Rebel Mermaid escrita por nekokill3r


Capítulo 20
O ódio de Coin




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Fico a noite inteira acordada. Não me arrumo, pelo contrário, coloco a camisola do hospital e me deito debaixo das cobertas novamente, me recusando a sair de lá. Quase não consigo respirar direito por conta do meu choro que não para por nada, me fazendo apertar o travesseiro, que permanece com o cheiro do cabelo de Ethan, no meu rosto com vontade de gritar.

 Me recordo da conversa que tive com Johanna a alguns dias atrás, onde falei que, mesmo se Coin me mandasse entrar em algum esquadrão, eu não iria obedecer. Será que era por isso que ela estava me mandando junto com Peeta? Ela realmente esperou até o momento da minha vida começar a se ajustar, para então me destruir dessa forma? Essa é a razão mais provável, considerando que no meu quarto ainda tem câmeras.

A porta se abre e escondo mais o rosto, não me importando em quem quer que seja —– além de Ethan, é claro.

—– Vai embora! —– exclamo com a voz abafada.

—– Vamos conversar, Krystal —– ouço Haymitch pedir. —– Vamos, sente logo.

Vendo que ele permaneceria ainda que eu quase o expulsasse, me ajeito na cama ainda com a coberta até o nariz e tenho dificuldade de enxergá-lo bem por causa das lágrimas.

—– Por que você está aqui? —– pergunto o vendo suspirar. —– Já soube da ótima notícia de para aonde vão me mandar?

—– Sim, eu soube, exatamente por esse motivo que vim falar com você —– responde ele se ajeitando no colchão. —– Você deve ter sido informada que foi uma ordem da presidente Coin, ela insistiu para que deixássemos você acompanhar Peeta. Pelo jeito, ela gosta muito dos dois.

—– Sim, estou vendo, tanto que está nos mandando para a morte de novo —– o interrompo aumentando o tom de voz irritada. —– Se era para nos salvar do inferno para nos mandar para lá novamente, era melhor se tivesse nos deixado terminar de morrer na Capital.

—– Você entendeu que é uma ordem? —– repete Haymitch e reviro os olhos. —– Não estamos perguntando se quer ir ou não, estamos ordenando que vá.

Recomeço a chorar ao ver a ignorância explícita em sua voz, e acho que ele percebe isso. Apoio os cotovelos nos joelhos segurando na cabeça, o sentimento de desesperança me invadindo da mesma forma que acordei na sela no primeiro dia.

—– Não quero ir, Haymitch... —– digo com a voz embargada, não me importando de derramar lágrimas na frente dele. —– Não quero enfrentar tudo aquilo de novo... dessa vez podem ter feito algo muito pior...

—– Mas não estamos em condições de escolher quem podemos mandar para a guerra e quem fica aqui atormentado pelo o que já aconteceu —– diz ele e o olho descrente, sabendo que não entende como me sinto.

—– Por que não mandam Johanna? Ela é quem gosta desse tipo de coisa —– sugiro esperando que mude ideia.

—– Você deve ter visto que ela falhou duas vezes nos treinamentos, agora sequer sabemos quando vai se recuperar por causa dos ataques de pânico —– explica Haymitch, de forma que acho que está fechando o círculo para que eu aceite de uma vez a ordem. —– Ela não está em condições nem de sair da cama, Krystal.

—– E eu estou? —– pergunto mostrando as munhequeiras. —– Além disso, não fiz parte dos treinos como Johanna fez.

—– Você aprendeu a usar armas com Boggs, isso é o suficiente —– interrompe ele impaciente e o olho sem reação, não acreditando que era para isso que tive de ter aquelas aulas.

Coloco o rosto nos braços os sentindo ficar molhados, se misturando com o aperto no coração. O que eu vou dizer para Ethan? Que vou ter de encarar a morte e dessa vez é quase certeza que não voltarei? Como vou ser capaz de fazer isso?

—– Você não quer fazer parte da revolução junto do Tordo? —– pergunta Haymitch me incentivando a encará-lo mais uma vez. Eu balanço a cabeça negando devagar. —– Pense no Peeta, então. Você não quer que ele fique lá sozinho, quer?

Peeta. É bem verdade que todos no tal esquadrão vão estar prontos para matá-lo se necessário for e mais evidente ainda que ninguém vai gostar de ter logo a companhia dele lá, e eu sou a única que acredita em sua recuperação e no dia em que vai voltar a ser o mesmo de sempre.

