Continuei olhando para a menina, não sabia se tinha escutado direito ou se estava ficando maluca, mas a menina tinha acabado de me chamar de princesa. Provavelmente a segunda opção ganharia, eu estava ficando maluca. Ou talvez ela tenha me confundido com outra pessoa, isso!

— Me desculpe, mas acho que você se enganou. – falei.

— Isso seria impossível minha cara, eu nunca me engano. – ela deu um passo para frente – Seu nome é Alice Gray, mora com os guardiões Albuquerque desde que sua mãe faleceu de câncer há 10 anos. Teve e tem grande dificuldade para se acostumar com a nova vida desde a adoção. Tenta mostrar força e confiança, mas por dentro está morrendo de medo. – ela andava de um lado para o outro enquanto falava. – Alice minha cara, eu sei tudo sobre você, eu sei tudo sobre o seu passado e presente, o futuro ainda é cedo para comentar, até porque vai depender muito do dia de hoje, até lá, ele é incerto.

Pasma é a palavra que me define neste exato momento, não entendi como essa menina sabia tanta coisa a meu respeito, ninguém, nem mesmo a minha família adotiva sabia que minha mãe tinha morrido de câncer, ao menos eu não lhes contei. A menina ainda andava de um lado para o outro, mas sempre me encarava com um olhar sereno, porém o mesmo não me deixava mais calma. As pessoas que eu conhecia saberem sobre meu passado me incomodava, agora, as pessoas que eu nem conhecia saberem do meu passado, do presente e possivelmente do futuro e dos meus medos internos me apavorava.

— Como você sabe disso? Quem lhe contou isso?

— Ninguém precisou me contar nada princesa, eu apenas sei.

— Em primeiro lugar, meu nome é Alice, segundo que eu não sou princesa e terceiro, alguém deve ter lhe dado informações pessoais que não lhe dizem respeito.

— Princesa, sua vida pessoal pertence somente a você, mas as questões públicas, essas sim me dizem respeito.

— Questões públicas? Mas do que é que você está falando? Quem é VOCÊ? – suspirando exageradamente, ela fez novamente uma reverência, dessa vez mais profunda.

— Meu nome é Katharina Vaz, Conselheira real e Guardiã do Templo Sagrado do Reino de Montebello. – ohh, por essa eu não esperava. Katharina voltou a ficar parada – Mas pode me chamar de Kate, é mais fácil e rápido. Estou aqui em missão secreta de leva-la de volta para casa.

— Kate, eu acho muito legal que você seja a Guardiã de um reino desconhecido e que esteja querendo devolver a princesa perdida para a sua família, mas essa princesa não sou eu. Além dos Albuquerque, eu não tenho mais ninguém.

— Exatamente minha cara, esse sempre foi o plano principal.

— Co... Como assim, plano principal? – gaguejei.

— Antes de você nascer, sua vida já estava planejada, sua mãe biológica alguma vez comentou com você a questão de não ter parentes para cuidar de você? – assenti, esse era mais um assunto que somente eu e minha mãe sabíamos. – Não cabe a mim lhe contar essa história, mas o que eu posso lhe adiantar é que você e seu irmão estava correndo um grande perigo desde o dia em que seus pais revelaram que estavam esperando descendentes. – volta a fita, Irmão?

— Que história é essa de irmão? Eu não tenho irmão, exceto Jack. - Ao menos ela era, mas não é o momento para eu me explicar.

— Essa é outra questão do seu passado Alice, creio eu que você e seu irmão já foram apresentados, seu nome é Igor Wilson.

Meu mundo caiu de vez.

— Isso é impossível! – tomei um susto, olhei para onde tinha vindo o barulho, eu não tinha percebido a sua presença naquele estacionamento até agora. Igor Wilson estava para a 2 metros de onde eu estava conversando com Kate, ele estava escondido atrás de uma coluna. Aos poucos ele foi se revelando e chegando mais perto de nós, sem conseguir sustentar o seu olhar perdido, voltei a encarar Kate. Ela olhava para Igor com um brilho nos olhos e um sorriso largo no rosto, diferente do olhar sem emoção que ela lançou para mim quando ficamos cara a cara.

