Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 4
O ataque ao sistema




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Sem noção alguma de tempo, os dias parecem passar cada vez mais devagar. As torturas haviam aumentado, mas a ordem tinha mudado e agora era eu quem recebia uma dose a mais de dor. Haviam optado para a cadeira elétrica, onde adoravam me fazer berrar até que desmaiasse, sempre repetindo:

 —– Como você e Everdeen conseguiram sair da arena? Quem tinha o plano de destruí-la? Aonde ela está nesse momento? Quantos rebeldes a mais existem e em que distritos estão?

Eu não sei, continuo respondendo sem que minha voz realmente saia, por favor, eu não sei. Por favor, eu não sei. Por favor...

Pelo medo de não saber o que encontraria ao acordar passei a não dormir, o que me fazia parecer ainda mais uma morta-viva. Sequer conseguia contar os dias sem comida e água, e sentia que estava enfraquecendo mais por isso do que pelas torturas. Muita das vezes era preciso me arrastar para a cadeira, porque eu nem mesmo tinha forças nas pernas para me levantar e encarar mais uma hora de sofrimento.

Minhas torturas e as de Johanna eram mais físicas, sendo que por outro lado as de Peeta iam além, destruindo o resto da sanidade que ainda tinha. Às vezes eles cobriam as paredes novamente, mas eu conseguia ouvir seus gritos como se ele estivesse no mesmo cômodo que eu. Tapar os ouvidos já não é a melhor opção, e tudo o que acabo fazendo é chorar em silêncio enquanto o ouço sofrer. E Johanna também gritava muito, era impossível achar uma maneira de escapar de tudo aquilo e na última vez que a vi, eles haviam raspado seu cabelo.

Fecho meus olhos por alguns minutos, não suportando mais ficar acordada, mas de repente alguém me cutuca gentilmente. Pensando que poderia ser mais uma série de torturas intermináveis, me afasto para o canto da parede, encarando o que eu não sei distinguir se era uma mulher ou um gato, pois o rosto era como se fosse de um —– até mesmo os bigodes estavam lá.

Balanço a cabeça achando que poderia ser coisa da minha imaginação, talvez estivesse delirando, porém a mulher continuava ali.

—– Não se preocupe, não estou aqui para machucá-la —– diz ela com uma voz que se assemelha a um miado. —– Se aproxime, eu trouxe algo para você.

Despejando as coisas da bolsa no chão, vejo comida e água suficiente para saciar todo o tempo perdido sem nada. Quero muito sair pegando tudo e enfiando na boca, porém me recordo do dia que nos deram comida estragada e acabo ficando receosa.

A mulher, vendo que eu estava desconfiada, pega um pequeno pão de queijo e o engole. Nada ocorre mesmo depois de vários minutos. Ela bebe um pouco da água na garrafa, e também não acontece nada. É nesse instante que meu cérebro me pergunta o que eu estou esperando, então me rastejo até perto e tento comer devagar para não passar mal.

—– Quem é você, afinal? —– pergunto quando a criatura sem nome pega meu braço e fica analisando os machucados. —– Por que está aqui e trouxe todas essas coisas?

—– Me chamo Tigris —– responde ela, me observando com seus olhos amarelos. —– Você precisa gravar uma propaganda com o Presidente Snow hoje, daqui há algumas horas. Os outros dois tributos também te acompanharão, eu já os arrumei. E quanto ao banquete, eu mesma quem comprei.

Paro de ouvi-la quando percebo o que vou ter de fazer. Ficar perto de gigantes câmeras, perto daquele que mais me assombra. É difícil fazer com que minhas mãos parem de tremer após essa notícia, mas ao mesmo tempo fico imaginando: por que eles vão fazer isso? Quem vai querer ver nossos corpos machucados? Qual o propósito de gravar uma propaganda?

—– Está acontecendo uma guerra lá fora? —– pergunto sussurrando.

—– Não tenho permissão para lhe dizer tal coisa —– responde ela, olhando para o lado como se soubesse que alguém estava ali. —– Se puder eu gostaria que se apressasse,pois você é a única atrasada.

