Memórias de um Imortal escrita por Xarkz
Sabe aqueles filmes antigos de de apocalipse zumbi, onde as pessoas da cidade somem e ficam apenas os mortos-vivos, espreitando nos cantos escuros?
Senti que estava em um filme daqueles e parecia que, a qualquer momento, quando virasse em uma esquina, iria dar de cara com um zumbi.
O silêncio era total e eu podia ouvir meus próprios passos ecoando pelas largas avenidas da cidade. Também conseguia ouvir o coração de Alonso, disparado.
Sobraram alguns poucos veículos, abandonados e algumas casas estavam com suas portas abertas, como se as pessoas houvessem saído dali às pressas.
— Mas que merda aconteceu aqui? — perguntou Alonso, atônito. — O que poderia ter feito uma cidade inteira como esta ser evacuada completamente?
— Não sei, mas é possível que tenha algo a ver com a guerra.
— Não há destruição alguma aqui. Pelo menos não vi nenhum sinal de ataques.
— Vou averiguar algo, espere aqui!
Corri na frente, entrando no maior prédio que encontrei.
A porta de vidro da entrada do centro comercial estava aberta, corri pelo salão principal até encontrar a escadaria.
Subi correndo o mais rápido que pude, agradecendo pelo fato de jamais cansar.
Na verdade isso às vezes era tedioso, mal lembrava como era a sensação de ficar ofegante. Em minha memória parecia que era algo que dava mais emoção em uma situação como essa.
Contei vinte e dois andares, até que cheguei na cobertura.
Lá em cima, subi ainda mais, utilizando uma escada de mão, chegando ao local onde eram instaladas as antenas de televisão, o ponto mais alto daquele prédio.
Era possível avistar a cidade inteira, e de lá tentei encontrar algo que pudesse ser de alguma ajuda para resolver o mistério do sumiço das pessoas daquela cidade.
Mais afastado do centro encontrei algumas lojas com os vidros quebrados. O mesmo para um posto de gasolina.
Também me chamou a atenção o zoológico, cujas grades de proteção e vidros estavam destruídos. Teria sido dali que os ursos polares fugiram?
A cidade parecia estar vazia a muitos anos e, com exceção de um pouco de destruição aqui e ali, não encontrei nada que pudesse ajudar a responder as perguntas do que teria ocorrido.
Isso porque a resposta não estava ali perto, mas na cidade vizinha.
Apertei os olhos e foquei ao longe, no horizonte, e lá encontrei o que parecia ser o motivo da evacuação.
A cidade vizinha, não muito longe dali, estava completamente destruída.
No centro dela havia uma enorme cratera e, mesmo os prédios que conseguiram permanecer em pé, estavam em estado lastimável, a ponto de ruir.
A guerra estava mais próxima do que eu imaginava.
Engoli seco e desci a escadaria correndo. Encontrei Alonso na frente do prédio, sentado na calçada.
— E então? — perguntou ele. — Descobriu algo?
— Sim! A cidade vizinha foi atacada. Não sobrou praticamente nada.
— Foi bombardeada?
— Parece que foi uma única bomba, pois tem uma cratera enorme no centro da cidade.
— Então foi isso que causou aquele estrondo, um ano atrás.
— Provavelmente. Com a explosão os habitantes daqui devem ter fugido, ou então a cidade foi evacuada pelos militares.
— Também é possível que tenham evacuado antes mesmo do ataque. — complementou Alonso.
— Tem apenas alguns pontos dessa cidade que foram depredados, mas devem ter sido apenas saqueadores ou acidentes durante a evacuação.
— Em outras palavras: não há ninguém para me curar aqui.
Com a surpresa eu havia até esquecido o motivo de nossa viagem até ali. Eu não podia deixá-lo morrer, então tratei de pensar em algo.
Aproximei-me de um carro, averiguando se a porta estava aberta. Repeti o processo em cada carro que via.
— O que está fazendo? — questionou Alonso.
— Na correria é possível que alguém tenha abandonado seu veículo com a chave dentro.
— É possível, mas não acha que se a pessoa abandonou o veículo é porque ele não estava funcionando?
— Provavelmente, mas é mais fácil tentar consertar um carro que não está andando do que ligar um sem as chaves.
— Entende algo de mecânica?
