Chamas Azuis escrita por Caramelo


Capítulo 14
Um Banquete Entre Estranhos


Notas iniciais do capítulo

Então, oi ♥ Eu sei, eu sumi durante muito tempo e acreditem eu tive meus motivos. Eu, sinceramente, não estou numa fase muito boa ultimamente, então estou dando um tempo de muitas coisas por causa da minha saúde mental. Eu não gosto muito de falar sobre isso, porém achei que vocês mereciam uma explicação do porquê a história estar tão atrasada.

Bem, sem mais delongas, vou deixá-los com esse novo capítulo. Ele é bem longo, uma compensação pelo tempo que levou kkkk Agora e como sempre, estão nas mãos de Jane.



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I

Pouco tempo após Ethan deixar o quarto, uma mulher apareceu segurando diversas camadas de um tecido rosado. Seus cabelos, dourados como o sol, estavam presos no topo da cabeça com algumas tranças e grampos. Suas vestes simples estavam um pouco sujas, com algumas manchas negras e borralho... Fazia com que eu me lembrasse das camareiras da mansão D"Lacy.

A moça nada disse desde que entrou no quarto e eu não fiz questão de iniciar uma conversa. Ela apenas indicava o que eu deveria fazer com pequenos sinais. Primeiro ajudou-me a me despir. Tirando o vestido branco que estava usando o substituindo por um outro, quase que idêntico ao primeiro, porém de um tecido muito mais fino e suave, para vestir por cima das ceroulas. Sentia-me estranha em vestir essas roupas... Era algo novo, assim como tudo dentro da mansão. Não que eu preferisse andar sem nada por baixo do vestido, apenas sentia-me desconfortável em ter de vestir tantas camadas de roupa. 

A camareira ajudou-me depois a vestir uma petticoat acompanhada de mais duas camadas de saias. Fiquei perguntando-me quantas camadas mais teria de vestir, mas principalmente, como a loira conseguiu carregar todo este peso até aqui... Mal havia vestido as roupas de baixo e sentia como se houvessem cinco quilos de tecido sobre meu corpo.

Suas mãos tocaram minhas costas e eu não pude evitar de afastar-me, apenas por impulso, lembrando-me das cicatrizes das cordas do chicote que ficaram marcadas em minha pele. A camareira não demonstrou qualquer surpresa ou comoção quando as viu, como se já estivesse acostumada com esse tipo de marca. Isto deixou-me aliviada, de certo modo. Já estava cansada dos olhares de pena que todos lançavam-me.

Tentando retomar a postura, deixei que ela continuasse seu trabalho, afinal, jamais conseguiria vestir-me sozinha. Ainda de forma impassível, a mulher pegou um dos famosos espartilhos. Já ouvi falar deles, porém nunca tive a chance de usa-los. Quando vivia na mansão D'Lacy era jovem demais para ter um e depois... Bem, depois o S&K aconteceu.

Observei curiosa o corpete branco enquanto a camareira o colocava envolta do meu busto. Não pude conter uma certa animação enquanto ela o fazia. Levei meus dedos até os babados de renda e, enquanto a camareira apertava as cordas em volta do meu busto, via as curvas do meu corpo acentuando-se. Sentia-me como uma mulher, pela primeira vez. Não uma garotinha, uma jovem... Uma mulher de verdade.

Dirigi meu olhar para um grande espelho em formato oval, no canto do quarto. Podia ver claramente minha imagem através de sua superfície um pouco empoeirada. Minha pele, extremamente pálida, ainda exibia o mesmo tom doentio que sempre teve... Meus braços, era tão finos que podia-se ver com clareza onde os ossos faziam ligamento. Ainda haviam as cicatrizes espalhadas por todos os lados, manchando minha palidez com tons de violeta e vermelho.

As maças do meu rosto eram bastante nítidas através da pele. Parecia quase não ter sobrancelhas devido ao tom tão claro quanto as nuvens do céu que estava impregnado tanto em meus cabelos quanto em todos os outros pelos de meu corpo. Mal podia-se saber onde meu rosto terminava e onde meus cabelos começavam. Poderia confundir-me com um dos fantasmas que vejo facilmente. Por mais incrível que parecesse, isto deixou-me aliviada... Não era ela quem eu via... Não era minha mãe que estava ali. Era apenas a mundana eu que me encarava de volta naquela imagem.

II

Assim que terminou de ajudar-me com o vestido pesado, a camareira fez com que eu a seguisse para fora do quarto. Podia ouvir o som dos pequenos saltos das botas que coloquei ecoando pelo piso de mármore abaixo de nós, enquanto lutava para não cair sob o mesmo. O espartilho obrigava-me a manter uma certa postura ao caminhar, enquanto as saias atrapalhavam um pouco minha movimentação.

