Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 23
A morte do eterno mentor




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O som da água pingando e a respiração profunda dos que estão dormindo é a única coisa que preenche os meus ouvidos enquanto encaro o escuro, mas há um momento que consigo captar um ruído diferente.

 Continuo parada, achando que deve ter sido minha imaginação. Porém não é, pois o barulho parece estar ficando mais próximo. E ele fica ainda mais fácil de entender quando Peeta sussurra o mesmo som.

Katniss, Katniss, Katniss.

Eu abro os olhos depressa, olho para ela que também está espantada e sem entender, e ficamos as duas o vendo repetir seu nome sem parar até puxar o ar e acordar assustado.

—– Katniss! Saia daqui! —– exclama ele apressado, sem se importar com a flecha apontada para sua cabeça.

—– Por quê? —– pergunta ela deixando o medo aparecer em sua voz trêmula. —– O que está fazendo esse som?

—– Eu não sei, somente sei que quer matar você —– responde Peeta fazendo meu coração acelerar. Ao ver que Katniss continua parada, ele se altera. —– Corra! Saia! Vá!

Com todo o esquadrão acordado e em pé, saímos apressados um atrás do outro tentando manter a calma. Assim que estou começando a subir a escada com o braço puxando para baixo por conta da algema, eu escuto novamente e paraliso na metade do caminho. Katniss, Katniss, Katniss, Katniss. Mais forte e mais vezes do que antes.

—– O que foi, Krystal? —– pergunta Gale de cima em pé.

—– Eu consigo ouví-los. Eu não sei o que é, mas consigo ouví-los de alguma forma... —– respondo olhando para ele. —– Eles estão repetindo o nome de Katniss, mais forte e mais vezes, sem parar.

—– Você também consegue saber se estão por perto? —– pergunta Cressida que ainda não havia subido.

—– Não sei ao certo... —– Paro por alguns segundos, tentando me esforçar ao máximo. —– Pelo volume da voz, acho que devem estar entrando no subsolo agora.

Percebo na troca de olhares de todos, confusos. Como meu cabelo fica sempre por cima da minha orelha e a trança que me foi feita não ajuda muito, não podem ver o meu aparelho e estão começando a pensar que também fui telessequestrada. E Jackson aproveita desse pensamento para encostar a arma na minha testa.

—– Explique direito como é capaz de ouví-los igual a Peeta —– ordena ela com a voz grossa e não faço nada. —– Agora!

Faço um esforço para me apoiar na escada com apenas uma mão e os mostro o meu aparelho preto, com cuidado para não acharem que eu poderia sair correndo. Eles suspiram aliviados.

—– Você é surda de um ouvido? —– continua Jackson desconfiada, eu afirmo com a cabeça. —– Como?

—– Quando Katniss destruiu a arena, eu estava perto da árvore na hora que o raio caiu e acabei perdendo aos poucos, também por causa das torturas em tanques de água na Capital —– explico tudo apressada. —– Beetee me deu um aparelho e esse eu ganhei do...

Como eu deveria me referir a Ethan? Como um velho amigo de distrito ou como um "ficante"? Não faço ideia, então fico repetindo a última palavra por alguns segundos.

—– De quem? —– exige ela, batendo de leve a arma em mim.

—– Do meu namorado, Ethan Lancaster —– solto de uma vez sem me importar com os olhares estranhos. —– Foi ele quem fez esse e me deu, e de alguma forma consigo ouvir coisas muito longe de mim de forma perfeita.

Ela abaixa a arma devagar, de forma que seus olhos me avisam que não confiava em mim. Não entendia sua desconfiança, mas levava em conta já que nunca havia me visto na vida. E é a minha vez de suspirar aliviada.

Termino de subir a escada, sempre atenta aos barulhos e começo a me perguntar o que Ethan fez nesse aparelho, pois quase sei distinguir a distância exata em que algo se encontra. A possibilidade de que ele sabia que eu viria para cá se torna maior conforme penso nisso.

Katniss, Katniss, Katniss, Katniss, Katniss! Paro de repente ao notar o quanto os sussurros se transformaram em gritos desesperados e olho para Peeta, percebendo que ele olha para a mesma direção que meu ouvido captou o barulho.

Começamos a andar cada vez mais rápido, a respiração cada vez mais ofegante quando Pollux tem a ideia de nos passar por outro caminho que é nossa única oportunidade de chegar rápido ao lado de fora. Igual a quando entramos, espero todos passarem primeiro para depois ir junto com Peeta.

