Sem Truques no Amor escrita por Hunter Pri Rosen


Capítulo 5
Flertando?




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Uma das facilidades de ser um arcanjo é ter asas para ir a qualquer lugar que eu queira. Mas, desde que voltei da morte, elas não obedecem ao meu comando como deveriam. Preciso me concentrar muito mais para conseguir batê-las e, ainda assim, quase sempre vou parar num lugar diferente do que pretendia.

Como agora.

Seguindo o que tenho feito desde que despenquei no bunker, decidi treinar um pouco para desenferrujar as asas e juro que tinha em mente chegar até a cozinha. Porém... o ambiente à minha volta tem uma peculiar névoa de vapor, um cheiro gostoso de sabonete no ar e — assim que me viro — dou de cara com um corpo masculino embaixo do chuveiro.

Não demoro muito para reconhecê-lo, claro. Mas não consigo evitar uma grata surpresa enquanto examino a água escorrendo por seus músculos ligeiramente ensaboados...

De um jeito patético, gritamos o nome um do outro repetidas vezes, até que a voz do caçador soa mais suave e intrigada:

— Gabriel?

Pudera! Eu estou olhando demais para Sam e com certeza ele não está entendendo o porquê disso. Somos dois, aliás. Mas o que posso fazer se, simplesmente, não consigo evitar? Sam Winchester tomando banho é uma bela imagem e me vejo preso em cada detalhe do seu cabelo molhado grudado na testa, do seu rosto encantadoramente assustado, do seu tórax definido, do abdômen perfeito e do seu...

— Ah, Sam...

Suspiro sem perceber enquanto meu olhar cresce numa direção um tanto imprópria. E — Breaking News! — não é apenas o meu olhar que cresce por aqui.

Não sei quanto tempo transcorre até que percebo algo surpreendente. Eu o desejo. Simples assim. Complicado assim. Desde quando, não sei. Como aconteceu exatamente, também não faço ideia. Tudo o que sei é que daria qualquer coisa para deslizar os dedos pelo corpo de Sam agora mesmo.

— Gabriel, o que você está fazendo aqui?!

— No momento? Admirando a sua beleza escultural, camarada.

— Dá o fora daqui!

— Tem certeza que é isso que você quer, Sam? — Inclino a cabeça para ter uma visão melhor de toda a sua magnitude. — Porque olhando por esse ângulo, não parece ser exatamente o que...

Ele oculta o membro rijo com as mãos, me arrancando do devaneio lascivo em que eu estava preso.

— Fora! Agora!

Uma parte de mim se entristece por não poder mais admirá-lo, mas o tom de reproche feroz em sua voz não é algo que eu possa ignorar. Assim, faço um esforço para apagar a imagem da minha cabeça — o que é inútil — e silenciar o calor que se abateu sobre mim — inútil também.

Sem escolha, fecho os olhos e bato as asas com rapidez. E, dessa vez, vou parar na cozinha do bunker, despencando sentado numa das cadeiras ao redor da pequena mesa.

Sozinho por longos minutos, posso pensar melhor sobre a conclusão a qual cheguei no banheiro. Apesar de sempre ter preferido me divertir com seres humanos do sexo feminino, de alguma forma, essa regra não parece se aplicar ao meu desejo recém descoberto por Sam. Talvez porque... eu não queira só me divertir com ele.

De todos os seres humanos imbecis que cruzaram meu caminho, o caçador foi o único que conseguiu despertar certa empatia em mim. Depois, uma peculiar camaradagem e até amizade. Depois dessa manhã, me pergunto se é apenas isso o que sinto ou se Sam Winchester significa algo mais.

Sem dúvida, estou lidando com uma emoção nova e perigosa. Mas também irresistível e revigorante. Independentemente do que seja isso, não quero desperdiçar minha segunda chance negando as sensações perturbadoras e deliciosas que me reviraram por dentro enquanto observava Sam no banho. Isso seria mesquinho e, algo me diz, inútil também.

Tudo o que quero é senti-las de novo. E de novo. Descobrir se Sam pode se sentir do mesmo jeito por mim. Pela sua reação íntima no chuveiro, aposto que ele já sente alguma coisa sim. Que outra explicação teria para a sua visível excitação ao me ver?

