A princesa proibida escrita por Helena Melbourne


Capítulo 18
O baile das flores - parte 2




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Kovu não precisou virar-se para saber a quem pertencia aquela voz, ele a conhecia bem como a palma de sua mão e todos os seus nuances. Aquele tom não era bom, demonstrava ressentimento e a dona daquelas palavras costumava apreciar certo caos. Talvez por isso permitiu que ele entrasse em sua vida, Kovu era a personificação do caos.

Deu um longo suspiro e decidiu virar-se, mantendo-se sereno. Lá estava ela, os olhos muito negros com as pupilas dilatadas em fúria, o peito subia e descia numa respiração claramente descontrolada, as mãos estavam trêmulas e a ponta dos dedos esbranquiçada pela força com que segurava a taça de vinho nas mãos.

Kovu sabia que não teria como evitar sua presença, cedo ou tarde iriam se cruzar. Permitiria que ela expressasse primeiro o que sentia, depois inventaria alguma história. Ele era bom nisso e ela não era a mais inteligente das criaturas, tola.

— Ande patife! Explique-se imediatamente. Achei que estivesse morto. – ela sibilava numa fúria contida, controle não era seu forte, de fato. Os olhos já marejavam, talvez mais pela raiva do que mágoa.

— Mérope, estou tão feliz em vê-la. – exclamou com naturalidade, sorrindo com emoção. A jovem soltou uma risada sarcástica, chamando a atenção de alguns que estavam ao redor. Não se conteve e jogou o conteúdo restante do vinho nas vestes do exilado. Kovu travou o maxilar enraivecido, mas suspirou longamente e encarnou seu papel.

— Poupe-me de sua falsidade. E o que é isto? Você é um soldado? – questionou observando suas vestes e comparando com a de outros que faziam ronda no local. – Você não é duque coisa alguma, é?

— Não. – ela riu novamente. – Confesso que omiti algumas coisas a ti, mas estou trabalhando, não é um bom momento para falarmos sobre isso. Prometo explicar-te tudo mais tarde.

— Explique agora. – declarou autoritariamente.

— Amanhã nos falamos. Se conversarmos agora, vamos chamar a atenção de muita gente. Eu te explicarei tudo e como estive impossibilitado de mandar notícias. Eu prometo, confie em mim, por tudo o que vivemos juntos. – ele lançou um olhar penetrante e doce, sabendo ser uma arma que a desmancharia, apesar de seu espírito impaciente e mimado. Mérope suavizou um pouco e, após alguns segundos, consentiu.

— Se amanhã eu não souber da verdade, espalharei aos quatro ventos todas as mentiras que contou a seu respeito.

— Feito. – e assim ela se afastou em seu vestido púrpura farfalhante para a outra extremidade do salão, desaparecendo em meio aos convidados.

Kovu soltou o ar e pegando um guardanapo de pano, tentou secar o vinho. Contudo, o líquido deixaria manchas permanentes na roupa, assim como não se livraria da jovem duquesa em sua vida a partir de agora.

***

O salão de festas estava decorado de maneira peculiar, os bailes costumavam ser temáticos e representar a ocasião de celebração. Como estavam na primavera, a rainha achou uma boa ideia trazer a estação para dentro do salão.  Assim, cada pilastra, em seu entorno, foi cercada por flores colocadas em espiral desde a base até o topo. Nas mesas e no intervalo de uma janela e outra havia grandes arranjos de flores. No entanto, o que tornava ainda mais exótica a decoração era o fato de cada flor representar um reino, pela cor de suas bandeiras. Desta forma, havia rosas, tulipas, margaridas e outras variedade misturadas. Parecia uma boa trazer esse simbolismo para a festa, porém, visualmente, estava bastante carregado e o odor exalado por todas ao mesmo tempo, vagamente, lembravam enterros. E no centro do salão, a mais bela flor rodopiava nos braços de um príncipe, que provavelmente não seria o seu.

— Posso ter a honra? – uma mão tocou seu ombro.