KATNISS! KATNISS! KATNISS! KATNISS! KATNISS! KATNISS! Estamos recomeçando a caminhar no momento que o vejo estremecer ao meu lado, os sussurros se transformaram em berros como se estivessem dentro da minha cabeça.

—– Katniss! —– grito ao iluminar com a luz da arma e perceber uma mão não humana segurar a parede. —– Katniss, saia daqui!

Ela sai correndo antes que eu possa terminar de falar, mas meu braço começa a puxar para frente e vejo que Peeta quer seguí-la e não me recordo com quem ficou a chave na última vez que me soltaram. Começo a gritar para que Gale nos ajude, ele dá uma coronhada com sua arma que penso que vai fazer minha mão quebrar e solta as algemas na terceira vez que bate. Peço para que Peeta vá embora, que vá atrás de Katniss e a mantenha viva.

Me virando, com coragem, faço algo útil desde que cheguei aqui. Fico ao lado de Gale e exercito o que havia aprendido com Boggs, tentando de toda forma acertar os bestantes junto dos Pacificadores que tentavam fugir deles. O laser vermelho, o mesmo que cortou a minha mão quando tentei pegar a comida estragada, desce como um raio e chama minha atenção perto de nós; meu coração quase para ao ver o que era o corpo de Mesalla aos poucos derreter como uma vela, enquanto parecia tentar gritar e nenhum som sai de sua boca.

—– Não olha! Não olha! —– repete Gale gritando e me puxa pelo braço.

Ele junto de Cressida tentam me empurrar para frente conforme mais bestantes aparecem de todos os lados na intenção de nos cercar, os tiros dos últimos Pacificadores vão para diversas direções e um pega de raspão na minha mão quando tento proteger a cabeça. Ouço os gritos agonizantes de Jackson, Leeg 1 e Homes vindos de trás, mas não posso voltar, não posso ajudar. Tudo o que faço é obrigar minhas pernas a correrem mais rápido, atirando com a metralhadora tantas vezes que mal sei como as balas não haviam acabado. Um estrondo no chão me faz parar por alguns segundos, atiro no bestante que cai para o lado morto, mas então vejo a cabeça de Castor fora de seu pescoço.

Sem conseguir evitar sou bruscamente empurrada para dentro da água, o que faz com que o aparelho me dê um choque e o coloco no bolso sabendo que estava estragado. Mesmo escutando só de um lado não é difícil saber que os bestantes estão me cercando, sou capaz de ouvir Katniss me gritando para ir em direção da escada que já havia subido, mas não consigo atirar em todos de uma vez.

Quando tento levantar sem escorregar, sinto os enormes dedos grudando no meu calcanhar, dizendo silenciosamente que não tinha para onde escapar; sacudo as pernas dando coronhadas e atirando de todas as formas e ainda não é o suficiente, e vejo o momento em que o bestante desaba sem vida com o tridente grudado em suas costas. Eu sorrio sem perceber quando Finnick me levanta e praticamente me joga para os braços de Peeta, que sobe comigo daquela forma.

—– Não, Peeta, ele está vindo! Peeta, vamos voltar! —– exclamo, quase imploro, segurando em sua roupa molhada. —– Peeta, não podemos deixar ele lá sozinho! Peeta, por favor!

Mas ele não diz nada, o que evidencia o que tanto temo. Não vamos voltar, nem ajudá-lo. E vejo os bestantes o cercando cada vez mais enquanto Finnick continua sozinho berrando de dor e pelo nome de Katniss, até o momento em que um arranca sua cabeça fazendo jorrar sangue para todos os lados. Eu assisto paralisada, e Peeta consegue me colocar encostada em um cano enorme conforme Katniss tenta ver se fomos apenas nós que conseguimos escapar.

—– Tem de ter sobrado alguém —– a ouço dizer para Gale, que olha triste para ela.

—– Não, Katniss, não tem mais ninguém —– lamenta ele dando mais uma olhada para baixo.

—– Amora cadeado, amora cadeado, amora cadeado —– repete ela e se encosta perto de mim.

Uma grande explosão acontece e consigo ver os restos dos bestantes junto aos de Finnick voar pelos ares, transformando o local em uma enorme chuva de sangue misturada com carne humana. E então percebo que nunca mais verei o meu amigo traumatizado, o noivo feliz, o vitorioso mais jovem do lugar aonde chamo de lar... e o meu eterno mentor.