Cerca de vinte minutos depois, ele está na minha frente. Devidamente vestido, muito envergonhado e irritado. Caminhando feito barata tonta, passa as mãos pelos cabelos ainda molhados do banho, algo que me transporta para a cena que tive o prazer de assistir.

— Nós podemos fingir que isso nunca aconteceu?

Oh, não... Parece que alguém é adepto da negação.

Isso o quê exatamente? A minha invasão acidental ao seu banho matutino ou aquela... outra coisa?

Sam estanca no centro da cozinha e coloca as mãos na cintura. Finalmente cria coragem e me encara. Então se põe a tagarelar com uma raiva tangível:

— Toda a situação constrangedora e surreal que acabou de acontecer. Acontece que ela não aconteceu. Nada daquilo aconteceu. Vamos esquecer o que não aconteceu, combinado?

Estreito o olhar em sua direção e decido provocá-lo:

— Eu posso até tentar. Se vou conseguir esquecer o quão feliz você ficou em me ver ou o tamanho da sua alegria...

— Gabriel! — Sam vocifera, ainda mais irritado, além de surpreso com a minha ousadia. — O que você está fazendo? Flertando comigo?

— Claro que não. — Rio de um jeito forçado, apenas para tranquilizá-lo um pouco que seja.

Mas incapaz de me agarrar à negação como ele, claramente, está fazendo, esfrego a nuca um tanto ansioso e questiono com um tom baixinho e pretensioso:

— Por quê? Funcionaria?

Sam respira fundo e a incredulidade perpassa seu rosto. Ao invés de responder minha pergunta, ele determina:

— A partir de hoje, nada de voar quando eu estiver no banho ou tirando a roupa ou me vestindo.

Enquanto ele fala, imagino as cenas e um leve sorriso me vence.

— Você está me ouvindo?!

De súbito, despenco da nuvem de sonhos, limpo a garganta e afirmo:

— Em alto e bom tom.

Segundos depois, Sam torna a caminhar de um lado para o outro. Distraído, não percebe meu olhar escrutinador sobre ele. Por um instante, imagino-o gracioso sem tantas roupas. Nu em pelo e exalando aquela masculinidade de novo. E uma pulsação lasciva desperta perto da minha virilha.

Alheio ao efeito que exerce em mim, o caçador segue com a ladainha sem graça:

— Você voltou da morte, isso te abalou de alguma forma. Eu estou abalado por causa do Dean. Nós já tivemos dias melhores, nos aproximamos por causa dos últimos acontecimentos e claramente ficamos meio... meio confusos no banheiro. Só isso.

De repente, não consigo mais aceitar o tom de negação em cada frase que sai da sua boca e reajo com sarcasmo:

— Confusos? É assim que se chama excitados no dicionário puritano de Sam Winchester?

Ele para do outro lado da minha mesa e me lança um olhar cheio de choque e epifania.

— Tudo bem, agora você está flertando comigo.

Cruzo as pernas sobre a mesa e me recosto melhor na cadeira.

— E se estiver?

Sam fica visivelmente tenso, porém também sai um pouco da defensiva. Não consegue silenciar a curiosidade quando indaga quase com um sussurro:

— Eu perguntaria por quê.

— Santa inocência...

Reviro os olhos e ele reage de imediato:

— Eu sei por que as pessoas flertam com as outras, Gabriel, mas por que você está flertando comigo?

O jeito furioso como apontou ora para mim, ora para ele a fim de ilustrar bem o que quis dizer faz aquela pulsação nos meus “países baixos" aumentar exponencialmente. Sam Winchester no banho é excitante, Sam Winchester irritadinho assim é encantador.

— Parece que essa é grande questão, não é, Sam? Essa e por que você ficou exc... confuso quando eu invadi o seu banho.

Ele engole em seco, muito sem graça e ainda mais possesso comigo. Encantador é a palavra.

— Caso não saiba, os seres humanos do sexo masculino costumam ter... ereções pela manhã.

Não resisto e o provoco mais uma vez:

— Pela manhã quando acordam numa reação involuntária do corpo? Ou pela manhã quando são surpreendidos no banho e ficam loucos de desejo?

Um rubor toma conta de suas bochechas e ele gesticula contrariado e muito nervoso:

— Eu não fiquei louco de... desejo! Sério, Gabriel, que raio de conversa é essa?!

