Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 22
A soldado suicida




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Porque eu amo você. A frase não sai da minha cabeça assim que, às 05:00 da manhã, todos estamos marchando para fora da casa. Embora eu tente ouvir a voz de Ethan me dizendo aquilo, sou incapaz de fazer tal coisa, uma vez que sei da possibilidade de ele ter escrito achando que eu não fosse descobrir. Passa a ideia de que ele sabia que me mandariam para o esquadrão, pois convivia mais junto da presidente Coin e por trabalhar com Beetee estava por dentro do que acontecia, e por essa razão decidiu dizer que me amava pois sabia que eu não iria voltar.

 Preciso esquecer tudo sobre ele, ordeno a mim mesma agarrando com força a metralhadora, não posso deixar que essas coisas me distraiam.

—– Soldado Lewis, venha cá um instante —– chama Jackson e tiro minha mão da algema, a acompanhando em silêncio.

—– Bom dia —– desejo automaticamente, mas pela cara dela sei que foi algo muito ridículo e que deveria ter ficado de boca fechada. —– Então, o que foi? Fiz algo errado?

—– Não exatamente —– responde ela e acho que era melhor ter jogado mais uma vez a culpa de Mitchell ter morrido ser minha. —– Acho que não sabe, mas todos temos uma pílula de veneno, como esta. —– Ela a ergue entre os dedos, a cor é semelhante com os remédios que costumava tomar. —– Servem para o caso de sermos capturados pela Capital. Se isso chegar a acontecer, é seu dever como soldado de tomá-la para que não a torturem mais por informações do 13 e de qualquer coisa que ocorreu até agora.

A explicação do por quê da pílula foi criada era simples: por causa do Tordo e da revolução. Então cada um tinha algo desses guardadas dentro da roupa, com a coragem imensa de as engolir e tirar a própria vida por causa de alguém que só parece fazer mais bagunça ao invés de arrumá-la. Balanço a cabeça devagar negando conforme esses pensamentos tomam conta de mim.

—– Pensamos que precisa ter uma também —– continua ela e olho para seu rosto. —– Não demos para Peeta porque a situação dele está precária, mas ao menos você vai ter de carregar uma pílula.

Jackson está para me entregar uma na mão, eu até mesmo já me convenci de que se caso for necessário não a usarei por causa de Katniss e sim por mim mesma mesma e a vontade de acabar com o sofrimento carregado durante tantos anos, mas Finnick aparece de repente a tirando bruscamente e o olho indignada.

—– Não, Jackson, não pode dar isso a ela! —– vocifera ele e ela o olha sem entender. —– Krystal já tentou tirar a própria vida duas vezes, até ficou com os pulsos amarrados por uns dias, e dar tal coisa é o mesmo que dizer para ela tentar mais uma vez!

Que droga, Finnick, penso irritada com as sobrancelhas juntas, será que ao menos dá para me deixar morrer em paz?

Vejo que a expressão no rosto de Jackson muda, ela percebe nas minhas munhequeiras apesar da roupa que cobre o meu corpo, e a pílula volta para o bolso dela novamente. Suspiro frustada, parte de mim a desejava de verdade, mas outra parte agradece a Finnick por não me deixar fazer as coisas sem antes pensar direito.

—– Ei, espere, quero falar um pouco com você —– diz ele puxando meu braço de leve quando minhas pernas ameaçam sair dali. Eu apenas o encaro da mesma forma. —– Sabe, estive pensando em tudo e... se algo me acontecer...

—– Não venha com esse papo fúnebre logo cedo —– o interompo e a indiferença em minha voz acaba saindo mais forte do que eu pretendia. —– Não quero nem ouvir o que quer me dizer, Finnick.

—– Espere, por favor... —– pede ele me segurando um pouco forte pelos ombros, impossibilitando que eu possa me mover. —– Se algo me acontecer e eu, bem... se eu não conseguir sobreviver... me prometa que vai cuidar de Annie por mim.

Eu o olho mais irritada ainda. Já estamos todos caminhando como se a qualquer passo em falso resultasse em nossa morte, como se a cada vez que respiramos fosse a última e precisa me lembrar que existe a chance de que a morte lhe encontre hoje. E a irritação passa para tristeza, sucedendo a um aperto no coração incomparável.

—– Você pode fazer isso por mim, Krystal? —– insiste Finnick, olhando em meus olhos. —– Sei que não são muito chegadas, mas tenho certeza de que se tornarão grandes amigas se passarem mais tempo juntas.

—– Não fale essas coisas como se estivesse se despedindo de mim... —– peço com a voz um pouco embargada e trêmula. —– Você diz ainda ser meu mentor e, que eu saiba, um mentor tem o dever de conseguir fazer seu tributo sobreviver. Não me faça fazer o seu papel. —– Seguro em seu braço percebendo que seu sorriso encantador está quase se desmanchando em lágrimas. —– Vamos voltar juntos, Finnick. Você sabe que Annie precisa de você mais do que qualquer pessoa.

