Assim que os rapazes saíram, Sakura ajudou Hinata a sentar-se na cama, depois abriu os botões de sua bata hospitalar e abaixou-a, expondo os seios fartos e a barriga. 

 Teve de controlar um muxoxo desapontado. Por que Deus dava tanto a uns e tão pouco a outros? 

Ignorando sua pequena crise de baixa autoestima, pediu que Hinata voltasse a se deitar - o que ela fez imediatamente, aproveitando para cruzar os braços sobre os seios -, e então passou a examiná-la.

 Ela havia dado entrada no hospital durante aquela madrugada, segundo seu prontuário, sofria de dores agudas devido ao rompimento do apêndice. Mas graças ao rápido atendimento, nada de grave aconteceu, não demoraria muito para que  recebesse alta. 

 Enquanto retirava a gaze e checava os pontos da cirurgia em seu abdômen, Sakura pensava no que tinha acabado de presenciar. Ainda soava um pouco inacreditável, mas o fato era que Sasuke Uchiha - o garoto pelo qual sempre esteve apaixonada e que sempre a maltratou - tinha pedido desculpas por algo, e parecido realmente arrependido por isso. O que será que ele havia feito de tão grave? 

Resolveu perguntar isso à Hinata. 

— Ah, aquilo. - Ela franziu o cenho em uma careta, devia estar lembrando do ocorrido. - Bem, você sabe como Sasuke pode ser estúpido às vezes... 

Sasuke. 

 Já fazia um tempo que o fato dela não usar os tratamentos honoríficos apropriados ao referir-se a ele vinha incomodando-a. No entanto, Sakura parecia a única incomodada com aquilo, Sasuke não aparentava se importar nem um pouco.

 Em seu íntimo, sabia qual era o verdadeiro significado daquilo, mesmo que nem ele tivesse percebido ainda. 

Analisou seus sentimentos profundamente, mas não encontrou raiva; frustração, sim, com certeza, mas raiva? Ódio? Não... Não odiava nenhum dos dois, apesar de ressentir Sasuke pelo tratamento frio que lhe dispensara durante todos aqueles anos. 

Honestamente, a única pergunta que rodeava sua mente naquele momento era: por que Hinata e não ela? O que ela fez - ou deixou de fazer - para conquistá-lo? Essa era a única coisa que a perturbava: não saber onde errou. E foi por temer que essa frustração nunca a abandonasse, que criou coragem para perguntar:

 - Há quanto tempo está apaixonada por ele?

 Hinata se sobressaltou ao ouvir aquilo, com certeza não estava esperando.

 - C-como assim? - gaguejou, extremamente vermelha.

 - Não precisa disfarçar, Hinata. - Sorriu tranquilizadora sem desviar o olhar do ferimento dela, não queria que se sentisse pressionada. - Eu percebi pelo modo que o olhou. Só estou curiosa sobre como aconteceu. 

Hinata hesitou antes de responder. Nunca foi a pessoa mais aberta do mundo em relação aos seus sentimentos, principalmente com relação àqueles sentimentos. As únicas pessoas para quem tinha confessado o que sentia, eram Shino e Kiba - e apenas porque seus melhores amigos a pressionaram até que confirmasse as suspeitas deles. 

 - Não sei dizer. - Resolveu ser direta. - Quando percebi, já gostava dele.

 Podia sentir suas bochechas queimarem, e o calor só aumentou quando Sakura confessou:

 - Sou apaixonada por ele desde criança. Se bem que, no começo, não era amor, eu era somente uma fã. - Seu sorriso transformou-se em um constrangido. - As coisas só foram mudar quando fomos colocados na mesma equipe... 

 Hinata ficou sem reação àquilo. Tinha reparado que Sakura fazia de tudo para chamar a atenção de Sasuke e que às vezes olhava-a com certa irritação, mas pensou que fosse ciúmes por ter perdido seu parceiro de equipe - Kiba também era assim, sempre tratando Sasuke mal - e não ciúmes do seu ex-parceiro de equipe.

 E agora ali estava ela: confessando seu amor por Sasuke Uchiha justamente para a garota que também estava apaixonada por ele. Sentiu vontade de estapear-se por tamanha estupidez. 

O quarto caiu em um silêncio constrangedor. Nenhuma delas falou por bons cinco minutos. Sakura apenas concentrou-se em refazer o curativo da paciente. Foi só quando terminou, que ela finalmente ergueu seu olhar, fixando-o no de Hinata. 