— Quase nada, mas não custa tentar.
Ambos procuramos em diversos veículos, até que finalmente encontramos um. Era um carro modelo antigo, este tinha rodas, diferente dos modelos mais modernos.
O carro estava atravessado no meio da avenida e a chave estava na ignição, então entrei no veículo e virei a chave. O motor fez um barulho seco mas não ligou. Tentei novamente três vezes, mas o resultado foi o mesmo.
Me recostei no banco e pensei por alguns instantes.
O veículo estava no meio da avenida, o que significa que a pessoa dirigiu até ali, quando o carro deve ter parado.
Girei a chave no primeiro estágio e olhei o painel.
Estava sem combustível.
— Alonso, preciso que consiga uma mangueira. Tive uma ideia.
Enquanto ele procurava por uma mangueira, encontrei uma garrafa de plástico em uma lixeira e a levei comigo.
Escolhi um segundo veículo e, “delicadamente”, abri a tampa de combustível utilizando um pé-de-cabra, que estava no primeiro carro.
Alonso chegou com uma mangueira, que encontrou sabe-se lá aonde.
Coloquei a mangueira no tanque de veículo e suguei o combustível, colocando a mangueira em seguida na garrafa de plástico.
Acabei por engolir um pouco do combustível, mas certamente não era algo que iria me matar.
Entreguei a garrafa à Alonso e procurei outras, pois apenas uma não seria o suficiente.
Reunimos um total de seis garrafas cheias. Deveria ser o suficiente.
Despejamos o combustível no primeiro veículo e cruzamos os dedos.
Ao girar a chave o veículo deu uma leve engasgada, apenas para aumentar nossa tensão, mas ligou em seguida.
Erguemos os braços, comemorando, e decidimos seguir para a cidade destruída.
Entre uma cidade e outra havia uma rodovia de mão dupla, onde podíamos dirigir sem qualquer distração, pois não haviam outros veículos para dividir o espaço conosco.
— De lá vou subir de novo no ponto mais alto e seguimos pra próxima cidade. Tem que ter alguma inteira por aí.
— Estou começando a achar que devíamos voltar. E se não tiver mais ninguém?
— Só vamos saber quando chegarmos lá.
— Mesmo que ainda tenha, como vamos pagar pelo tratamento?
— Já disse que eu tenho dinheiro. Não precisa se preocupar com isso.
Tentei sintonizar uma rádio no carro mas nenhuma frequência parecia funcionar.
Comecei a passar uma à uma até que ouvimos algo que parecia ser um pronunciamento, mas o sinal estava muito fraco e mal conseguimos entender o que era dito.
Do pouco que compreendemos, ouvimos as palavras “guerra”, “oremos” e “mundo”.
No meio do caminho tivemos de passar pelo acostamento da pista contrária, devido à um caminhão tombado no meio da rodovia, mas seguimos viagem.
— Acho que isso foi um erro, Nicolas. — disse ele, balançando a cabeça de um lado para o outro.
— Isso é pela sua saúde. Nós vamos conseguir.
— Nós devíamos voltar. Podemos acabar morrendo nesse lugar.
— E se voltarmos você vai morrer com certeza.
— Mas pelo menos vou morrer ao lado da minha família e não em uma cidade desconhecida.
Continuei dirigindo em silêncio. Não queria aceitar que era um caso perdido. Laura precisava do pai dela.
— Tem certeza que devíamos ir até lá? — perguntou Alonso, receoso. — E se o que explodiu lá for radioativo ou algo assim?
Permaneci calado, até que fui obrigado a parar o carro, pois a rodovia estava completamente destruída a frente.
— Nós temos que voltar. — concluiu Alonso.
— Não! Podemos dar a volta. Acho que consigo costear por aquele barranco. Vamos dar um jeito.
— Filho… — colocando a mão sobre meu ombro. — Nós temos que voltar.
Parecia mesmo ser a coisa mais sensata a se fazer.
De cabeça baixa, não conseguia encarar Alonso pois, ao desistir, sentia que eu o estava condenando à morte.
Por mais que a culpa não fosse minha, eu sentia como se fosse.
Respirei fundo, e concordei com ele.
— Vamos voltar! — aceitando a derrota.
A morte me rondava mais uma vez.
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Observações e críticas construtivas serão bem vindas!