Por toda vida escrita por larissacosta52


Capítulo 5
Dolce Estraneo


Notas iniciais do capítulo

Aqui quem voz fala é a aniversariante do dia (yay!) e aí vcs falam "what a i have bird com isso" mas ok, tenho que presentear os melhores leitores com capitulo novo.

Os bambinos se reencontram novamente, e em um ambiente muito especial. Divirtam-se!



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Quando Brandão terminou de explicar brevemente sobre o desfecho da história do antigo proprietário da oficina, os olhos de Luccino ardiam, denunciando as lágrimas que estava segurando desde o momento que entrara no humilde casebre de madeira. Virou-se de costas, tentando ignorar o olhar preocupado de Mariana, voltando o olhar para um ponto vazio aos fundos da oficina.

—Homicídio? – Sussurrara, com medo de expressar qualquer veracidade sobre o ato que todos no Vale do Café achavam ter tirado a vida do falecido mecânico. Era tão difícil acreditar nas palavras que ouviu, acreditar que aquele lugar foi palco de tamanha crueldade. Claro, não era ingênuo a ponto de ignorar o caos e violência no dia a dia em qualquer lugar, mas aquele caso o tinha mobilizado de forma inexplicável.

Brandão suspirou, apertando Mariana contra si, que agora encarava as costas tensas do melhor amigo há poucos metros.

—Não houve provas concretas na cena do crime naquela época, apenas a arma que estava próxima aos corpos encontrados no local, mas ao que tudo indica através dos jornais, é que se tratava de homicídio. Pelo menos de um dos cadáveres, é o que foi garantido pela polícia nos arquivos históricos da cidade.

—Conseguiram pegar o assassino? – A voz de Luccino estava quase inaudível. Se não fosse pelo silencio do ambiente e pelas redondezas da oficina, provavelmente o casal não teria escutado.

—Infelizmente não, não havia rastros na estrada de terra, ou qualquer outro sinal de quem cometeu o ato. – Brandão respondeu.

A primeira lágrima desceu do rosto de Luccino, que fechara os olhos, tentando buscar algum consolo em qualquer outra coisa que buscava pensar, mas tudo o que podia sentir era uma enorme angustia e incompreensível impotência, ardendo igual brasa dentro de si mesmo. Queria ter a possibilidade de fazer com que a dor misteriosa terminasse, queria poder ter ajudado o mecânico desconhecido, e quem quer que estivesse com ele, e também foi encontrado morto.

Cerrou os punhos com a inútil vontade de fazer suas mãos pararem de tremer, enxugou os rastros de lágrimas do rosto, respirando fundo, tentando ter de volta algum controle sobre o seu próprio corpo.

—Luccino, está tudo bem? – Mariana se pronunciou, soltando-se do abraço de Brandão, e andando até o outro homem que permanecia quieto, recostado em uma das pilastras de madeira da oficina. – Se quiser nós podemos voltar pra casa da minha família, pra você descansar. A conversa sobre o trabalho pode esperar, não é Brandão?

—Claro. Não há a necessidade de... – O argumento de Brandão foi interrompida pelo toque do celular que vibrava no bolso de sua calça. – Com licença.

Ao ver o namorado se distanciar para fora da oficina, Mariana aproveitou que estava parcialmente sozinha com Luccino, e segurou as mãos dele entre as suas.

—Luccino, o que aconteceu? Você está pálido, parece que viu um fantasma. – A moça Benedito olhava para o jovem Pricelli que tinha os olhos marejados, e as feições entristecidas. – Sabia que eu não deveria ter te perturbado em trazer você pra cá, e ainda por cima logo depois do acidente...

Quase acidente, Mariana. – Luccino deu um sorriso amarelo, apertando as mãos de Mariana entre as suas. – Está tudo bem, não se preocupe comigo. Eu só... Não esperava saber que um lugar como esse poderia guardar uma tragédia dessas.

—Eu te trouxe aqui porque eu pensei que você iria gostar de conhecer lugares que fizeram parte da história do Vale, onde eu cresci. Achei até que... – Mariana revirou os olhos, tentando conter as palavras, não querendo perturbar mais o amigo.

—Que o que? Pode me falar, Mariana.

—Que... Como você não trouxe os seus instrumentos de trabalho e quase tudo da oficina foi conservado e ela praticamente ficou fechada durante décadas, eu não achei teria problemas em usar as que ficaram preservadas, aqui. Até mesmo seria prático para o trabalho que Brandão queria conversar com você, mas é bobagem, uma ideia boa.