Kiara estava dançando com o décimo terceiro príncipe e este em particular estava sendo bastante desagradável. Lisandro era muito belo, alto, cabelos longos num rabo de cabelo, olhos azuis, um sotaque fofo, porém que não a permitia compreender bem todas as palavras e dois pés esquerdos para dançar, de fato. Kiara perdera a conta de quantas vezes teve seus dedos pisoteados por ele. Tinha a impressão de que no país de Teltov eles não aprenderam a valsar.

A princesa não poderia estar mais feliz ao ver aqueles olhos castanhos, sardas e cabelos ruivos como os do pai. Era Kion, seu primo distante, mas o mais próximo que tinha de um irmão. Ele era o próximo na linha de sucessão e, por um tempo, Simba se preocupara com o fato de Nala não ter conseguido engravidar novamente para dar à luz a um rei e, assim, desse espaço para Kion reivindicar o trono. Pensando nisso, seu pai o colocou como líder da guarda do Leão, uma organização especial de Reichstein que lida com os assuntos mais delicados e secretos. Um cargo de muita confiança, mas mesmo que não o recebesse, Kiara duvidava que Kion proclamasse seus direitos por conta da boa relação que desenvolveram.

— Primo!! – e com alívio pelo momento oportuno de sua interrupção, jogou-se nos braços do mais novo, sendo retribuída com carinho. Lisandro pigarreou, claramente desconfortável por ser deixado de lado e Kiara lembrou-se das boas maneiras. No entanto, as pessoas já não prestavam tanta atenção nela, afinal, eram muitos príncipes. – Desculpe, Lisandro, vou dançar um pouco com meu primo, está bem? – ele assentiu e saiu meio magoado. – Você me salvou.

— Percebi. -  ele riu levemente. – Estava me divertindo com o quinto e sua salivação, aí veio o sétimo demasiadamente baixo, foi realmente engraçado como ele não alcançava sua cintura, o décimo que falava gritando e com esse aí perdeu a graça, deu certa peninha. – ele dizia despojadamente, com ar brincalhão. Kion era assim, parecia eternamente um garoto travesso e Kiara adorava isso nele, sempre transparente e bondoso.

— Que bom que meu sofrimento lhe serviu de chiste. – sorriu sarcasticamente. -Não é tão engraçado assim quando se está no meu lugar. – suspirou, cansada de toda pressão com os pretendentes.

— Suba nos meus pés. – sugeriu, ela enrugou a testa. – Suba, descanse um pouco seus pés, ninguém vai perceber, o vestido é longo. Divida a dor comigo, meu presente atrasado de aniversário. Ande! – Kiara nunca se sentira tão grata e fez como ele pediu, não era uma posição confortável a nenhum dos dois, mas ela não suportava mais mover-se. Ele passou a dançar sozinho pelo salão com certa dificuldade, mas era bastante forte e suportava a dor.

— Obrigada. – agradeceu sincera.

— Não há de que, priminha, estou sempre aqui para servi-la. Mas diga-me, quem é o seu favorito até agora? – indagou curioso.

— Não há nenhum que me interesse. Não gostaria de escolher alguém assim, é cruel manipular o amor, não deveria ser algo forçado. Almejaria conhecer pessoas do modo convencional. – disse tristonha.

— Não se trata de amor e sim um contrato. É o preço de ser da realeza, não pode ter liberdade, cada ação é pré-determinada. Por isso, não a inveja, nem nunca desejei sua posição, mas você já sabe disso. – viu que sua fala não a animou. – O que não sabe é que o queridinho dos nobres é Gasav. Ele tem espalhado por aí que possui muitas terras desocupadas em seu reino para quem o apoiasse. O de sua mãe é Lisandro, ela faz questão de demonstrar. -riram. – e Felix, depois de dançar com você, foi para o lado de fora do castelo e levou comida boa para os camponeses, sendo simpático. Parece que chegou aos ouvidos dele que você deseja conhecer melhor seu povo. Inteligente da parte dele querer cair nas graças do povo.