Depois de comer até quase vomitar de verdade e beber no mínimo três garrafas de água, Tigris tira com cuidado o resto da minha roupa a jogando no chão. Penso que ela vai me dizer vou poder tomar banho, mas a forma que me limpa quase me faz gritar; pegando uma toalha branca, a molha e passa em mim, sempre com delicadeza, só que os machucados eram recentes e profundos e faziam meus olhos se encherem de lágrimas pela dor. Ganho novas peças íntimas limpas e me encaixo no traje que ela me traz, um macacão branco que cobria meus braços e pernas e ia até o pescoço escondendo grande parte do que vinha acontecendo, e calço uma bota também branca.

Agora que tenho mais firmeza no corpo fico de pé para que ela possa me maquiar, percebendo no quanto tentava ao máximo esconder as marcas em mim. Enquanto observo Tigris concentrada em passar o delineador no canto dos meus olhos, fico me perguntando se ela era mesmo uma humana como eu ou algum tipo de bestante do bem; era óbvio que ela morava na Capital e que era uma estilista, mas não era como os outros e a maior prova foi que não me bateu ou foi mal educada comigo em momento algum, além de ter me alimentado.

Tigris ainda coloca uma peruca azul clara em mim que esconde meu cabelo natural por completo, e me diz que eu estava pronta. Ela ergue um espelho para que eu me veja e não consigo deixar de me impressionar com o trabalho dela; toda a parte em meu rosto machucado foi temporariamente tapado fazendo com que ele estivesse liso e sem nenhum sinal, a roupa se encaixava em mim de forma que parecia ter sido feita com as minhas medidas e eu sequer conseguia sentir algo nos pés de tão confortáveis que as botas eram. Acabo soltando um sorriso para mim mesma sem querer, o que me deixa sem graça, mas faz Tigris ronronar feliz.

—– Você vai precisar da roupa depois que acabarmos de filmar? —– pergunto a ela conforme seguimos os Pacificadores.

—– Não, pode ficar com ela de presente —– responde Tigris me mostrando suas presas. —– Na verdade, fique com ela como uma lembrança.

Lembrança de que você conseguiu me fazer parecer bonita mesmo estando extremamente machucada? pergunto em minha cabeça, porém acho melhor não falar isso.

—– Uma lembrança de quê? —– questiono curiosa.

—– De que as pessoas estão ao seu lado.

O que poderia significar o que ela diz? Será que tinha alguém vindo nos buscar? Não sei ao certo, porque quando vejo Tigris já está indo embora.

—– Obrigada por tudo! —– grito antes que ela saia e se vira, fazendo um aceno para se despedir de mim e sumir de vista.

Me virando para o lado encontro Peeta e Johanna, também quase irreconhecíveis; Peeta estava com um terno branco que ia até o pescoço tapando seus ferimentos recentes, o cabelo louro penteado para trás e o rosto maquiado para que parecesse o mais saudável possível, já Johanna estava com um vestido branco de renda nos braços, usava uma peruca de cor clara assim como eu e o rosto transmitia alegria por sua bela maquiagem.

Quase me sinto como na noite das entrevistas conforme subimos para o grande estúdio que quase me cegava por ser extremamente branco. É quando eu o vejo, além dos Pacificadores segurando metralhadores que com certeza estavam carregadas, sentado em uma poltrona que mais parecia como um trono. Paro no meio do caminho, o que faz os outros Pacificadores que haviam me trazido começarem a me empurrar e não tenho escolha se não seguir. Subo uma pequena escada e sou designada para o meu lugar, que era atrás da poltrona. Tento parar de tremer e acalmar o coração, mas ele estava ali, tão perto de mim que eu poderia matá-lo sem que ao menos desconfiasse, embora eu saiba que existem armas apontadas para nossas cabeças prontas para atirar com qualquer ato considerado ameaçador. Eu fico atrás, Johanna fica do lado direito e Peeta do esquerdo, totalmente parados apenas respirando, como bonecos.

