F de Forca escrita por Lucas Piascentini


Capítulo 1
Prefácio




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2066

         Já estava escuro, as nuvens devagar pairavam pelo céu. Uma brisa suave dançava sobre os corpos daqueles que passeavam pela cidade, apunhalava alguns pelas costas que só conseguiam pensar em como apenas uma brisa poderia trazer lembranças tão vazias e frias. A lua estava em plenitude, amarelada, e como quisesse se encontrar com os humanos, brilhava de forma que talvez, há alguns séculos, quando não havia ainda eletricidade, bastasse; sem necessidade alguma de fogo.

            Fogo. A fumaça aparecia no norte da Califórnia e todos os jornais noticiavam. Milhares já haviam deixado suas casas. Filas e filas de carros em estradas sem fins. Mas o mundo era perigoso. A humanidade sedenta por sangue. Aqueles que vieram sem nada, vão embora sem nada, certo?

            O cheiro forte de cigarro pairava sobre o ar, a balada estava fechada, com exceção daquela única noite. Felipe Bozona estava dançando com algumas garotas ainda do ensino médio, apesar de já estar em seus vinte e seis anos, jamais deixara esse seu vício por garotas mais novas. Passava a mão descaradamente na bunda da loura, mas não deixava a ruiva passar despercebida, mandava seu beijo longo que a fazia estremecer inteira. Alguns imaginam que seria um desperdício, um homem tão lindo e forte como Felipe ter nascido daquele jeito. Um famoso babaca. Do tipo que toda mulher se apaixona e até alguns caras.

            Vamos para minha casa...

            Ela só tinha ouvido para ele, Felipe sabia o efeito que tinha sobre a filha do prefeito e era ali que ele sempre quis se meter: diretamente dentro dela, onde habitava uma criança que um dia não teria pai. Devagar as mãos dele dançavam por dentro de sua saia, os calafrios apareciam por diversas partes do corpo dela, os pelos saltitavam, os lábios dele desciam pelo seu pescoço, o sutiã era desabotoado e ali estava ela. Olhando para os olhos verdes de Felipe, como se estivesse sobre algum efeito agonizante de alguma droga forte. Felipe tinha controle sobre ela e por isso, fora fácil leva-la para sua casa. 

            Música alta, ela o queria mais que tudo. Tocava-o enquanto ele sorria para ela, que retribuía com beijos distantes e às vezes perto. Alcoolizado, o carro já passava de seus 80km por hora e aumentava gradativamente. Ele era apaixonado por ela, mas jamais admitiria. Não haveria oportunidades. Os toques suaves pediam Felipe e um beijo não mataria ninguém. 160km por hora.

            Tudo para. Rodopio. Invasão da pista contrária. Frações de segundos são o suficiente para ditar o destino de tantas pessoas. Milagres acontecem, não todos os dias. Tragédias, essas não têm vez e nem fins. Nunca achamos que um dia poderia ser com a gente, nunca acreditamos que algo possa acontecer conosco ou com aqueles que amamos. Até acontecer e entendermos que a morte não poupa, não desenha, que não é uma faceta invisível em nossa vida. E essa imagem passa a te assombrar pelo resto de sua vida, transformando você em mais um espectador e esquecendo de que um dia fora o protagonista de sua própria vida. A morte mascara as demais dores, mas volta, suplicando para jamais ir e pensando em somente ficar. Entendendo ou não, ela faz parte e cabe a nós entender que é possível viver até mesmo no escuro e frio de sua existência. Coexistimos e a morte protagoniza.

            Felipe não acreditaria se um dia a filha do prefeito dissesse a ele que um rapaz como ele, que sabia dirigir tão bem, formado em rachas, um dia teria morrido em um acidente de carro e ainda, poupado uma moça grávida de três meses.

            Naquela noite não só tragédias aconteceram, aqueles milagres improváveis também. A filha do prefeito sobreviveu, com quase nenhum arranhão, e o bebê dentro dela também. Um dia o bebê carregaria o sobrenome de Felipe, o mesmo que após alguns dias seria esquecido dos telejornais. Tomando um pequeno espaço daquelas reportagens da Califórnia, o corpo de Felipe era anunciado como desaparecido. Acreditava-se que alguém havia retirado seu corpo dos destroços do carro, por conta das marcas de sangue que manchavam o asfalto da rodovia ou talvez ainda, numa hipótese um pouco mais inexplicada, Felipe tenha sobrevivido, e tenha tentado fugir porque sabia que o prefeito jamais suportaria um relacionamento entre um homem tão mais velho com sua filha de apenas dezesseis anos. O motivo ainda era incerto, mas muito discutido.

            Mais tarde, quando o caso foi analisado mais de perto por um detetive paraguaio, percebeu-se que por mais coesa que fossem diversas versões do caso (desde a venda de órgão até uma possível fuga de Felipe por estar sob efeito de drogas), era quase insolúvel sem encontrar o corpo desaparecido de Felipe.

Após algum tempo quase imperceptível para muitos, mas logo quando o caso já mergulhava para dentro de uma pasta a fim de ser enviado a um próximo detetive e a mídia já começava a esquecer sobre o sobrenome Bozano, o detetive deu sorte. Uma perna foi encontrada entre os destroços de um prédio abandonado e não muito longe dali, em uma local mais periférico da região metropolitana de São Paulo, ainda foi encontrado um braço, alguns metros mais longe: uma cabeça. Como em uma forca, as partes iam aparecendo um pouco depois da zona leste de São Paulo. E aquele rosto combinara com todas as descrições de Felipe.

            Incrivelmente, um caso que poderia ter sido apenas um acidente de trânsito, uma tragédia diária, se tornou uma investigação criminal tão asquerosa. O que era mais intrigante não era pensar em como poderia existir algum tipo de combinação entre um acidente de trânsito e um esquartejo, mas sim, pensar por qual motivo alguém iria querer uma pessoa já morta ou muita fraca para fazer algum tipo de crueldade. Haveria de ser alguém muito covarde ou alguém muito problemático.

No fechamento do caso de Felipe Bozona, foi notado algo de atípico pelos patologistas forenses: havia uma amputação mais atípica do que todas as outras partes do corpo de Bozona, retirada com muita cautela. Apesar de todas as partes dele terem sido encontradas, havia uma que ainda estava desaparecida: aquela que ele mais gostava de usar e que, provavelmente, a filha do prefeito também.


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Notas finais do capítulo

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