Ao invés da expressão de escárnio ou um riso sarcástico, Mariana não esperava ver o italiano pensativo por alguns segundos, como se estivesse ponderando suas palavras. Considerando a hipótese. Até que ele suspirou e a puxou para um abraço apertado. Ambos não sabiam quanto tempo ficaram daquele jeito, até que Brandão entrou na oficina novamente, mas com a expressão aparentemente preocupada e alarmada.

—Algo sério aconteceu no quartel, Mariana. Eu vou ter que voltar, e ver exatamente o que aconteceu. Randolfo me ligou, nervoso, precisando da minha ajuda. – Brandão disse, se aproximando com passos apressados. – Eu entendo se você não quiser ir, pode ficar e mostrar o resto da cidade para Luccino e-

—Não, não é preciso. – Luccino o cortou, soltando Mariana do abraço, tentando passar segurança de que não via qualquer problema de ficar por ali, mesmo que o seu coração traiçoeiro dissesse o contrário. – Eu vou ficar bem, já um sou um homem grande, posso me cuidar muito bem sozinho.

—Mas Luccino, você não conhece a cidade ainda. – Mariana retrucou, preocupada em deixar o amigo sozinho, sabendo que tinha algo que ele estava escondendo, algo que realmente o mobilizara além da história que Brandão compartilhara, porém queria acompanhar o namorado, tentar ajuda-lo no que fosse preciso.

—Se te deixa mais tranquila, eu trouxe o meu celular, se algo acontecer eu ligo pra você.

—Mas-

—Imediatamente. – Luccino a interrompeu sorrindo, tentando transmitir os melhores olhos pidões que poderia naquele momento, ao mesmo tempo que sentia seu coração rasgado no peito, tocado com tudo o que ouvira. Não queria ficar sozinho agora, mas com certeza a sua angustia era apenas um detalhe perto de qualquer outra emergência.

—Tudo bem, mas se acontecer qualquer coisa mesmo ouviu? – Ela o abraçou novamente, suspirando. – Fique bem, meu amigo.

—Você também. – O jovem Pricelli assistiu o casal darem as mãos, acenando em despedida em sua direção, para irem até o quartel, deixando-o finalmente sozinho.

Quando o mecânico não pôde mais escutar os barulhos de passos, deixou-se finalmente sentir o sofrimento repentino e em grande força assumir seus sentidos. Recostou-se novamente na pilastra, cedendo ao peso que suas pernas não conseguiam mais sustentar e sentou-se no chão empoeirado de terra da oficina. Abraçou as pernas, fitando em um ponto distante, como se quisesse sumir e não poder sentir mais nada, ao mesmo tempo que tentava imaginar a dor que esse lugar guardara.

O curioso é que Luccino também não conseguia entender, como um lugar como aquele que guarda um desfecho tão triste, poderia causar tantas emoções positivas nele, como se estivesse saudoso, nostálgico, o deixando mais confuso já que era a primeira vez que pisava não apenas no lugar, mas em todo Vale do Café.

Tão absorto em pensamentos e no choro silencioso em que se encontrava, não escutou os passos em sua direção, lentos, um tanto cautelosos, como se o dono dos pés tivesse permanecido por bons minutos do lado de fora pensando e repensando se entrar naquele lugar fosse uma boa ideia.

—Tem um espacinho aí pra mim?

Luccino levantara os olhos cheios de lágrimas, sobressaltando-se assustado pela companhia inesperada, os lábios se entreabrindo de surpresa e o olhos arregalados de espanto ao reconhecer o estranho que quase colidira com ele na estrada à caminho do Vale do Café.

—Eu... Claro. – Ele ainda não conseguia tirar os olhos do homem que sentava ao seu lado, os ombros se encostando suavemente.

—Oi, estranho. – Otávio deu um sorriso pequeno, se sentindo levemente confortado ao ver que não era o único que tinha se entregado às lagrimas naquele início de dia.

—Oi. – Um sorriso sincero abriu-se no rosto molhado pelas lágrimas, que tentava limpar com pouco esforço. – Como... Como você chegou até aqui?

—Eu conheço esse lugar. Na verdade, eu não tinha a maior intenção de vir aqui, mas eu estava tão... – Otávio sentiu o nó da garganta aumentar ao pensar no que vira na sala de depósitos, no Quartel. O estomago se revirou só em lembrar o conteúdo da velha manchete. – Quando dei por mim, estava estagnado aqui em frente. E você? O que faz aqui?

—Eu... vim a pedido de uma amiga. Para um trabalho. – Luccino ainda não parecia acreditar no que estava acontecendo. Primeiramente, chorava igual uma criança boba por causa de uma história que se passara há mais de cem anos atrás sem qualquer motivo plausível para tamanha comoção, e agora tinha reencontrado o estranho não tão estranho, que por algum motivo não tinha deixado de pensar desde quando se encontraram pela primeira vez na estrada.