 - Sou apaixonada por ele há anos, fomos parte da mesma equipe por um tempo considerável, mas ele nunca me olhou como olha para você. Nem algo minimamente parecido.

 Sem querer, a última frase foi pronunciada com uma dose extra de amargura, o que fez o rubor nas bochechas da Hyuuga aumentar. 

Suspirando, tentou explicar melhor: 

 - Escute, eu não estou brava ou algo assim, é só... - De repente, tentar colocar em palavras como se sentia pareceu complicado demais, por isso disse somente: - Ele também está apaixonado por você, sabe disso, não é mesmo? 

 Hinata desviou os olhos, mordendo os lábios em nervosismo. Sim, ela sabia. Como não saberia? Era tão óbvio que Sasuke sentia o mesmo que ela, mas, por algum motivo, ele não se permitia demonstrar isso - duvidava que sequer tivesse admitido isso para si mesmo.

 Não foi há muito tempo que Hinata finalmente descobriu os motivos dele para agir da forma que agia. É claro que conhecia a história de como o clã dele foi massacrado, mas não fazia ideia que ele tinha planos de vingar-se do irmão mais velho. Foi Kakashi quem revelou isso a ela após ter notado o perigoso jogo de gato e rato que os dois vinham jogando. 

 Ao descobrir quais eram os planos de Sasuke para o futuro, Hinata teve de fazer uma escolha difícil: continuar ao lado dele, tentando fazê-lo desistir daquela ideia, ou deixá-lo livre para seguir seu caminho. 

 Ela escolheu a segunda opção. 

Explicou à Hokage seus motivos e pediu que ela desfizesse a equipe Pupila - o que ela fez, apesar de contrariada. Mais de dois meses tinham se passado desde então.

 Resolveu dar um fim àquela conversa, pois não era um assunto que deixasse nenhuma das duas confortável. 

 - Não há futuro para nós no caminho que ele escolheu trilhar - disse, séria. 

 Percebendo que aquele era o ponto final da conversa, Sakura ajudou-a a vestir novamente a bata hospitalar e, após terminar tudo o que tinha ido fazer ali, rumou para a saída. Entretanto, quando já estava com a mão no trinco da porta, sentiu-se na obrigação de dizer só mais uma coisa:

 - Não seja precipitada. Talvez Sasuke esteja disposto a mudar o caminho dele por você.

 Não ficou para ouvir uma resposta, apenas saiu porta afora. Precisava ficar um pouco sozinha. 

Contudo, contrariando seu pensamento de querer ficar sozinha, de repente sentiu saudades de Naruto. Sabia que se estivesse ali, ele a ouviria por todo tempo que precisasse e depois, para animá-la, a levaria para comer um ramen no Ichiraku - não antes de visitar Sasuke e fazê-lo pagar por tê-la feito chorar, é claro.  

É. Claro.

 Antes mesmo de alcançar a sala que dividia com outras duas médicas em treinamento, as lágrimas já manchavam todo o seu rosto.

 ***

 O que fazer agora?

 Vinha se perguntando isso desde que acordou de seu pesadelo horas antes, só que agora a situação era completamente diferente. Antes, somente os seus sentimentos estavam em jogo. Agora, era preciso levar em conta os de Hinata também. 

Ela estava apaixonada por ele. 

Assim como Sasuke não entendia como foi se apaixonar por ela, também não conseguia entender como Hinata foi se apaixonar justo por ele - não se lembrava de ter dado motivos para fazê-la sentir algo além de raiva por todas as vezes em que a provocou. 

Todavia, se o que Shino havia dito fosse verdade, seus sentimentos por ela seriam aceitos e retribuídos... 

Socou com toda sua força uma das árvores no campo de treinamento para ver se sua frustração diminuía. Não funcionou, continuava frustrado. E esse sentimento só aumentou ao ouvir a voz de seu antigo sensei, Kakashi Hatake, zombar: 

 - Esse foi o pior soco da história dos socos. Fez eu me sentir constrangido por ter sido seu professor.  

Sasuke não respondeu à provocação. Sentia que se abrisse a boca todas as verdades que carregava em si fossem simplesmente jorrar através dela. 

 No entanto, isso parecia exatamente o que Kakashi queria. 