Sentia-me estranha, para não dizer desconfortável com tais roupas, porém não queria recusa-las e muito menos troca-las. Estava determinada a agir como uma daquelas mulheres da corte ou damas de alta classe que sempre pareciam estar perfeitas... Mesmo que ainda estivesse muito longe disso.

A mulher levou-me até uma grande porta dupla, ornamentada com dezenas de desenhos dourados e entalhos delicados sob a madeira escura. Podia sentir o doce aroma de um assado através dela... Faziam anos que não o sentia. Outros odores começaram a invadir meu olfato e não pude conter um suspiro, desejando aquilo mais que tudo.

Tentei ignorar este desejo e concentrar-me no porquê estava ali. Não era um simples jantar e sim um interrogatório. Queria respostas e as teria naquela noite! Ainda não confiava naquele senhor e não poderia falar com Jared ou Carter, não conseguira fazê-lo e, quanto a Ethan, duvido muito que fosse dizer qualquer coisa sem a presença dos outros... Restava-me apenas este jantar.

A camareira abriu as portas pesadas lentamente, revelando o imenso salão dourado que lá ficava. Assim como em todo o restante da mansão, podia-se ver dezenas de desenhos nas paredes, porém estes eram bastante realistas e fáceis de se ler. Próximo ao teto, de onde desciam grandes candelabros luminosos, haviam seres celestiais, como anjos voando sob as nuvens, segurando espadas e arcos.

Logo abaixo disso, o céu tornava-se cinzento e, ao invés do sol dourado, tudo estava cercado por uma tempestade... Haviam pequenos pontos espalhados por todos os lados deste cenário, um azul, outro verde, depois âmbar e assim por diante, imitando o tom dos olhos das pessoas sentadas sob a mesa. Porém, o que mais chamava minha atenção, era o que estava próximo ao tapete, do mesmo tom dos ornamentos no teto...

Uma densa nuvem negra estendia-se por todos os lados, onde apenas algumas figuras sombrias pareciam emergir... Como se estivessem quebrando as paredes e tentando escapar de dentro do desenho. Elas não tinham forma, nem rosto, quase misturavam-se à neblina negra que as envolvia e, ainda sim, conseguiam ser bastante claras para mim.

— Seja bem vinda, senhorita Jane! - uma voz um pouco cansada, porém alegre ressoou pela sala de jantar fazendo com que eu voltasse a tona. - Fico feliz em ver que as roupas de Tessa serviram perfeitamente em você.

Respirando fundo, dirijo meu olhar à grande mesa no centro da sala. Reconheço de imediato alguns rostos. Carter é o primeiro sentado a borda da mesma, vestindo o mesmo que mais cedo, porém estava deveras mais desarrumado que antes. Como tivesse se envolvido em uma briga... Algumas marcas roxas, pareciam confirmar isso. Ele nada fez quando me viu, apenas sorriu levemente.

Um comportamento muito diferente do garoto ao seu lado que não parava de encarar-me com aquele mesmo olhar intenso e enigmático que sempre estava nítido naqueles olhos azuis. Ainda estava tão deselegante quanto mais cedo e parecia demonstrar os mesmos sinais de luta que Carter. Perguntava-me o poderia ter acontecido entre eles...

Desviei meu olhar para Ethan, ao lado direito de Jared, não podendo mais olhar para o mesmo com medo de que aquelas lembranças ruins voltassem a dominar minha mente. O rapaz dos olhos âmbar apenas acenou rápidamente para mim, o qual retribui o gesto involuntariamente.

A última figura que reconheci, era feminina... Os cabelos cacheados estavam presos, em um penteado muito semelhante ao que a camareira fez em meus cabelos. Estava usando um vestido azul, claro como o céu, bastante diferente das roupas de enfermeira que estava acostumada a vê-la vestir. Suas mãos estavam cobertas por luvas no mesmo tom do vestido. Cobrindo tudo até seus cotovelos, ocultando as cicatrizes que ganhara no S&K, provavelmente.

Sem saber muito bem o que fazer a seguir, apenas olhei para a camareira em busca de qualquer instrução que fosse e a mesma indicou-me um lugar vago, na extremidade esquerda da mesa, próxima a duas outras pessoas que não conhecia e ao senhor grisalho que estava sentado entre as duas extremidades, como se aquele lugar fosse o mais importante à mesa...

Ao meu lado direito, havia uma moça jovem, da minha idade talvez, de cabelos tão dourados quanto os da camareira. Tinha as bochechas tão rosadas quanto uma flor, os lábios eram carnudos e possuíam o tom avermelhado de uma rosa. Em seu busto, bastante marcado pela forma do espartilho, um colar de pérolas brancas caia suavemente, acompanhando o desenho dos seios. O vestido que eu estava usando era definitivamente seu.

