Por toda vida escrita por larissacosta52


Capítulo 3
Vere Amicizie


Notas iniciais do capítulo

Alguns bambinos estão bem confusos neste capitulo. Espero que curtam!



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Randolfo tirou os olhos compenetrados no notebook que estava em cima do balcão de mármore da ilha da cozinha ao ouvir o ruído da chave girar a fechadura da porta do pequeno apartamento.

—Eu realmente comecei a ficar preocupado com essa demora pra ir buscar comida no... – Ele parou de falar ao reparar de fato no melhor amigo que passara pela cozinha e fora direto para a sala, jogando-se no sofá, fechando os olhos e suspirando, parecendo esgotado. Imediatamente fechou o arquivo que analisava e andou até o outro homem e sentou-se ao seu lado.

—Otávio... Aconteceu alguma coisa? – Randolfo podia contar nos dedos das mãos em quantas vezes ele viu o amigo daquele jeito, tão desnorteado com a expressão perdida olhando para o teto.

—Aconteceu. Na verdade, eu quase bati o seu carro. – Otávio sussurrou, parecendo lembrar do motivo que o levara a esbarrar no estranho em que não conseguia parar de pensar sobre desde quando o levou à casa da família Benedito. Tirou o molho de chaves do bolso e os colocou na palma da mão de um embasbacado Randolfo.

— Eu sabia que você não deveria ter saído com o carro, mas você é o mais cabeça dura de nós dois. – Randolfo balançou a cabeça pensando por um momento no estado do seu Jeep, mas voltou-se novamente ao homem ao seu lado, que parecia encarar o teto como se o próprio lhe respondesse as maiores incógnitas do planeta. – Quer me explicar o que houve? Você está bem?

Otávio finalmente pareceu sair de seu próprio estupor e virou-se para encara-lo.

—Randolfo, você acredita em coincidências? Ou destino? Ou... –Ele deu de ombros, parecendo não conseguir explicar o que de fato, pensava. – Você já teve uma sensação, como um... dejavu?

Quando ele viu o rosto de Randolfo abrir em um sorriso, ele percebeu o quão idiota estava sendo em perguntar aquelas coisas. Se sentia patético e isso apenas porque tinha conhecido uma pessoa que parecia ter tido o poder de revirar questões pessoais que ele mesmo achara ter guardado à sete chaves, tão escondido que nem ele mesmo se atrevia em pensar sobre isso, em poucas horas. Ele revirou os olhos, levantando-se.

—Esquece, eu vou dormir, amanhã discutimos o cas-

—Não! Espera um pouco. – Randolfo puxou o amigo pelo braço e forçando-o a sentar no sofá novamente. – Me conte do início. E o que aconteceu pra você quase destruir o meu carro.

—Eu saí pra pegar a comida que você tinha encomendado, mas acabei me distraindo e acabei quase batendo em um motociclista na saída da cidade e-

—Espera, você estava tão distraído que estava saindo do Vale? – Randolfo perguntou incrédulo. – Realmente você está precisando de férias da delegacia, meu amigo.

—Esse não é o problema, Randolfo! – Otávio se levantou indignado com o outro e com ele mesmo, confuso por se sentir tão abalado por causa de um quase acidente. – O estranho em que eu quase atropelei é o problema!

Randolfo franziu a testa olhando para o amigo que andava de um lado para o outro na sala de estar, gesticulando aparentemente nervoso.

— E porque o estranho é o problema? Ele ficou bem? Vocês se machucaram? Algum prejuízo na moto dele ou no meu carro?

—Não, Randolfo. – Otávio respondeu, exaltando-se e disparando sem perceber na expressão surpresa do outro sentado à sua frente. – Eu só não consigo tira-lo da minha cabeça desde o momento que eu o vi, eu não consigo tirar essa ideia estupida da cabeça de que eu já o conheço, o que me faz parecer um esquisito com uma cantada barata e eu-

—Você disse isso pra ele? – Randolfo perguntou, pensando nas palavras que um Otávio compenetrado e calculista não falaria ao dia a dia. Era um dos raros desabafos que testemunhava ver de forma tão aberta.

— Sim! Que tipo de idiota ele deve ter pensado que eu sou? Eu o levei para a casa dos Benedito, e depois fui embora, eu nem mesmo sei o nome dele, só sei que ele é da capital, e eu... não estou conseguindo lidar com isso, porque... Eu não sei! Eu não sei porque eu estou me sentindo inquieto e confuso com uma pessoa que eu nunca vi e nem conheci! Como isso é possível?

Randolfo se levantou e andou até o melhor amigo, colocando a mão em seu ombro, tentando passar segurança, ainda que estivesse pisando em ovos ao tocar num assunto que sabia que deixava o amigo mais arisco.

—Você não acha que... Pode ter algo a ver com aquilo... –A voz levemente intencionada de Randolfo fez com que Otávio ficasse em alerta, balançando a cabeça, distanciando-se.

—Randolfo, não. Isso não.

O outro acenou ergueu as mãos, compreendendo. Abandonando o assunto no qual Otávio sempre tentava se distanciar.