— Muito político. – constatou indiferente.

— Certamente. – concordou. – Sabe que precisa decidir-se, não é? Isto não é uma festa de aniversário, mas de noivado. Todos esperam que seu pronunciamento seja sobre um esposo. – ela ficou pasma, ninguém disse nada a respeito. – eles não querem te pressionar ainda mais. No entanto, muitos aspiram o trono e ninguém aprova uma mulher sozinha governando, é um sinal de fraqueza. – Kiara detestava ouvir isso, apesar de saber que não era maldade do primo, apenas a realidade. Ela era tão capaz quanto qualquer um daqueles príncipes. Então, lágrimas finas passaram a transbordar de seus olhos. – Ei, desculpe, não quis te chatear mais. Sabe que eu e a Guarda seremos sempre leais a ti.

— Agradeço. – forçou um sorriso doce e controlou o choro. Depois de um tempo em silêncio, Kion cansou-se da posição e Kiara desceu de seus pés, sendo prontamente esperada por outro príncipe que, pelo cheiro, não tomava banho há tempos. 

Kion deixou a prima e dirigiu-se à mesa farta de doces, que eram repostos pelos servos conforme se findavam. Na outra extremidade da mesa algo lhe chamou atenção, uma cena peculiar, que não passaria em branco aos seus olhos. Uma moça muito bela pegava discretamente um guardanapo de linho e depositava uma boa quantidade de manjar turco, apressadamente. O vestido até passaria pela nobreza, porém, as sapatilhas e o rosto mais bronzeado denunciavam sua posição.

— O que está fazendo? – deu a volta na mesa e se postou às costas da garota. Seu tom a assustou, e assim, derrubou os doces. – Camponeses não podem entrar aqui, muito menos comer dessa comida. Deve saber disso. – A moça virou-se lentamente e Kion pode observar seus olhos muito verdes e bonitos, ele não havia reparado do ponto em que estava antes, expressando uma ferocidade nunca visto numa dama. Ela exalava um ar felino, mas Kion não se deixou intimidar, regras eram regras, afinal.

— Me perdoe, Alteza. – e fez uma reverência debochada. – Sei muito bem o lugar que ocupo. Contudo, estes doces não eram para mim, algumas crianças viram do lado de fora e ficaram curiosas por nunca experimentarem algo parecido. Deve ser difícil para um príncipe enten...

— Não sou um príncipe. Sou Kion, primo da princesa e líder da Guarda do Leão. Sinto muito, eu não quis lhe ofender, mas esta é a regra. – disse com certo orgulho.

— Não perguntei sobre sua titulação e pouco me importa, se deseja saber. – Kion ficou pasmo com tamanha audácia. – Apenas não queria que as crianças passassem vontade.

Kion ficou parado observando a moça de língua afiada afastar-se e, logo, viu duas crianças da nobreza brincando com uma torta de morangos, que provavelmente não comeriam. Sentiu pesar pela primeira vez, afinal, ninguém nunca o havia enfrentado antes, insinuando que não fora justo, ele apenas estava cumprindo as regras do baile.

***

Kiara estava farta daqueles príncipes patéticos e seu corpo se cansara demasiadamente, àquela altura apenas queria sumir. Sua conversa com Kion não fora reconfortante, não era de seu desejo nenhum daqueles homens. Como seria amar alguém? Estar apaixonada? Talvez ela nunca saberia.

A princesa precisou de um momento, necessitava respirar, a música, as flores e as pessoas a estavam sufocando. Sempre esperavam algo dela, a perfeição, o controle... Por isso, refugiou-se numa varanda discreta, iluminada apenas pelo luar, parecia estar vazia e foi atrativa, afinal, um pouco de solidão era tudo o que almejava no momento.

Debruçou-se sob a balaústra e permitiu-se derramar as lágrimas que segurava. Lá embaixo os camponeses divertiam-se com pão e cerveja, dançando alegremente ao som de uma flauta animada ao redor de uma grande fogueira no pátio. Seria errado invejá-los? Era uma vida tão diferente da sua, até o jeito de dançar espontaneamente a atraía.