Quando conseguimos voltar para a superfície, a situação só piora. Um grupo de Pacificadores estava nos aguardando prontos para nos matar de qualquer forma e vejo Katniss atirar com as flechas explosivas para que não se aproximem, enquanto eu, Gale e Cressida tentamos fazer o nosso melhor com as nossas armas. Peeta não para de correr, mas não consegue atirar, e sei que o único objetivo dele é tirar Katniss o mais rápido que pode. E os lasers vermelhos recomeçam de repente nos fazendo proteger a cabeça com os braços, não sabendo qual lugar era seguro passar sem ser atingido por eles.

—– Vai, vai, vai! —– grita Gale para mim, tentando me fazer ir para frente. —– Não para, Krystal!

—– Gale, cuidado! —– grito de volta por conta dos lasers que não param de aparecer.

Impulso meu corpo, sentindo as dores nas pernas e a respiração quase por um fio, e Cressida me empurra mais para frente fazendo Peeta segurar na minha algema solta para não permitir que eu caia. De repente o chão se transforma em um enorme moedor de rebeldes, vejo as lâminas afiadas e pontudas prontas para triturar qualquer um que encontrar e me desespero por ver que estava muito perto de nós dois.

Somos os últimos a pular para frente caindo no chão e sinto que algo deu errado, olho para o lado e vejo Peeta com a testa encostada no piso repetindo que é um bestante enquanto o chamam para correr logo, fico incapaz de levantar por conta de ele estar apertando minha algema na tentativa de não surtar. Imagino que ele vá me bater de novo se eu tentar acalmá-lo e, por sorte, Katniss é capaz de fazer isso em meu lugar. Ele me levanta depressa, mas minha perna esquerda lateja e caio novamente batendo a mão no chão.

—– Não consigo andar, Peeta —– anuncio segurando em sua mão, apavorada com a possibilidade de mais Pacificadores e bestantes estarem por perto. —– Minha perna... não consigo andar... está doendo muito...

Me colocando em seus braços como se eu fosse uma pena, Peeta pede para que eu segure forte em seu pescoço para poder andar mais rápido —– uma vez Katniss nos contou sobre como ele era forte por carregar sacos de farinha na antiga padaria dos pais, alguns de 40 quilos e eu, pesando entre 34 e 36, possivelmente era como se Peeta nem sentisse que estava carregando alguém. E fico ali, sentindo sua respiração ofegante entre o meu cabelo e minha roupa, rezando para que ele não surte e me jogue no chão, ao mesmo tempo que começando a chorar por conta da dor.

Agora com um ouvido tapado, só consigo ouvir Cressida nos guiando debaixo do céu escuro da noite até um pequeno ateliê caindo aos pedaços. Ergo a cabeça e percebo em uma placa que passa várias imagens nossas escrito PROCURADO embaixo e vejo a de Finnick, o que faz meu coração se apertar e coloco mais força com os braços no pescoço de Peeta que deve ter entendido o motivo disso, pois apoia sua cabeça na minha.

Não consigo identificar a voz direito de quem nos abre a porta, mas ao adentrarmos tudo o que consigo ouvir é seu ronronar por poder ajudar mais uma vez. Eu viro o rosto, incrédula, não acreditando que a reencontrei enquanto ela me observa com seus olhos amarelos.

A pessoa que nos dá abrigo é Tigris.

(...)

A roupa sendo rasgada, as botas jogadas fora, a peruca arremessada para os tiros. Tudo isso me faz ficar com vergonha de encará-la conforme me ajuda a descer para o porão, mas sei que ela se lembra de mim e de Peeta já que agora estamos mais limpos e apresentáveis do que quando nos encontrou na Capital. E eu me sinto uma Avox nesse meio tempo, sendo carregada e apoiada pelos outros, começando a perceber que o quê aconteceu instantes atrás foi real.

Enquanto estávamos descendo devagar a escada, degrau por degrau, vejo Katniss na minha frente e a raiva toma conta de mim. A empurro forte nas costas, mas Gale é mais rápido e consegue pegá-la antes que ao menos possa se desequilibrar. Me olham não entendendo minha ação; nesse momento Peeta está recobrando a consciência e voltando ao normal, sendo que por outro lado eu estou tendo o mesmo comportamento que ele quando chegou ao 13.

—– Pare, Krystal! —– exclama Gale quando a empurro mais uma vez, com mais força.

—– Você é a culpada por tudo isso! Estamos no meio de uma guerra por sua causa! —– grito a segurando pela roupa, a espera de uma reação. —– Todos morreram por conta dessa maldita revolução que criou! E já que parece ajudar os oprimidos, então me diga: como eu vou conseguir olhar para o rosto de Annie? —– Minha voz irritada diminui, se transformando em choro. —– Me explique como eu vou ser capaz de olhar para ela e dizer que vi o seu marido morrer, por causa de uma garota que não mexeu sequer um dedo para tentar salvá-lo?!