Pelo menos, Luccino acreditava ser a primeira vez.

Assim com o homem ao seu lado também acreditava que fosse.

—Manhã difícil? – Arriscou perguntar, com os olhos fixos no homem ao seu lado, sedentos em não perder nenhum segundo daquele momento. De uma forma absurda, queria estender a sua mão e tentar acalentar o desconhecido que refletia uma dor tão igual à sua, mesmo sem saber o possível motivo.

—Digamos que sim. – Otávio soltou baixinho, dando um breve riso, sentindo-se quase desvendado pelos olhos do homem ao seu lado, inquieto com a sensação estranha que revirava o peito desde a primeira vez que colocara seus olhos nele, olhou para baixo, e acabou por reparar nas mãos do estranho. Grandes, mas não tanto, poderiam quase ser do mesmo tamanho que as suas. Por reflexo, encolheu as próprias mãos, divagando na sensação de como seria o toque das mãos do desconhecido entre as suas.

Com o silencio repentino, Otávio percebeu que algo foi perguntado a ele e encarou o homem que ainda não tinha tirado os olhos dele.

—O que foi?

—Nada, é só... – “você”. Luccino mordera a ponta da língua, impedindo de soltar a palavra que veio naturalmente em sua cabeça. – Você me parece deslocado em um lugar em que disse que já conhecia.

—Eu conheço, mas entrei aqui apenas uma vez. – Otávio encolheu as pernas mais próximas ao peito. – Na verdade eu sou um tanto... Obcecado por esse lugar. Eu consegui entrar apenas uma vez aqui, por que comecei a me sentir sufocado, angustiado. Mas, quando eu me sinto angustiado, triste ou até mesmo... solitário, eu venho aqui, apenas olhar de longe, buscar... Conforto, até mesmo-

—Paz. – Luccino complementou, se sentindo mais aliviado por ter alguém que entendia a vibração desse lugar. – É a primeira vez que eu entro aqui, e eu acho que posso entender o que você diz sentir.

Ambos encaravam-se, ambos questionavam a si próprios como alguém, um completo desconhecido poderia ser capaz de transmitir uma sensação de conforto, de alivio. Como se fossem velhos amigos, e foram apenas alguns minutos, mas que para Luccino e Otávio, o tempo parecia passar tão devagar, calmo. Sem representar a pressa de buscar a felicidade ou construir a vida em volta de seus trabalhos com o desejo continuo de substituir um vazio que os consumia por anos.

—Você quer sair daqui? Ir pra outro lugar? – Luccino percebeu que a pergunta tinha sido mal intencionada quando viu os olhos do outro homem arregalar levemente, sentindo o seu próprio rosto esquentar. – Q-quero dizer, pra pegar um ar-

—Eu entendi, está tudo bem. – Ambos riram, levantando-se do chão, limpando as linhas de poeira das calças. Ao saírem da oficina, Otávio parou por um momento, olhando para trás, seus olhos buscando algo que ele não sabia o que era, mas que o puxava como imã, mirando sua visão em algo que estava coberto por uma lona grossa, quase perto da saída contrária da oficina.

Luccino ficou confuso ao ver o outro homem parado na entrada da oficina, sua atenção voltada a algo que parecia procurar, com os olhos distantes. Tentou ver o que ele poderia estar buscando com os olhos, mas de fato, realmente não fazia ideia, no entanto ao ver a expressão do desconhecido escurecer, com as feições entristecidas, andou para mais perto dele, tocando seu antebraço suavemente, sem querer assustá-lo mais.

Ao sentir o toque em seu antebraço, Otávio olhou para a mão que o segurava, até olhar para o dono dela, surpreso com o toque súbito.

—A-a chave daqui, tem uma escondida, atrás dos sacos de areia. – Otávio pigarreou, forçando-se a quebrar o contato, soltando-se do leve aperto e caminhando até os velhos sacos em frente à oficina. Agachou-se, cavando com os dedos na terra, encontrando uma chave prateada. – Aqui estão.

Luccino o olhava, silenciosamente, trancar as portas da oficina. Sua cabeça estava tão imersa de perguntas e duvidas, não apenas ao estranho que sem qualquer explicação plausível esbarrara com ele mais uma vez em menos de vinte e quatro horas, sem pedir licença, sem qualquer aviso. E o mesmo estranho que chegara em sua vida, tão repentinamente, revirava tudo dentro de si, que acreditava estar tão bem guardado, sem riscos de serem bagunçados, em uma protegida zona de conforto.