Ao invés de alguma resposta, ele me abraça forte e transmite o que todas as palavras do mundo não tem o mesmo efeito. Quase começo a chorar junto, mas Jackson nos grita dizendo que precisamos voltar a andar. E nunca vi um sorriso tão triste como o que Finnick me deu conforme me soltou, sussurrando um "cuide bem da Annie".

Voltando para o lado de Peeta, sigo o caminho quieta e calada, o que faz com que algumas vezes fiquem me observando para ter certeza de que continuo viva ou que não decidi fugir correndo sem que percebessem. E ele fica brincando de real ou não real, perguntando para Pollux se ele era um Avox —– e sinto um arrepio correr sobre mim —–, ele confirma com a cabeça e Peeta começa a contar sobre o casal de Avoxs, cujos nomes eram Darius e Lavínia. Quase peço para parar na metade, porque me dói relembrar daqueles acontecimentos e sei que os carregarei pro resto da vida em minha mente, mas depois de um tempo a história termina e todos do esquadrão nos olham espantados, acho que pensando como conseguimos passar por isso e não termos enlouquecido de vez.

—– Sua cabeça tem melhorado mais agora que saiu do quarto do hospital? —– pergunto a ele conforme andamos.

—– Um pouco, mas tudo ainda parece muito confuso e difícil de entender —– responde Peeta de forma calma.

—– Você se lembra de algo sobre mim? —– questiono olhando para seu rosto, os olhos apertados por causa da claridade. —– Quero dizer, algo além do que nos aconteceu.

—– Me lembro de sua risada o tempo todo, no Centro de Treinamento derrubando as coisas sem querer, no dia do desfile quando o cavalo quase te machucou e de quando estávamos na arena —– conta Peeta conforme acabo rindo de nem me recordar de nada disso mais. —– Sim, desse jeito! Como você está bem agora. Eu me lembro de você assim.

É como se eu estivesse enxergando o velho Peeta mais uma vez e minha risada se mistura junto com o meu choro, o que tento não deixar ele perceber. Acho que, apesar de tudo, não sou eu quem está o fazendo voltar ao normal e ir melhorando, ainda que ninguém tenha esquecido do dia anterior. Dá para ver a forma que ele fala com Katniss, a maneira que tenta se controlar perto dela, o jeito que deseja lembrar de seus pequenos detalhes. E o sentimento de estar aqui, ocupando um vazio com nenhum objetivo certo, é difícil de ser ignorado.

Sequer posso tentar adivinhar quantas horas são, mas não paramos nem mesmo para tomar um pouco de água. Minhas pernas começam a arder e preciso me esforçar para continuar, não deixando a arma cair do meu ombro ou o meu cabelo muito exposto perto de Peeta. As casas abandonadas dão um ar assombroso que me faz ficar com mais medo, nem mesmo os casulos parecem mais aterrorizantes do que a possibilidade de Pacificadores correndo atrás de nós atirando em nossa direção e não tendo nenhum lugar onde se esconder.

Para me distrair, a única opção que tenho é pensar em alguém que imagino estar desolado no 13: Ethan. Fico imaginando como foi sua reação ao perceber que eu não estava mais naquele quarto, que eu havia sido mandada para a guerra, que a qualquer momento meu corpo chegaria destruído. E também imagino como deve estar sendo para ele passar esse tempo torturante longe de mim; apesar de não querer admitir isso nunca, ficar longe dele está sendo uma das coisas mais difíceis até agora. Porque seu cabelo escuro representa o céu nublado que tanto me provoca medo, mais conhecidos como meus traumas, e seus olhos azuis claros representam o céu que aparece depois da tempestade, mais conhecidos como seus abraços e carinhos.

Eu fiz questão de guardar o papel junto comigo no bolso perto do meu coração, para lê-lo quando parecer muito difícil de progredir, para saber que ao menos tive uma última recordação dele perto de mim. Estive tanto tempo perto e longe de Ethan que não fui capaz de perceber isso, além de que arriscar minha vida na arena também custou anos que jamais voltarão.

Mas ainda com a incerteza de retornar com vida me dominando, sei que a primeira coisa que quero se conseguir voltar é que ele me diga o que está escrito no papel... porque só assim acreditarei, porque só assim serei capaz de dizer o mesmo.

(...)

O céu começa a escurecer quando Katniss de repente para com o Holo, o que nos faz congelar no mesmo segundo com a possibilidade de ter encontrado um casulo, mas percebo em seu rosto a confusão, a dúvida. E fica mais do que óbvio que não sabe para onde nós devemos ir, qual o próximo passo devemos dar.

Sinto vontade de ter voltado no dia anterior, quando ela disse que, se alguém tivesse algum motivo ou alguém os esperando, aquela era a hora para voltar atrás.

