeça baixa, apoiado no balcão, respirando profundamente e tentando manter o controle de seu corpo e mente.

Na juventude fora um notável estudioso de suas raízes culturais na sua cidade natal, mas o destino infelizmente lhe reservou este triste fim, de permanecer nos Estados Unidos vivendo das lembranças de seu país e dos seus antepassados.

Logo ouviu a sineta da porta de entrada da loja tocar, pela primeira vez de maneira triste, anunciando na sua melodia o que o fazia sentir medo.

Avistou na penumbra a silhueta de três homens. Elas se aproximavam lentamente, fazendo com que a espera pelo pior se prolongasse de maneira tortuosa.

Em seus apertados olhos havia o brilho do desgosto, mas havia também uma pequena esperança de que ele conseguiria um prazo maior para saldar sua dívida.

Só que no fundo sabia que eles não poderiam fazer nada, afinal estavam cumprindo ordens.

O velho oriental agüentou bravamente todos os socos, pontapés e ofensas verbais ditas na sua língua materna. Implorou para que não quebrassem nada da loja, pois aquilo era tudo o que ele tinha.

Após alguns minutos que se passaram como um borrão, seus agressores sumiram na escuridão e deixaram o velho no chão, encolhido, sentindo uma dor bem maior do que a causada pelas lesões em seu corpo...

Não demorou muito para que seu sobrinho que voltava da rua entrasse na loja apressadamente, pois viu três vultos saindo há poucos instantes e sabia que seu tio estava sozinho.

Hiroshi encontrou o velho deitado, com hematomas em todos os lugares em que se podia ver sua pele. Correu em direção a ele, que já estava desacordado. Vendo a gravidade da situação, pegou seu celular e deu um telefonema para a vizinha mais próxima para que o ajudasse a socorrê - lo.

Não demorou muito e a sineta da porta novamente tocou, agora em socorro ao senhor Tanaka.

O rapaz ajudou a senhora a conduzir seu tio por entre as vielas e becos escuros do bairro, até chegar à casa que lhe ofereceu abrigo e segurança desde que chegou a Chinatown.

Havia poucos meses que estava sob custódia de Tanaka, pois saíra do Japão sob juras de morte. Seus pais acharam por bem mandar o rapaz para a América, terra das oportunidades.

No caso dele, a oportunidade de mudar de vida, sair do pequeno vilarejo onde toda sua família nasceu, e onde sua conduta não fora das melhores. Se ficasse por lá certamente seria obrigado a cometer suicídio, por conta de manchar a honra da família devido aos seus atos desonrosos.

E agora presenciava a cruel realidade de ver seu tio debilitado, vítima de um sistema injusto e um poder opressor.

 

***

 

Tanaka se recuperava lentamente, mas ainda se mantinha acamado por conta dos ferimentos causados pela agressão. A loja estava fechada até segunda ordem, e os mafiosos deixaram um pequeno aviso na porta, ameaçando Tanaka e seu sobrinho caso ele não pagasse a dívida, agora prorrogada e com juros.

Hiroshi estava bastante assustado com os últimos acontecimentos. Havia nele um tanto de culpa. Afinal, fora o seu envolvimento em negócios não muito convencionais que obrigaram seu velho tio a tomar por empréstimo uma alta quantia para salvar - lhe o pescoço.

Toda aquela confusão, todo aquele sofrimento eram sua responsabilidade, mas ele não estava acostumado a arcar com as conseqüências de seus atos. Mais fácil seria fugir e desaparecer.

Sim, ele faria isso.

Correu em direção a seu quarto e pôs numa pequena mala o que pôde. Na volta, passou pelo quarto de Tanaka que dormia após os cuidados da amiga anciã. Neste instante, temeu pela vida do tio. Porém, o temor pela própria vida era ainda maior.

Logo adiante deteve - se à porta de um pequeno cômodo, cuidadosamente decorado com delicados motivos orientais. Ali o velho Senpai guardava seu mais valioso tesouro: O altar que construíra com suas próprias mãos em honra à memória de seus ancestrais.Um lugar para prestar homenagem aos que o precederam.

O rapaz deixou a mala junto à porta, entrou e ajoelhou - se sobre o tapete deitado diante das prateleiras de madeira presas à parede clara. Sobre ela, pequenas velas e dois incensários que perfumavam o ambiente; tigelinhas delicadas contendo cereais, frutas e pétalas de flores; uma urna antiqüíssima sob duas espadas cruzadas chamava a atenção e, ao centro, um manuscrito do Bushido. O jovem, em todos os meses em que vivera naquela casa, não estivera por ali senão duas ou três vezes, mas agora, desesperado e com o coração aos pulos, tomado pela revolta, recordava as incontáveis vezes em que ouvira a voz suave do ancião entoando cânticos sagrados na língua - mãe.

Com os olhos injetados, desdobrou a mantilha bordada que envolvia o livro sagrado de sua família e passou a recitar os cânticos de invocação dos ancestrais num ritmo frenético. Alguns minutos depois, Hiroshi atirou o pequeno volume sobre os outros objetos, praguejando e uma ira incontrolável e animalesca o possuiu.

As velas e os incensos se apagaram sem que houvesse uma única brisa.

 

***

 


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Notas finais do capítulo

Chegou até aqui? Ótimo, pois temos uma surpresa.
Fomos presenteadas com algumas belíssimas ilustrações do DougSCar, uma pessoa muito especial.
Segue, primeiro, Issao e Aya. Esperamos que gostem!