Luccino não fazia ideia de que seus pensamentos interligavam-se aos de Otávio, enquanto este tentava manter a calma, fechando os cadeados, presos pelas grandes correntes de ferro.

—Vamos? – Otávio questionou, começando a andar e Luccino o acompanhando ao seu lado.

Caminharam juntos na estrada de terra até um certo momento, onde a trilha que ambos não faziam ideia que estavam seguindo, começou a tomar forma dentro da floresta, mas nem Luccino e nem Otávio estavam preocupados, se estavam perdidos ou isolados do resto do povo do Vale do Café. Ambos passaram por tantos anos com a sensação de estarem perdidos, se sentindo deslocados, desconfortáveis, seja em meio à multidão, ou perto de amigos e familiares. No entanto, o que importava naquele instante, era a certeza que crescia dentro deles, ao trocarem olhares breves, enquanto andavam para mais longe do Vale, é de finalmente encontrar um lugar confortável de se estar, de ficar.

De se sentir pertencer a algo. A alguém.

Os ruídos dos passos na floresta eram a única coisa audível, além dos sons aleatórios de animais circulando por perto. Luccino as vezes retirava seu olhar do homem ao seu lado para apreciar as arvores de grandes troncos e abundantes copas que sombreavam os raios fortes do sol do meio dia, sentindo uma paz e conforto invadi-lo, em um momento tão raro de sua vida, onde podia afirmar em todos os anos que vivera na Itália, e em São Paulo, nunca ter sentido antes. Abandonara qualquer possibilidade de continuar vivendo na sua cidade natal, indo em direção contrária sobre seguir qualquer chance que o seu pai sonhava para o filho caçula, ou dos pedidos suplícios de sua mãe de reconsiderar fazer as pazes com o seu pai ou com o seu irmão mais velho.

Ele não gostaria de trocar nada daquele momento. Nenhum segundo sequer.

A cabeça de Otávio tentava divagar para muito distante, mas ele tentava permanecer imerso naquele pequeno momento em que estava vivendo. Conhecendo a si mesmo melhor do que ninguém, sabia que se alguém o convidasse para caminhar mata a dentro em uma floresta, provavelmente soltaria uma piada ou ficaria completamente cético de tão absurdo essa ideia seria de se concretizar. E lá estava ele, andando com um desconhecido em uma floresta, e a cada passo mais a dentro, seus olhos fechavam-se sem pedir permissão, parecendo conceder o sentimento de bem estar, de acalento. Tantos anos sozinho, buscando afetos em outras pessoas, sem admitir para os outros e para si mesmo, lá estava. Em pouco tempo, seu tolo coração parecia alertá-lo de que talvez seus desejos enjaulados pudessem ser ouvidos.

Ele não gostaria de trocar nada daquele momento. Nenhum segundo sequer.

Por trás das arvores, ambos os rapazes encaravam maravilhados quando seus pés perdidos, os levaram à um campo aberto de grama aparentemente macia e verde, e logo mais adiante, uma plantação de trigo que fazia parte de outra propriedade, em uma fazenda próxima a uma nova entrada para a continuação da floresta em alguns metros à frente.

A voz alta e persistente da razão parecia submergir sobre a voz da emoção, que suplicava por um momento de euforia, de um momento de felicidade genuína. Otávio parecia dar espaço para que a primeira voz falasse mais alto, mas quando deu por si, surpreendendo-se pelo ato ousado, virou-se em direção de Luccino que ainda observava encantado toda a paisagem ao seu redor, os ventos bagunçando os cabelos curtos, puxando-o então pela mão, o assustando do seu breve momento alheio ao redor.

—O q-Espera, espera! – Luccino gritava, tentando acompanhar os passos apressados do homem que apertava seus dedos entre os dele. - Onde estamos indo?

—Eu não sei! – Otávio riu junto à Luccino, ambos tropeçando, os risos jogados ao vento, correndo a toda velocidade pelo campo, em direção à plantação de trigo, deixando a voz que tantos os isolara na zona de conforto para trás junto ao medo, o simples, o habitual, o velho, a rotina.

—Meu deus, Luccino! Eu não sabia que quebrar as regras poderia ser assim, tão, tão exultante! – Otávio falou entre risos de euforia, até que pareceu se dar conta do ato que fizera, preocupando-se de súbito. - Eu-Meu Deus, eu invadi uma propriedade!

—Não, não, não! Nós invadimos uma propriedade! – Luccino o corrigiu, sorrindo.

O novo era estranho. Mas se viver o novo, o inexplicável e incomum com um estranho pra segurar a sua mão, porque lutar contra?

Novos ares emergiam no Vale do Café. 


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