Espíritos de Call'aha escrita por Valvidal


Capítulo 1
Prólogo: O Contrato


Notas iniciais do capítulo

Oiii, gente. Avisando que esse prólogo começa confuso de propósito, pra você ir entendendo no decorrer da trama. Boa leitura.



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O Contrato

Call’aha não existia mais. Em vez dele, um ser instável e desconexo, murmurando delírios para si mesmo, bem à minha frente. Tentei acalmá-lo. Aproximei-me e chamei seu nome. No entanto, mal me reconheceu. Lá em baixo, vidas eram drenadas enquanto os sobreviventes contorciam-se em desespero. Percebi, num estalo: o único jeito de salvar a criação seria matá-lo. Fiz a decisão mais difícil de toda a minha existência milenar ao pôr na balança a vida de milhares de pessoas contra a de um ser só. Não foi difícil descobrir o resultado, o difícil foi aceitá-lo.

Ergui minhas mãos trêmulas em direção a Ele e profetizei minha ordem. O que vi em seguida foram rachaduras crescendo de dentro de uma imagem divina, alastrando-se às bordas e estilhaçando sua pele, como um vidro frágil. Poeira cósmica espalhou-se pelo ar. Quando ela se dissipou, um vazio restou em meu coração. Olhei para nosso mundo, desamparado, mas recuperando-se. Minha miséria era tamanha, no entanto não havia tempo para chorar. Não importa o quão repleta de grandeza uma vida foi. No momento de sua morte, todo tudo reduz-se ao nada. Se o que restou Dele jaz na mortalidade, protegê-la-ei a todo custo.

Darei às quatro raças uma virtude para acompanhá-las durante sua caminhada, para que nunca terminem como Ele. Aos abissais, seres escamados adaptados aos lugares úmidos, a empatia. Aos elfos, que vivem na floresta, o espírito. Aos humanos, situados no deserto, o intelecto. Para os híbridos, localizados nas montanhas árticas, a força. Darei tudo que faltou a Ele, a fim de minha redenção. Embora, com tristeza, sei: este pecado nunca desistirá de me assombrar. Portanto, aceitarei tal cruz e a carregarei eternamente.

Os Allaire foram uma das famílias mais nobres do continente do Sol. Seus componentes, todos vestidos com as mais belas peças, feitas com os mais caros tecidos, viam a fartura e o luxo como algo tão natural quanto o mar que quebrava a metros abaixo de sua casa. Esta, uma deslumbrante mansão, ornada com oceanita e ouro desde suas cumeeiras até as colunas jônicas. Cúpulas brilhantes e torres exuberantes admiravam os arquitetos do reino, e o número centenário de cômodos tornava aquela construção um enorme palácio de pura riqueza.

Qualquer um que visse aquele lugar, naquela exata hora, pensaria nele como um pedaço do paraíso. No entanto, alguns poucos sabiam que fazia-se o inferno em terra. Um deles era Neris, debruçada sobre chão de seu quarto. Seu próprio sangue espalhava-se ao longo do tapete, para todas as direções, e os passos de um algoz percorriam o ambiente. Os olhos sem vida da moça e seu silêncio denunciavam sua morte iminente. Tentava levantar, enquanto pressionando com força a ferida fatal no abdome, com dificuldades para se mexer. O assassino, impiedoso, a apanhou do chão bruscamente e a arrastou em direção às portas da sacada. Abriu-as e pôs o corpo semi-morto contra a cerca.

Neris vislumbrou a solidão de seu quarto antes de ser jogada a metros afim. Não chegou a ouvir o impacto na água: a escuridão lhe alcançara antes.

Entretanto, não foi a morte que encontrou depois do vazio. Quando abriu os olhos de novo, viu-se dentro do mar. Ao seu redor, o sangue dissipava-se na água, tornando-a num tom amarronzado, e seus braços não possuíam força o suficiente para nadar de volta à superfície. Afundava lentamente, definhando, apenas vendo a lua ganhar distância por trás do espelho aquático. Subitamente, uma força a envolveu num brilho divino, que foi ganhando massa e expandindo-se até ganhar a aparência de uma figura mítica. Sua visão turva encontrava uma ampla figura à sua frente, assemelhando-se a um ancião submerso, com uma vasta barba e olhar imponente.

Para a garota, a situação não passava de um delírio antes de sua morte, até que o ser falou dentro de sua cabeça:

— Faz um contrato comigo e vive – a voz era grave, ecoante, mas derretia facilmente. Depois de alguns segundos, a sensação era de que ela nunca havia soado – Tua alma por tua vida.

Neris não sabia se havia entendido bem o que aquilo significava. Mas, acreditava naquilo como uma oportunidade para sobreviver. Não falou palavra alguma. A criatura leu seus pensamentos e neles viu a permissão de concluir a proposta. No momento da morte, não há lucidez. Se ela pudesse desfazer qualquer ação do passado, no entanto, com certeza teria voltado a este exato momento e recusaria a oferta. Preferiria morrer do que descobrir as consequências daquela escolha…

De qualquer jeito, o mundo tornava-se menos turvo. O sangue na água desaparecia e a ferida em sua barriga cicatrizava como mágica. Embora o sangue lhe preenchesse de novo, Neris sentia-se como um lago esvaziando. Algo lhe era drenado, deixando-lhe apenas uma casca, e a escuridão.

— Lembra-te de Kalamdu, o Espírito do Oceano.

Vazio.


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Notas finais do capítulo

É isso gente, me deixem saber o que vocês acharam. Se encontraram algum erro gramatical, se acharam confuso, etc. Nem que seja um "gostei, continua". Para eu ter uma ideia do que posso melhorar haha



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