—– Não podemos ficar aqui em cima —– diz ela ainda encarando o Holo e o vira, mostrando os casulos infinitos.

—– Não há mais lugar para andarmos —– comenta Cressida apreensiva analisando o Holo. —– Vamos ter de continuar pelas ruas, Katniss.

—– Tem um casulo a cada três passos que damos, veja —– retruca Katniss mostrando mais de perto. —– Precisamos sair daqui ou ninguém vai conseguir sobreviver.

—– Na verdade, tem um lugar sim —– intervém Castor sorrindo de lado.

E caminhamos mais ainda, tendo de tentar ao máximo não sermos vistos pelos trens que passam quase sem parar, de cabeças baixas por conta das possíveis câmeras que deve haver aqui. Eu me escondo atrás de Peeta por ele ser mais alto quando passamos correndo até um grande corredor, onde Pollux e Castor se encontram parados. Só então percebo que são irmãos, quando vejo que ele o chama assim conforme Pollux derrama lágrimas como se não quisesse ter de entrar naquele lugar.

Abrindo uma porta já dá para se imaginar o por quê de seu medo, afinal estamos entrando no subsolo. Peço que todos desçam conforme fico observando aos arredores e na minha vez, para a minha surpresa, Peeta me coloca nas costas com apenas um braço e tenho de me esforçar para não me desesperar por causa da altura que me dava uma certa agonia. Sequer imagino a cara de Katniss deve ter feito ao ver isso, mas tenho certeza de que não deve ter sido a das melhores.

—– Meu irmão trabalhou aqui embaixo depois de ele vir a ser um Avox —– explica Castor conforme o vê dando alguns passos para frente. —– Levou cinco anos antes de nós sermos capazes de comprar seu caminho para o nível do chão. Não viu o sol uma vez.

Os pontos ligam e tudo faz sentido. Esse é o motivo de sua alegria quando me foi visitar, o motivo de querer tanto que eu saísse depressa para a floresta e o motivo de repetir em libras a palavra "sol" sem parar. Pollux queria que eu pudesse vê-lo, porque ele mesmo não teve a oportunidade de ter essa dádiva. Os meus olhos chegam a lacrimejar e tento disfarçar minha careta de choro, mas é quase inevitável.

Pego a metralhadora do ombro e ligo a lanterna que tem na ponta dela, percebendo que a água acumulada e o escuro me faziam começar a ter um certo pânico. Meu braço começa a tremer e respiro ofegante, então Peeta me ajuda a segurar a arma de forma correta e ilumina melhor o caminho. Os barulhos das gotas caindo dos canos me fazem virar a cada dois segundos, apavorada, mas nunca encontro nada além de Finnick reclamando para que eu pare de cegá-lo com aquela luz insuportável, e eu acabo rindo e dizendo que ele estava tão chato que precisava ter no mínimo mais umas seis luas de mel, o que faz sua risada ecoar.

Após passar por diversos lugares cheios de água suficiente para bater até o nosso pescoço e de me esforçar para não afogar por causa da minha baixa estatura, quase não sinto os pés quando nos sentamos pela primeira vez no dia.

—– Deixe-me ver seus pulsos —– ordena Jackson quando estou segurando a arma entre as pernas distraída, e quase entro em desespero. —– Estou mandando, deixe-me ver.

É óbvio que me sinto incomodada, já que é algo que sinto vergonha por ter de carregar comigo. Não há motivo para que ela queira isso, mas talvez ache que Finnick esteja mentindo pelo o quê disse mais cedo ou talvez queira ter certeza de que tem um soldado suicida.

—– Por que ela tem de fazer isso? —– pergunta Gale, o mesmo que não converso direito faz semanas. —– Temos coisas mais importantes do que os pulsos dela, não acha?

Embora sua voz estivesse calma, pude sentir a irritação de longe. Como no dia seguinte que me resgatou e me defendeu sem que eu soubesse. Penso que Jackson vai xingá-lo —– ou xingar a mim —–, mas apenas bufa também se sentando e desiste da ideia. Porém enquanto volto a mexer na metralhadora e esticar as pernas, eu a ouço dizer, graças ao aparelho que Ethan me deu, para Cressida "só quero entender por quê a presidente Coin nos mandou uma imprestável". E tento não chorar, olhando para vários cantos do lugar onde estamos, fingindo que estou apenas distraída pelos inúmeros canos.

Hoje é Katniss quem prefere ficar acordada e fecho meus olhos, sabendo que não conseguirei dormir de qualquer forma. Fico ouvindo ela e Peeta conversarem, algo sobre um ainda estar protegendo o outro e nesse instante Gale arruma o corpo do meu lado e em silêncio sinto muito por ele estar passando por toda essa desgraça emocional.

Pois assim como era óbvio o que Ethan sentia por mim, estava estampado no rosto dele o quanto a amava e não era correspondido, ainda que tivesse arriscado tanto a vida por causa dela.


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