— Príncipe Igor, é uma grande honrar lhe conhecer pessoalmente. Devo admitir que vossa majestade herdou a beleza bruta de seu pai.

— Nunca mais me chame de príncipe ou majestade menina – falou Igor com brutalidade na voz, fazendo o sorriso dela desmanchar – Você não conheceu meu pai para estar falando dele, você não tem esse direito. – os olhos de Kate perderam totalmente o brilho e ficaram opacos, mas deu para perceber que a brutalidade de Igor fez com ela ficasse áspera.

— Peço desculpas meu caro Igor, mas você não faz e sua irmã não deveriam falar o que não sabem.

— E o que nós não sabemos “cara criança”? – perguntou Igor com ironia. – Eu não a conheço, nunca a vi, porque acha que eu deveria acreditar no que você está nos falando? Você não passa de uma criança que está inventando uma história sem sentindo para nos perturbar – os olhos de Kate, antes verdes, ficaram na cor vermelho sangue, ser chamada de criança realmente a irritou. Kate juntou as duas mãos na frente do corpo e as fechou com força, seu rosto estava virado em nossa direção, mas o seu olhar não estava focado em nós. Uma bola de fogo começou a crescer no meio de suas mãos. Igor em forma de defesa, virou de costas para Kate e me abraçou com força, fazendo meu corpo ficar protegido pelo seu. Um calor desconhecido começou a ser sentido naquele estacionamento, olhei diretamente para os olhos de Igor, só então percebi que ele estava olhando para mim o tempo todo. – Não vou deixar que ela te machuque está bem? – falou.

— Mas e quanto a você?

— Não se preocupe comigo, já passei por situações piores, e sobrevive.

— O que pode ser pior do que ver uma criança criar uma bola de fogo no meio das mãos?

— Eu não faço a mínima ideia. – sorrimos.

O calor, assim como veio, se foi. Igor desviou o olhar do meu e voltou sua atenção para onde Kate estava, eu não conseguia olhar ao redor graças ao abraço de Igor. Aos poucos ele foi afrouxando o abraço, mas sempre me mantendo perto e atrás dele. Olhei na direção de Kate, a bola de fogo já não estava mais em suas mãos, mas os olhos estavam em um vermelho tão vivo, que parecia lava derretida.  

— Nunca mas me chame de criança novamente entenderam? – a voz de Kate, antes encantadora e melodiosa, estava áspera e grossa. Igor e eu não conseguimos fazer nada além de assentir. Aos poucos a cor de seus olhos foram voltando ao verde natural, mas a sua expressão estava angustiada. Igor entrelaçou nossas mãos, e o olhar de Kate acompanhou o movimento. – Eu peço desculpas pelo que acabou de acontecer aqui, geralmente eu não perco a calma tão facilmente, mas ser chamada de criança não é algo que uma guardiã goste.

— Mas é o que você o que você é, não é? Ao menos é o que aparenta ser. – me pronunciei, Igor rapidamente colocou uma das mãos em minha boca. A expressão de Kate novamente estava se alterando. Percebi que tinha cutucado a onça com vara curta.

— Minha cara princesa Alice, não deixe que a aparência se faça superior a realidade. Nem tudo é o que aparenta ser. – balançando a mão com desdém, Kate voltou a andar de um lado para o outro.

Eu não fazia a menor ideia do que estava acontecendo aqui, primeiro eu descubro que a minha família adotiva escondia algo de muito valioso do meu passado, depois aparece uma menina/mulher do nada e me fala que é Conselheira/Guardiã de algum templo sagrado de um reino desconhecido para mim e para piorar, o único homem por quem eu consegui disfrutar sentimentos bons é meu irmão.

Minha vida é mesmo uma merda!