Assim que volto da sorveteria e finalmente chego em casa, noto que os meninos não estão. É um alívio quase imediato, posso relaxar, e só então entendo que eu estava muito tensa até aquele momento, suspirei ao notar que não precisava mais lidar com isso. Mas junto com o alívio eu percebo uma decepção estranha. Uma decepção completamente sem fundamento. 

Sento no sofá e pego meu caderno de desenhos, começando a folheá-lo. Foi então que cheguei no desenho de ontem, da aula de matemática. Os olhos... 

Eles eram tão gentis e lindos, não tinham um formato definido só a pupila e a expressão. Foi então que resolvi continuar esse desenho, ele parecia estar chegando em algum lugar e minha mão começou a coçar quando o olhei no papel. 

E a partir daí me perdi. Só notei quanto tempo tinha passado quando minha mãe encostou no meu ombro e me chamou para jantar. 

Olhei pela janela e reparei que estava de noite. O que significa que passei horas desenhando. Fiquei imediatamente entusiasmada. Quando isso acontecia, meu subconsciente ficava responsável pelos traços no papel, é como se a parte da minha mente que me controla se desligasse e eu pudesse transferir meus sentimentos. 

E foi quando desci meus olhos para o desenho que meu coração parou. Era Jace. Era o loiro em todo o seu esplendor, me encarando com olhos cobertos de humor e gentileza. 

É oficial, meu subconsciente me odeia e o mundo adora brincar comigo. 

O que diabos aquele garoto estava fazendo no meu caderno? E ainda mais com essa expressão que eu tinha quase certeza que nunca tinha visto em seu rosto. O menino no papel era alguém que parecia ter saído das minhas histórias, aquele personagem que torna impossível não amá-lo... E tudo o que a sua personificação significava para mim era um incômodo sobrepujante. 

Que ódio! 

Quando finalmente sento na mesa com a minha família mal consigo disfarçar a minha irritação. E claro, Jonathan nota isso. E como ele é um traste não consegue não piorar a situação.

“Na próxima vez que eu convidar amigos para vir em casa Clary, tente não se jogar neles” 

Eu engasgo com a comida na minha boca e o olho horrorizada, meu pai para com o garfo a caminho da boca e minha mãe levanta as sobrancelhas. Ineditamente sinto meu rosto pegar fogo. 

“Ah Meu Raziel, Jonathan! Você sabe muito bem que foi um acidente...” olho para meus pais e noto que ainda estão olhando para mim meio chocados, meu pai limpa a garganta e antes que possa comentar e que minha vergonha me consuma continuo “eu não tinha visto que o amigo dele estava no sofá, e quanto fui deitar lá...” cubro meu rosto com as mãos.

Ouço a risada de Jonathan e por muito pouco não dou um tapa nele. 

Mas o que me surpreende de verdade é a risada fácil de meu pai e o sorriso entretido da minha mãe que se juntam ao estardalhaço de Jon. Sinto meu rosto corar mais ainda, mas não consigo evitar a risada quando meu pai comenta “Essa é a nossa Clary, se jogando nas pessoas por distração”. 

“Tá, já entendi, eu sou uma perdição quando estou distraída” respondo. 

Minha mãe fala “Clary, meu amor, eu acho que eu nunca te vi uma única vez sem estar distraída” ela sorri “e eu sou sua mãe”. 

Faço uma careta indignada e Jon bagunça minha cabeça. 

“Dêm um tempo para ela vocês dois” meu pai diz e eu fico agradecida, até... “já abusaram da concentração dela com essa conversa”. 

“Ah meu Anjo! Eu vou matar vocês”, os trouxas riem e consternada, coloco a comida no meu prato preparada para esquecer o assunto. 

E Obrigada Mundo, eles também estão com fome e toda a falação sobre o quanto sou distraída se encerra. 

O resto da refeição é agradável, com ocasionais discussões entre mim e Jonathan e olhares amorosos dos meus pais, eles não conseguem evitar nem duas horas juntos sem uma troca de olhares. 

Quando acabamos de comer meu irmão sobe para o quarto e meu pai vai para seu escritório resolver alguma coisa da empresa, então minha mãe e eu corremos para a sala e nos entretemos com a série New Girl até que Jonathan desce e nos avisa que já passou da meia noite e que somos inacreditáveis por atrapalharmos o sono dele com nossas risadas e comentários. Depois de nos despedirmos - e eu mostrar a língua para meu irmão - corro para o quarto e me jogo na cama, preparada para ler um pouco antes de cair na cama. 

E sonhar com olhos dourados e sofás musculosos.