—Então... talvez seja só o susto, ou o choque pelo quase acidente. Essa foi a segunda vez que você saiu pra dirigir, e não faz muito tempo que você tirou a carteira de motorista. Descansa, amanhã é outro dia, que por sinal, temos bastante trabalho à fazer, Coronel Brandão passou a semana com a corda solta com o caso que estamos trabalhando meses à fio.

     Ignorando a expressão preocupada do amigo, Otávio fechou os olhos suspirando, coçando a barba, dando-se por vencido naquele momento. Sabia que talvez passasse a noite em claro, tentando voltar-se aos arquivos burocráticos da delegacia para evitar pensar demais, evitar ser consciente dos seus próprios conflitos internos.

—É, talvez você tenha razão. Boa noite, Randolfo. – Otávio caminhou com a postura cansada até o corredor.

—Espera, não quer que eu peça algo pra comer?

—Perdi a fome, mas obrigado.

Randolfo olhou para o molho de chaves, pensativo. Sabia que Otávio tinha seus próprios demônios internos, e que pouco compartilhara com ele sobre o seu passado, e aceitara, afinal aprenderam a confiar um no outro, não apenas por situações de alto risco na delegacia, mas por situações pessoais. Olhou de relance para a aliança de noivado na mão esquerda e sorriu com carinho, ao lembrar que tivera sorte de ter alguém para amar e ser amado tão intensamente, mas sabia que o próprio amigo não tivera a mesma sorte por muito tempo. E desconfiava dos possíveis motivos, mas Otávio sempre se esquivava sobre assuntos de relacionamentos, depois do que ocorreu com Lídia.

Suspirando, sentou-se no sofá, puxando o celular do bolso, olhando rapidamente para o corredor e uma das portas fechadas do quarto, as luzes apagadas. Randolfo buscava respeitar o máximo de espaço e tempo que Otávio precisava, mas nunca vira o amigo tão abalado por um encontro com um estranho, então, decidindo fazer algo sobre isso, discou o número de alguém que era amiga de ambos, e que poderia ter mais sorte de puxar alguma informação a mais de Otávio.

Depois de quatro toques, a pessoa do outro lado da linha finalmente atendeu.

—Mariko?

Casa dos Benedito.

Mariana tirou a chaleira do fogo e depositou a agua fervida nas canecas cheias de café. O aroma fez com que Luccino lembrasse de tantas noites tendo companhia da bebida forte para se manter acordado na oficina que tinha em São Paulo, que o fez ter uma nostalgia da capital.

—Então, um quase acidente e um estranho desajeitado? Isso é tudo? – Mariana sentou-se na cadeira, apoiando os antebraços na mesa de madeira polida. – Você me deixou preocupada, Luccino.

—Eu sei, me desculpe. – O italiano estendeu a mão, apertando de leve o antebraço da mulher à sua frente. – Não sei o que me deu na hora, estava nervoso pelo o que tinha acontecido. Ou quase acontecido...

Mariana inclinou a cabeça para o lado ao confirmar a suspeita de que, desde o momento que Luccino entrara na casa de sua família, o mais novo parecia pensativo, quieto demais.

—O que poderia ter acontecido?

Luccino deu de ombros, dando um gole do café, evitando os olhos questionadores que tinham facilidade de desvendar os pensamentos dele próprio antes mesmo dele chegar a pensar as vias de fato.

—Luccino, há algo nessa sua cabeça e eu só consigo pensar que tem algo a ver com esse quase acidente.

—É, tem a ver... Ao mesmo tempo que não. – O italiano passou a mão pelos cabelos curtos. – Eu não sei Mariana, mas eu nunca tinha tido essa sensação... Eu senti, que já conhecia esse estranho de algum lugar. O engraçado é que antes de eu descer do carro, ele me falou que tinha sentido a mesma sensação. Como isso é possível?

 - E esse estranho não tem um nome? – Mariana arqueou uma sobrancelha, levantando a caneca fumegante de café a altura dos lábios pintados de batom vermelho.

Luccino sorriu, balançando a cabeça.

—Acho que acabamos entrando em um acordo silencioso de não sabermos o nome um do outro.

Mariana riu, achando tudo aquilo bem curioso. Inclusive, o brilho diferente no olhar do melhor amigo. Desde quando conheceu Luccino anos atrás na Itália por uma inconveniência em uma galeria de arte, não desgrudaram-se desde então. E nesses anos de amizade em que passaram por tantas coisas juntos, era inédito para a Benedito ver o italiano mais quieto e pensativo, uma postura não tão costumeira quando se encontravam. Nos piores momentos em suas vidas pessoais, ambos ajudavam o outro a se reerguer e enfrentar os obstáculos que passavam, mas Luccino sempre tinha uma energia mais alegre e confiante, apesar de saber dos problemas que ele enfrentava com a própria família.

—Estranho. – Ela comentou tentando não parecer mostrar seu interesse, mas não conteve o sorriso na borda da caneca ao ver um homem daquele tamanho ficar nervoso repentinamente.

—O que é estranho?