Haymitch sai depois de alguns minutos, mandando que eu ao menos lave o rosto, mas continuo no mesmo lugar. Uma enfermeira entra e coloca uma roupa preta sobre a minha cama, junto com uma bota da mesma cor e vejo que não tenho outra opção. Tomo um último banho e me visto, resolvo colocar a peruca e enquanto a ajeitava, não me importo com as lágrimas que escorrem.

Após me arrumar toda, ainda chorando e espero que Ethan entre pela porta a qualquer instante e me impeça de ir, mas ele não vem. Imagino que tenha ficado a madrugada toda trabalhando e agora está dormindo exausto, e tenho a conclusão de que Coin deve ter feito isso de propósito para que eu não possa me despedir dele.

Fico balançando uma perna e me relembrando dos poucos momentos felizes que consegui viver aqui junto com ele, coisas que certamente se passarão pela minha cabeça quando eu estiver morrendo —– porque seja lá o que me aguarde, sei que agora não voltarei com vida —–, e me sinto agradecida por ter tido esses pequenos prazeres. Dói de verdade, tanto que quase sinto que quero me partir ao meio do que ter de suportar isso, mas existe uma revolução acontecendo, uma guerra a ser vencida e um amigo a ser protegido. O que vivi com Ethan vai estar guardado comigo para o resto de minha vida, trancado em um lugar onde somente ele possa adentrar.

Sou encaminhada até um carro onde Peeta já se encontra sentado e me dão uma metralhadora, me mandam ficar ao lado dele. Como se não bastante o enorme perigo desse ato, também são obrigados a me algemar junto dele. Embora eu confiasse em Peeta cegamente, sei da desordem que se encontra dentro dele nesse momento e acabo deixando o medo transbordar de meus olhos. Ele está quieto, não parece tão perturbado, mas não consigo deixar de me preocupar mesmo assim. Estava pensando em começar a conversar com ele quando sinto o carro se movimentar, nos levando de encontro a aqueles que sei que vão nos receber de cara feia e deixar claro que não nos quer por perto.

Enquanto Peeta passa os dedos uns nos outros olhando para baixo, observo que na porta tem um vidro escuro, assim como o do quarto que arrebentei na noite das bombas, e fico parada encarando aquilo sem nenhuma imagem do lado de fora, com as últimas palavras de amor para Ethan ainda presas na ponta da língua.

(...)

No meio do caminho, decido fazer algo que não me recomendaram, mas acho que pode ajudar um pouco mais. Cutuco Peeta da forma mais gentil possível para ele não se irritar, e seu rosto se vira devagar para mim com nenhuma expressão que eu possa identificar.

—– Antes de chegarmos, pode repetir algumas coisas comigo? —– pergunto e ele afirma com a cabeça. —– Meu nome é Peeta Mellark, minha casa é o Distrito 12.

—– Meu nome é... Peeta Mellark —– diz ele pausadamente, mas não perco a paciência por isso e o incentivo a continuar falando. —– Minha casa é... o Distrito 12.

—– Eu não sou um bestante da Capital, assim como Katniss também não é —– continuo o vendo mudar um pouco a reação por falar o nome dela.

—– Eu não sou um bestante... da Capital... —– sussurra ele, percebo a dificuldade que tem para acompanhar o que digo. —– Assim como... Katniss... também não é.

Sorrio satisfeita por ele conseguir repetir tudo e quase bato palmas, o que não é permitido por causa da algema presa com a dele. Fazer isso é como ironicamente dizer que Peeta vai me matar no primeiro surto e também pega bem em cima do meu pulso, o que faz com que eu sem querer acabe fazendo uma careta de dor.

—– Não deviam estar fazendo isso —– diz ele e o olho de relance. —– Ainda não sei como me controlar, eu posso machucar você.

—– Se lembra de quando fui te visitar da última vez? —– pergunto e ele afirma com a cabeça. —– Eu disse que acreditava em você, e continuo acreditando que não vai me fazer nenhum mal.

O menor dos sorrisos aparece em seu rosto e percebo nas lágrimas, que tremem quando o carro para de repente nos jogando para frente. Preciso segurar a arma com força com apenas uma mão, porque sei que está carregada. A porta se abre e só me levanto quando Peeta o faz, por pura insegurança de puxá-lo e ele não gostar.

Quando pisamos no chão, sinto minhas pernas tremendo um pouco por não saber o que encontraria e a maneira que nos receberam é quase plausível, enquanto uma mulher mira a arma em nós e Katniss já está com a flecha pronta para ser lançada. Não é preciso palavra alguma para que eu tenha certeza de que nossa presença é indesejada.