Fico em silêncio pelos longos instantes seguintes, analisando o que aconteceu essa manhã e a reação de Sam. Lembro que, até onde eu sei, ele apenas se relacionou com mulheres ao longo da vida.

Sendo assim, o inegável desejo que seu corpo denunciou quando o surpreendi no banheiro também é uma novidade para ele. Eu posso estar mais aberto a aceitar o clima que vem se desenhando entre nós e que culminou nessa manhã, mas é injusto esperar o mesmo dele. Preciso dar tempo ao tempo porque acredito — e espero — que seja apenas isso que Sam precisa. De tempo.

Pensando assim, cedo:

— Tudo bem, como você quiser. Nada aconteceu. Se preferir, eu posso apagar essa lembrança embaraçosa para sempre.

— Não! — Ele discorda na lata, um tanto afoito.

Se não fosse loucura, eu diria que, lá no fundo, Sam não achou tão ruim o que aconteceu naquele banheiro.

Talvez notando a esperança que inunda meu rosto, ele prontamente se justifica:

— Sua graça ainda não está cem por cento. Ou não vai funcionar ou você vai apagar uma memória errada. Deus... quem sabe apague tudo o que eu sei do mundo?

Agora quem fica irritado sou eu. Irritado com mais uma reação de negação da parte dele e ressentido por me lembrar que, como arcanjo, já tive dias melhores.

Cruzo os braços com birra e assinto entredentes:

— Muito bem, então fique com a lembrança embaraçosa. Não faz diferença, já que nada aconteceu, certo?

— Certo. — Sam sorri de um jeito amargo e pega a chave do Impala que estava largada sobre a mesa com brutalidade. — Eu preciso sair.

Essas três palavras fazem uma sensação de vazio se espalhar dentro de mim e um frio se abate sobre a região do meu receptáculo que antes ardia de luxúria. Não se trata de ficar sozinho no bunker, mas de ficar sem ele por perto. Quando foi que eu passei a gostar tanto da presença de Sam mesmo?

— Posso saber para onde vai?

— Não sei ainda, mas preciso caçar alguma coisa, sair daqui ou vou enlouquecer.

— Posso ir junto? — Minha pergunta não é mais que um sussurro.

— Não! — E a resposta dele é cortante e fria como a minha lâmina de arcanjo. — Você fica aqui.

— Se é o que você quer...

— Sim! É exatamente o que eu quero!

Com aquele vazio se alastrando ainda mais, vejo-o se afastando rumo à saída e uma ideia surge. Sei que prometi que daria um tempo para Sam e fingiria que nada aconteceu, mas a ideia é tão irresistível que não consigo me conter. Preciso sentir aquele calor abrasador de novo. Preciso que ele fique excitado ou irritado para que a chama do desejo ressurja.

Como a primeira opção é meio inviável agora, só me resta irritá-lo mesmo.

— Ei, Sam.

Ele se vira sobre o umbral da porta, exalando impaciência e... seria medo?

— O que é agora?

Esboço um sorriso enviesado e sigo com meu plano infame:

Aquilo que não aconteceu me fez pensar em como não é justo o Dean te chamar de Sammy todos esses anos. Um apelido assim, no diminutivo, não faz justiça à grandeza dos seus... — deslizo meu olhar até parar abaixo da sua cintura, na altura do quadril, entre suas coxas. — atributos.

Depois, torno a encará-lo. Sugestivamente. E me delicio com sua reação. O rosto ruborizado, os olhos inflamados de ira, as mãos trêmulas e a incapacidade de dizer algo mais elaborado em resposta do que...

— Vai se ferrar, Gabriel!

Sam vai embora depois de explodir assim. E eu ainda aproveito a onda de calor que causou pelos longos minutos após sua tempestuosa partida.

Infelizmente, o vazio e o frio voltam com força total e me arrependo por tê-lo provocado ao extremo. Se eu tivesse me comportado melhor, talvez Sam não tivesse fugido — sim, porque foi uma fuga — e ao menos eu teria a sua companhia. Mesmo que ele me evitasse o tempo todo, ainda estaria aqui.

Nesse momento, compreendo algo elementar. Algo que vinha me atormentando desde que voltei da morte. Justamente o motivo para ter recebido uma segunda chance. Ainda não sei como aconteceu exatamente, mas agora sei por que voltei.

Foi por ele. Eu voltei por causa de Sam Winchester.


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