 - Soube que Hinata está no hospital. Você foi vê-la? - perguntou. Não obtendo resposta, prosseguiu: - Sakura disse que não foi nada grave, uma apendicite somente. Mas ela vai precisar ficar afastada das missões por um tempo. 

 Sasuke continuou socando a árvores. As faixas ao redor de suas mãos já começavam a manchar de sangue. 

 - Por falar em missão, soube que está tendo problemas com seu parceiro - continuou. Novamente, sem respostas. Isso o irritou pra valer. - Pelo visto a Hinata ter conseguido te aturar por tanto tempo foi uma espécie de milagre. Santa Hinata. Só é uma pena que ela tenha pedido para a Godaime desfazer a equipe de vocês... 

 Aquilo prendeu a atenção do Uchiha. Sem se virar para Kakashi, mas parando de socar a árvore, ele perguntou:

 - O quê? 

 - Ah, você não sabia? - Levou a mão à boca, fazendo-se de inocente. - Foi Hinata quem pediu à Hokage para acabar com a equipe Pupila. 

 Após um segundo de silêncio, o garoto voltou ao seu treino.

 - Não quer saber por que ela fez isso?

 Sem resposta. 

 - Porque eu contei a ela que você pretende ir atrás do Itachi um dia. 

Sasuke olhou imediatamente para ele. Seu olhar surpreso foi  aos poucos sendo substituído por raiva. 

 - Por quê? - perguntou, sua voz assustadoramente calma. 

 - Porque ela está apaixonada por você. Tinha direito de saber quais são seus planos para o futuro.

 - Não era da sua conta! 

— Não? - A expressão de Kakashi endureceu. - Então você planejava enganá-la? Se divertiria com ela um pouco e depois a abandonaria para ir atrás de sua vingança? Você é pior do que eu pensei, Sasuke. 

 - Você não sabe nada sobre mim. 

Seu tom de voz era um aviso: cale-se! 

Kakashi não se calou.

 - Acontece que eu te conheço, Sasuke. Vejo alguém tão fodido quanto você sempre que olho no espelho. 

Aquilo o irritou ainda mais. Kakashi sempre falava sobre como os dois eram parecidos, mas, honestamente, o Uchiha não conseguia ver as semelhanças. Apesar de ter perdido tudo, ele agia como se fosse feliz, como se nunca tivesse perdido nada em primeiro lugar.

 - Já que somos tão parecidos assim, o que você faria? Desistiria de vingar a sua família e iria ser feliz com uma garota? - desdenhou. - Você conseguiria ser feliz sabendo que quem destruiu sua vida ainda está vivo?! Hein?!

 - Não tenho certeza se conseguiria, mas eu tentaria pelo menos.

 De repente, toda a fúria que sentia abandonou seu corpo, deixando somente uma terrível exaustão emocional. 

 - Como você consegue? Como conseguiu seguir em frente sem vingança? - perguntou.

 Não estava mais se importando com as aparências, se estivesse soando patético, que fosse. 

 - Simples: o culpado sou eu - respondeu, surpreendendo seu ex-aluno. - Todos que eu perdi, as pessoas mais importantes para mim... Elas se foram por minha causa. O que eu faria então? Me matar? E jogar fora a vida que meus amigos deram para mim? Não tenho outra opção além de continuar vivendo, Sasuke.

 Por eles. 

 A frase não dita ecoou entre ambos os possuidores do sharingan. Sasuke tinha certeza que por baixo daquela máscara, o rosto do homem devia estar cheio de dor. Sabia disso porque um pouco dessa dor podia ser vista através de seu olho.

 Talvez Sasuke tenha sido contaminado pela sinceridade de seu ex-professor. Só isso explicaria o porquê de ter revelado a ele o segredo que guardava a sete chaves dentro de si: 

— Tenho medo de os decepcionar se eu seguir em frente. Tenho medo de ser feliz sem eles. 

 E aí estava a maior verdade sobre Sasuke Uchiha: ele era um grande covarde.

 *** 

Era por volta das 22:00h quando Sasuke pulou a janela do hospital e adentrou seu quarto. Ele estava estranho. Com certeza a aparência dele parecia pior do que a sua - uma dos pacientes do hospital.

 Fez uma piada sobre isso, mas não obteve reação - nem um xingamento sequer. 

 - Certo. O que aconteceu com você? - Foi direto ao ponto. 