—– Meu nome é Peeta Mellark... —– o ouço murmurando conforme caminhamos devagar. —– Minha casa... minha casa...

—– É o Distrito 12 —– completo a frase, o incentivando a não parar. —– Eu não sou um bestante da Capital.

—– Eu não sou um... bestante da Capital... —– diz ele e parece se esquecer do resto.

—– Assim como Katniss também não é —– continuo temendo quando sua mão gélida segura na minha com um certo desespero.

—– Assim como Katniss também... não é... —– termina Peeta olhando para a dona do nome, como se estivesse envergonhado pelo estado que se encontrava.

Quero voltar. Esse é o primeiro pensamento que tenho ao perceber que estamos perto da Capital, vejo os prédios tão perto que quase consigo contar quantos andares eles têm. Eu retribuo o aperto de Peeta conforme continuo a olhar para trás, ainda espantada e assustada demais para pensar nos olhares desconfiados que permanecem em cima de nós dois.

—– O que estão fazendo aqui? —– pergunta Boggs que convence a mulher e Katniss a abaixar suas armas. —– Por que estão algemados juntos?

—– Ordens da presidente Coin —– ouço o homem que nos trouxe responder. —– Insistiu para que a menina viesse, garantiu que só ela sabe fazer o menino ficar calmo.

Eles me olham espantados, principalmente Katniss —– no caso, acho que ela ficou com ciúmes. Fico sem reação e olho para o chão, meio envergonhada por sentir que meu lugar não era ali. Pelo menos estou debaixo de um céu de verdade que está com um sol me queimando dentro da roupa, a única coisa que faz eu sentir que valeu a pena ter saído do quarto do hospital.

Fomos mandados a entrar no espaço que estavam os outros e são poucas as pessoas que desconheço, logo avistando a equipe de filmagem que fico aliviada por saber que está conosco, Finnick que se encontra mais inteiro do que eu pudesse pensar e também Gale, o eterno guarda-costas de Katniss. Me passam instruções sobre como vamos até a Capital, falam sobre os casulos e me deixam ciente de que posso explodir se pisar em falso. Tento convencê-los a me soltar de Peeta porque assim vai ser mais fácil para caminhar tanto para mim quanto para ele, mas como foi Coin quem deu ordem para ser assim ninguém decide se intrometer. Por estar presa junto com ele surge a possibilidade de matar nós dois juntos, o que me deixa muito espantada, porém confirmo dizendo que se fosse necessário era o melhor.

Ainda estou de pé encostada em uma pequena mesa, a metralhadora no braço da melhor forma que consigo carregar sem que acabe escorregando de mim, quando soltam a algema e me falam para ir até onde Cressida está. Minha alegria é imediata, quase não consigo esconder o sorriso por saber que eles concordaram com a minha ideia, mas a felicidade se esvai em segundos ao perceber que tudo o que faço é ter de tirar a minha peruca e fazer uma trança no meu cabelo natural. Depois de já pronta, novamente sou algemada junto com Peeta que me olha meio desesperado e sei bem o por quê, só que preciso me concentrar em não deixar que ele surte por conta do penteado que foi feito em mim. E ao questionar, sem conseguir evitar, a razão daquilo, a resposta vem como se todos fossem um robô. "Ordens da presidente Coin".

Os vejo se afastar e indo conversar somente entre eles, deixando nós dois de fora. É compreensível, afinal o que eu esperava? Que nos recebessem de braços abertos e enormes sorrisos? Mas tento não me importar, apenas suspirando enquanto tento achar um lugar para descansar as pernas.

Quando me sento no chão com Peeta, começo a ligar os pontos e aos poucos percebo o que está acontecendo de verdade. Primeiro a ordem de me algemar junto de Peeta, tendo plena consciência de que ele ainda estava fraco e confuso e poderia com muita facilidade arrebentar minha cabeça com a metralhadora que fui obrigada a trazer comigo. Depois a peruca me foi tirada e fizeram uma trança igual a de Katniss no meu cabelo natural, exatamente o que me denunciou na areia e fez com que pensassem que eu era ela, também sabendo que Peeta teve as memórias alteradas sobre ela.

Será mesmo que eu era a única que via o que a presidente Coin estava tentando fazer? Será mesmo que não era óbvio o que ela pretendia provocar com isso? Ela pode sentir qualquer coisa por mim, menos algum tipo de afeto. E a maior prova era que não me mandou para esse lugar porque a revolução estaria incompleta sem mim ou que eu apenas tinha a missão de acalmar Peeta, mas sim para levar de volta meu corpo sem vida para casa dentro de um caixão.


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