A câmera é ligada e o Presidente Snow começa a falar sobre os Dias Escuros, seu mesmo discurso de sempre me faz repetir as palavras na minha cabeça. Ele fala sobre como todo o país está em "paz" desde que os Jogos foram criados, sobre como não deixaria que os rebeldes roubassem aquilo deles. Eu estava agoniada, queria sair correndo, só que não gostaria de encarar o risco de ser baleada ao vivo.

Quando ainda estava falando alguma coisa, há um chiado diferente no estúdio. É quando ouço uma voz que eu sabia que não pertencia a ninguém da Capital.

—– Testando, testando, testando... Aqui é Rebelde do Submundo. Temos áudio, mas imagem não. Estamos forjando um futuro mais forte. Estão ouvindo? Repito, estão ouvindo? —– dizia o homem responsável por estragar a propaganda.

Beetee, você está vivo! Sim, eu estou te ouvindo! Uma onda de alegria percorre meu corpo, mas tento não me mexer ou demonstrar isso.

—– Esta é uma transmissão pirata do Distrito... Esperem pelo sinal. Repito, esta é uma transmissão pirata do Distrito 13 com uma mensagem —– continua ele enquanto tentam tirá-lo do ar.

E Beetee, mesmo que sem saber, quase faz um efeito maior do que a arena destruída quando dá o recado final.

 —– O Tordo está vivo.

(...)

Somos mandados de volta para nossas selas a quase pontapés e batem as metralhadoras para que andemos mais rápido, como se o ataque ao sistema da Capital tivesse partido de nós. Mesmo que estivesse doendo ser acertada com aquilo, eu estava tão feliz por Beetee estar vivo que sequer me importava no momento, mas algo me intrigava. Ele havia dito Distrito 13, só que não havia mais nada lá além de cinzas e radiação —– pelo menos, era essa a informação que todo o país tinha há anos.

Chegando a minha sela sinto frio, imagino que talvez seja o tempo lá fora pois as janelas de vidros pretos pareciam sempre estar abertas, mas me impressiono ao ver dois Pacificadores brincando para ver quem consegue destruir o controle do ar condicionado primeiro. Isso não me preocupa já que a roupa nova que Tigris me deu tapava todo meu corpo, no máximo sentiria apenas uma leve brisa congelante no rosto e nas mãos.

Porém quando estava pronta para me sentar no chão, outro Pacificador aparece me mandando levantar.

—– Tire a roupa —– exige ele e o olho sem entender. —– Não me faça repetir.

Leva alguns segundos para que eu consiga reunir coragem para abrir a boca e dizer apenas:

—– Não.

E recebo um tapa no rosto como recompensa.

Se aproximando o homem me pega por trás, rasgando todo o tecido que Tigris teve tanta delicadeza em fazer e a bondade de me deixar ficar com ele. Estou batendo os pés no ar, tentando mordê-lo, gritando, fazendo qualquer coisa para me livrar de suas mãos e acaba não servindo de nada. Até mesmo as botas são retiradas de mim e quase começo a chorar por ver a roupa toda rasgada, mas o que me preocupa de verdade é quando os outros dois Pacificadores também entram na minha sela; por estar somente com a roupa íntima me encolho para a parede, ainda sabendo que seria inútil tentar lutar.

Eles se afastam assim que Peeta chega, também só com a roupa íntima. Era incrível como eles o travavam melhor, quase com mais carinho, e fazia eu pensar que talvez Peeta fosse o favorito daquele que eles chamam de presidente.

—– Você está bem? —– pergunta ele já dentro da sela. Meu corpo treme não somente por causa do frio fazendo meus pelos dos braços e pernas se arrepiarem. —– Eles fizeram algo com você, Krystal?

—– Não... —– respondo sem olhar para seu rosto. —– Você chegou antes que eles tivessem a chance...

—– Fico aliviado de saber disso —– diz Peeta somente, e voltamos ao silêncio.

Por um segundo pensei que fosse comentar sobre o que havia acontecido no estúdio, que falaria sobre Katniss estar viva —– contando que era o nome dela que ele gritava enquanto o torturavam —–, mas nada disso aconteceu. Quando olho para Peeta através do vidro parece que algo em seus olhos se perdeu, e era como se não fizesse diferença o Tordo estar vivo ou não.


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