 Ele não respondeu. Apenas aproximou-se, sentando na cadeira ao lado da cama. 

 - E por que está me olhando desse jeito? - perguntou, constrangida pelo olhar fixo dele.

 - Estou tentando entender algo. - Desviou o olhar, parecendo frustrado. - Mas não adianta, não consigo. 

 Ficaram em silêncio, ambos ponderando a respeito das conversas que tiveram naquele dia - Sasuke com Kakashi e Hinata com Sakura.

 A Hyuuga se questionava sobre se deveria ou não seguir o conselho da Haruno. Será que deveria contar como se sentia e então deixá-lo decidir? Isso mudaria alguma coisa?

 - Sasuke... 

 - Hinata... 

 Ambos falaram ao mesmo tempo. Surpresos, olharam-se. Qualquer dúvida que tivessem a respeito do que sentiam um pelo outro foi sanada com aquele olhar.

 Havia amor ali.

 Mas também havia medo. 

Insegurança.

 Frustração...

 Infelizmente, os sentimentos ruins sobrepunham os bons, e, ao perceber isso, Hinata decidiu-se: não poderia prendê-lo a ela.

 - Pode ir, se quiser - sussurrou.

 - O quê? 

 Sasuke foi pego de surpreso pelas palavras dela.

 - Não me entenda errado! - Rapidamente começou a explicar-se: - Eu não quero que você vá. Mas... Se for preciso, se você realmente só for ser feliz depois que conseguir sua vingança, então... vá.

 - Eu posso morrer no processo - alertou-a. Precisava ter certeza que ela entendia os riscos.

 - Eu sei - respondeu, desviando o olhar para suas mãos que apertavam o lençol.

 - Então por que não me pede para ficar?

 Estava legitimamente curioso sobre aquilo. Quando ela respondeu, ainda sem o olhar, novamente foi pego de surpresa:

 - Porque não tenho certeza se ao ficar aqui, comigo, você estará vivendo ou apenas...  sobrevivendo. 

 Essa garota... A sinceridade dela sempre o desarmava. Exatamente por isso, sentia que deveria ser totalmente honesto com ela. 

 - Não consigo abrir mão da minha vingança, Hinata - disse com seriedade em sua voz. 

 - Entendo... 

 Pôde ver os ombros dela curvarem levemente - estava decepcionada. Sasuke fez menção de tocá-la - queria segurar sua mão, confortá-la de algum modo -, mas não conseguiu. Não sabia como lidar com uma garota, então apenas disse: 

 - Mas ainda não estou pronto. 

 - O quê? - Voltou a encará-lo, uma ínfima esperança ainda queimando em seus olhos. - O que isso quer dizer?

 - Vou ficar em Konoha - declarou. Entretanto, antes que ela entendesse errado, completou: - Mas só até a hora chegar. 

 - Entendo. E quando a hora chegar... - O olhou de soslaio, esperançosa.

 - Não vou te levar comigo, Hyuuga. - Foi direto, precisava cortar as esperanças dela pela raiz. 

 - Por que não?

 Ela não soava zangada, apenas desapontada. Ainda assim, achou melhor explicar-se: 

 - Essa batalha é minha, Hinata. Não vou te envolver nela. 

 Não vou te colocar em perigo. 

Suspirando, Hinata balançou a cabeça afirmativamente. Ela entendia o que ele queria dizer. Apesar de doer, concordou com ele. 

 Sasuke era livre, afinal de contas. 

— Depois que eu terminar o que tenho de fazer - ele recomeçou a falar, seu olhar fixo no colchão -, vou ser uma pessoa livre. Vou finalmente... 

 Deus... Ele estava corando? 

Hinata riu levemente. Sasuke não levava o menor jeito para aquilo. Mas tudo bem. Não precisava de uma declaração de amor comovente, só precisava de um pouco de esperança. 

 - Eu sei - respondeu, sorrindo carinhosa. - Vou te esperar, Sasuke. 

Uma promessa.

 Uma promessa de que seguiriam seus próprios caminhos, fariam o que tinham de fazer e, um dia, se a sorte sorrisse para eles, encontrariam-se novamente. 

 Até lá, seguiriam fazendo o que sabiam de melhor:

— Mudando de assunto - Sasuke a olhou divertido -, você fica ridícula com essa camisola de hospital.