— Um estranho sem identidade que aparece do nada, quase bate na sua tão idolatrada moto, deixando ela quase destruída, assim como o seu capacete que está ali como prova – disse apontando para o capacete que aparentava ter tido dias melhores com um dono extremamente cuidadoso. – e que ainda é capaz de te deixar com esse olhar... Eu esperava ver um Luccino extremamente furioso, mas não... Isso.

Luccino sentiu o rosto esquentar, pigarreando e tomando o restante da bebida quente e por fim, levantando-se da mesa.

—É apenas o susto do quase acidente, Mariana. Se eu estivesse pensando direito na hora, certamente teria feito um orçamento para o prejuízo que vou ter, mas... Não é preciso. Eu mesmo posso consertar, afinal, porque seria um mecânico não é mesmo? E além disso, ele mal conseguiu nos trazer ao Vale, então não o culparia de saber dirigir ou algo assim. Mas ele com certeza precisa de aulas de direção.

O caçula dos Pricelli tentou esconder o sorriso, colocando a caneca dentro da pia, enquanto isso Mariana virou-se na cadeira para encara-lo.

—E quem seria o eleito para ensiná-lo? – Os olhos de Mariana buscavam atentos os olhos do jovem Pricelli, buscando a informação que ela precisava.  

—Luccino.

—Mariana.

— Luccino.

— Mariana, por favor. Hoje não. - O italiano virou-se para a amiga, tentando se esquivar de um assunto que sabia que teria que estar menos exausto e com mais armaduras para enfrentar o furacão Benedito. – Eu acho que preciso dormir, descansar para podemos falar com Brandão amanhã, tudo bem?

Mariana entendeu, levantando-se e abraçando o melhor amigo que se surpreendeu por alguns breves segundos com o gesto, para logo em seguida retribuir o abraço.

—Sabe que pode contar comigo não é? Não há o que temer meu amigo. – Ela segurou o rosto de Luccino entre as mãos. – Não há nada do que esconder.

Luccino fechou os olhos, suspirando. O seu coração e a sua mente o faziam de marionete, as vezes por tentar ouvir a razão, mas entregar-se mais a emoção, aos sentimentos. Mas sabia que naquela noite talvez ainda não estivesse preparado para aquela conversa, contudo, tinha certeza que teria a melhor pessoa para desabafar, e trocar palavras e pensamentos. Principalmente os que ele não dividira com ninguém. Era um terreno que Luccino tentara abandonar, mas ao mesmo tempo sabia que não poderia ignorar para sempre.

—Eu sei, mas é complicado. Amanhã, ou outro dia ok?

Mariana o olhou por alguns segundos, para logo em seguida beijá-lo no rosto, arrastando-o para o quarto de hospedes da casa em que vivera por décadas até sair e tentar conquistar seus próprios sonhos e construir sua vida.

Ao entrarem no quarto, andou até a janela, abrindo-a deixando que a brisa da noite entrasse no recinto. Observou de canto o amigo jogar-se na cama, estendido igual a uma estrela do mar, ocupando todo o espaço da modesta cama, com os olhos fechados.

Balançando a cabeça, saiu do quarto, fechando a porta o mais silenciosamente que podia, voltando para a sala de estar e olhando para o capacete cheio de amassos e sorriu, sentindo que amanhã poderia ser um dia bem melhor do que hoje. Parece que a chegada de Luccino fora mais emocionante que a sua própria em sua cidade natal, e era apenas fora o primeiro dia.

Luccino abriu os olhos e encarou pensativo o céu estrelado do Vale do Café. Sentia-se tão inquieto, e confuso pelas últimas horas que passara, tentando compreender, ao mesmo tempo que esquivasse de questionamentos perigosos demais, profundos demais. Dando-se por vencido ao cansaço, tirou os sapatos, afundou-se mais na cama, sentindo-se estranho pela primeira vez em deitar-se sozinho, apesar de não haver espaço para outra pessoa ali.

Mas e essa sensação tão confortável que o revirou do avesso ao estar com um conhecido?

De pertencer...

Bufou, fechando os olhos deixando-se ser perseguido pelo sono e o cansaço de vez.

— Italiano bobo...

Italiano bobo! – Otávio murmurou sorrindo, ao passear as pontas dos dedos nos cabelos bagunçados de Luccino, que estava mais do que contente deitado ao seu lado, com a cabeça apoiada em seu ombro, ambos tentando não se entregar ao sono que os consumia. A mão do jovem Pricelli também passeava pelo peito do Major, sem direção.

—É sério, Otávio... talvez eu tenha mais facilidade em aprender esgrima em outro lugar fora da oficina, e até poderíamos dar continuidade nas suas aulas de direção, depois do incident-Ai! – Luccino sentiu o leve beliscão em seu quadril, para logo depois, rir baixinho ao imaginar de olhos fechados, e bastante sonolentos a expressão contrariada de Otávio.

Dormindo, agora. – Otávio ordenou, sem poder ou autoridade nenhuma na voz, rendido por aquele italiano de sorriso doce e coração gigante, agora adormecido em seus braços. Beijou sua testa, deixando-se dormir, deixando-se pertencer no único lugar que importava pra ele.


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