Nenhuma resposta, como sempre. Continuo chorando apesar de seu silêncio, olhando para seus olhos cinzentos que indicam que nem ela mesma sabe como fez toda essa bagunça. Me arrependo dois segundos depois de ter explodido ao perceber que a julguei mal, uma vez que Katniss precisa viver com a culpa de que milhares de pessoas morreram por sua causa sendo que não parecia ter vontade de começar uma guerra por causa daquelas amoras. Sequer consigo pensar em como deve ser horrível saber de mais e mais pessoas morrendo, ela se esforçando ao máximo para fazer tudo acabar, e as coisas só irem de mal à pior. E sinto a culpa me dominar, mas não quero me desculpar.

—– Parem com isso, vocês duas —– diz Cressida ao nos separar e me apoiando com um braço. —– Fomos os únicos a escapar, não é recomendável que fiquemos brigando entre nós. —– Ela olha para mim, com a expressão mais séria que já vi. —– Você não é a única que perdeu alguém hoje, Krystal. Se lembre de quando eu disse que todos nós estamos enfrentando uma luta diária.

Afirmo com a cabeça envergonhada, reparando no choro de Pollux por perto. Com o corpo curvado para frente e as mãos tapando os olhos, só sou capaz de ver as lágrimas pingando no chão conforme os soluços aumentam. Eu manco sozinha até onde ele está e o abraço, sabendo que vi seu irmão, a única pessoa importante para ele, morrer diante de meus olhos sem conseguir ajudar. Quando ele se afasta um pouco, vejo suas mãos formando um "Obrigado" e eu tento responder corretamente com um "Agradecimento por causa do sol", o que faz Pollux sorrir fraco apesar de seu rosto molhado.

Encosto na parede tomando a água que me entregam, só então me deparando com a fraqueza que me encontro. Gale se aproxima para ver a minha perna, é inevitável não tentar puxá-la no momento em que a pega para analisar melhor e seguro as lágrimas por causa da dor.

—– Está quebrada, em três partes —– anuncia ele se soltando de mim e olha para os outros em pé. —– Ela não vai conseguir andar desse jeito.

Me sinto uma inútil. Logo quando tenho a decisão de fazer algo, consigo quebrar a perna. Abaixo a cabeça para não deixar que vejam o que está estampado em meu rosto.

—– Bem, Gale... você e Katniss vão para a mansão assim como Peeta —– fala Cressida enquanto coloca o Holo em cima da mesa e analisa o mapa projetado. —–, então acho que levaremos Krystal de volta conosco para o 13.

—– Não, eu também quero ajudar —– digo com a voz alta para que reparem que ainda estou ali. —– Peeta não pode ir, pelo menos não sozinho. E se algo acontecer com ele?

—– Sua perna está quebrada, você nem consegue firmá-la no chão —– retruca Gale ao meu lado, e eu o olho irritada. —– É mais fácil que aconteça algo com você se for junto do que com Peeta, estando desse jeito.

E eu me dou por vencida, pois não havia outra opção além dessa. No outro dia bem cedo eu estaria voltando para o 13, dentro de um aerodeslizador, em segurança e com vida.

Decidimos dormir por conta do que ocorreu, mas é um pouco óbvio que ninguém consegue sequer pregar os olhos. Fico encarando a parede enquanto os berros de Finnick ecoam dentro da minha cabeça e, sem perceber, encolho a perna machucada fazendo com que eu solte um gemido de dor.

Com minha mão fria por conta da água, a enfio no bolso pegando o aparelho estragado de Ethan. Quase sinto vontade de chorar por ter deixado isso acontecer, mas ao menos poderei pedir desculpas pessoalmente para ele. E a ansiedade aumenta conforme a certeza de que voltarei ao subsolo aumenta, me fazendo pensar o que devo dizer, fazer, argumentar ou perguntar no momento em que nos reencontraremos.

De catorze, apenas seis conseguiram escapar da morte em menos de 48 horas. Fico repetindo essa contagem várias vezes e a pergunta vem na minha cabeça no mesmo instante: por que eu sobrevivi? Por que eu fiz esforço para que isso acontecesse? Penso que, no momento de pânico e adrenalina, agi por impulso, que não pensei em nada assim como na minha primeira arena.

Mas não é só isso. A resposta está na ponta da língua, o motivo está perto do meu coração, a razão está em minha mão apertando o aparelho cada vez mais forte. E é Ethan Lancaster, o garoto da promessa de que a vida ainda pode ser boa e feliz.


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