— Precisa de um lenço? – uma voz arrastada soou na penumbra. Kiara saltou de susto, pensara estar sozinha no local.  Constrangida, enxugou as lágrimas rapidamente.

— O que faz aqui? Está me seguindo? Vim aqui para ficar só! – exclamou irritada.

— Veja bem, princesa, eu já estava aqui bem antes de vossa Alteza chegar. Se não me viu aqui é um problema seu. – ela não estava com paciência para ele, não agora. Exilado irritante com aquele ar indiferente de quem realmente não se importa. Ainda assim, estava com o lenço estendido. Então, capturou-o de suas mãos bruscamente, recebendo um olhar divertido de volta.

— Você não deveria estar trabalhando? – indagou tentando deixá-lo desconfortável.

— Estamos fazendo revezamento, estou na minha pausa, Alteza.

— E por que não aproveita a festa?

— Aproveitar o que? Está tão chata que a aniversariante quer ficar só. – ele riu pelo nariz e ela o acompanhou com sarcasmo.

— Não é uma festa de aniversário, sabia? – Kiara olhou para a lua cheia e amarelada, falando mais para si do que para ele. Ele ergueu uma sobrancelha curioso, encarando-a mais interessado. – É uma festa de noivado. Tenho que escolher um deles e as pessoas esperam que eu faça isso hoje.

— Hmmm, e por que tem que fazer o que eles querem? – indagou, despertando-a de seu transe.

— O-oras porque é o meu dever. Unir o nosso reino, é para isso que nasci.

— Vossa Alteza parece até uma marionete repetindo isso, perdoe a comparação. Todos possuem escolhas. Atribuir a os outros a responsabilidade delas é apenas uma forma de tirar de nós mesmos o peso de tomar uma decisão errada. – Kiara o fitava atenta, querendo contra-argumentar, mas sem conseguir formular algo. – A princesa será rainha um dia, se alguém tem poder de escolha em todo reino é a senhorita. Caso faça tudo o que mandam, será uma governante fraca.

— Não é esse o ponto, eu amo meu povo. Não é apenas por imposição de meus pais ou a nobreza, tenho que pensar no que será melhor para todo o reino, eu amo Reichstein. – tentou parecer convicta.

— Bem, se pensa assim... Porém, tens escolha. Boa sorte com um daqueles engomados patéticos. – ele riu de canto, irritando-a mais uma vez. Era impressionante como o esticar de seus lábios tinha o poder de tirá-la do sério. Quem ele era para dar palpite sobre sua vida? – Vai ser para sempre a garotinha do papai, nunca vai saber o que é prazer com nenhum deles. – Kiara sentiu as bochechas esquentarem e ele fez questão de olhá-la profundamente, os olhos esmeraldas crepitando diabolicamente e o maldito sorriso...

— Ora, seu! Atrevido! – tentou deferir-lhe um tapa, entretanto, ele agilmente segurou seu braço. – O senhor pensa ser muito melhor do que eles? Pois lhe digo que são todos iguais, narcisistas.

— Narcisista? Se bem me recordo, salvei-lhe a vida. – sorriu desafiador novamente.

— E está sendo muito bem recompensado por isso. Agora, solte-me, patife, ou gritarei. – a ponta dos dedos da menina roçavam na barba rala dele, não necessariamente provocando uma sensação desconfortável a nenhum dos dois.

Ela sentia-se intimidada estando tão próxima, tudo nele exalava perigo, tinha vontade de sumir quando as esmeraldas de Kovu fitavam-na tão profundamente, como querendo desvendá-la. Naquele momento o ar parecia pesado demais, os segundos muito demorados e a lentidão com que ele desfez o aperto em seu pulso pareceu curto demais, porém, de uma suavidade que ela desconhecera nele até o momento, quase como uma carícia.

— Salvei-lhe mais de uma vez, ainda está em dívida.

— Pois bem, o que deseja? – ela questionou orgulhosa.

— Desejo...


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