Do outro lado da mesa, sentado de frente para mim, estava um outro rapaz, bastante sorridente eu diria. Seus olhos castanhos observavam-me com curiosidade. Analisando cada ponto do meu rosto, como se estivesse tentando ler o que estava em minha cabeça. Desviei meu olhar dele, constrangida.

Dirigi-me ao homem mais velho, tentando manter o máximo de controle que conseguia sobre minha voz que insistia em tornar-se tremula. Sentia minha boca salivar, pensando nos pratos que estavam dispostos à mesa... Assados, cozidos, diversas bebidas com um cheiro tão aromático quanto frutas frescas. Perguntava-me qual seria seu gosto... Tudo que conhecia era o ensopado sem sabor que cheirava a meias sujas do S&K.

— Eu agradeço a sua hospitalidade - disse limpando a garganta. - Mas, sobre a conversa que me prometera...

— Já provou vinho, querida? - a voz feminina da moça ao meu lado interrompeu-me de repente. Eu apenas a encarei confusa - Suponho que não - concluiu por si mesma. - Acredito que não era a bebida mais requisitada naquele manicômio.

— Teresa! - exclamou o rapaz à minha frente repreendendo-a.

— Ora, o que foi? - Ela dá de ombros. - Estava apenas perguntando já que ela não parava de encarar o jarro. Carter - Tessa dirige-se ao rapaz no outro extremo da mesa -, peça a Jasmine que sirva uma taça para Jane. Ah, e que traga os outros serviçais para servir os pratos, estou faminta! - Acrescentou.

Carter nada disse, apenas dirigiu seus olhos verdes para os da mulher loira que trouxe-me para o salão. Imediatamente, ela fez exatamente o que Tessa havia solicitado, antes de retirar-se do cômodo as pressas.

Encarei a taça reluzente sob a mesa à minha frente. Podia ver o líquido escuro da bebida através da superfície da mesma. "Então isto era vinho?" perguntei-me curiosa. Lembrava-me dos adultos bebendo algo similar a isso quando criança. O cheiro forte era-me familiar de fato...

— Não precisa preocupar-se com nada, minha querida - disse o senhor roubando mais uma vez minha atenção. - Como vê somos apenas pessoas comuns, na medida do possível, é claro... Uma família, como gosto de colocar. - Ele indicou as outras seis pessoas à mesa. Todos encaravam-me ansiosos, de certa forma. Como se estivessem com medo que eu fosse sair correndo, o que, na verdade, gostaria muito de fazer. - Ninguém está aqui para machuca-la, pode ficar à vontade, afinal, é nossa convidada.

"Não parecia ser isso na conversa que ouvi mais cedo" pensei, porém não ousei dizer.

Encarei a taça mais uma vez, hesitante. Não sabia muito bem como segura-la, então apenas agarrei a parte maior e mais larga com ambas as mãos e a levei até os lábios bebendo uma grande quantidade do líquido de uma só vez, assim como fazia com as canecas de água no S&K. Arrependi-me no mesmo instante que o fiz.

O sabor amargo e ao mesmo tempo adocicado invadiu meu paladar, era forte e marcante, jamais provara algo similar. Senti-o queimar enquanto descia pela garganta e, imediatamente, afastei a taça de minha boca enquanto tossia sem parar devido ao choque. Ouvi a risada de Tessa ao meu lado, enquanto colocava a taça mais uma vez sobre a mesa e tentava acalmar-me.

— Talvez deve-se ter lhe mostrado antes como bebê-lo - disse enquanto erguia sua própria taça com apenas uma das mãos, muito diferente de como eu havia feito.

— Isto não teve graça, Tessa - desta vez, foi Ethan quem se pronunciou.

— Eu discordo - comentou Jared. Apenas o fato de ouvir sua voz fez meu coração acelerar e não pude resistir a encara-lo do outro lado da mesa. Estava escorado na parte de trás da cadeira desleixadamente, enquanto não parava de encarar-me parecendo entretido.

— Não se importe com o comportamento grosseiro deles - disse o rapaz à minha frente parecendo adivinhar o que estava sentindo. - Costumam ser tão educados quanto mulas... Uma hora, acabará acostumando-se.

— Talvez eu não queira acostumar-me... - digo tão baixo que não estou certa se ele me ouviu ou não.

Ele parece querer dizer mais alguma coisa, porém detém-se quando alguns serviçais entram no salão e começam a servir os pratos sem nem mesmo perguntar o que queríamos... Pareciam saber exatamente o que servir a cada um dos presentes à mesa, exceto a mim.

— Do que gosta, Jane? - ouvi a voz de Ethan chamando-me. - Tem alguma preferência?

— Eu... - encarei todos aqueles pratos confusa. "Do que gostava quando criança?" Não conseguia lembrar-me. - Não sei - disse por fim.

— Então descobriremos - respondeu fazendo um sinal para um dos serviçais que passou a servir um pouco de cada uma das coisas que estavam sobre a mesa.

Havia tanta coisa em meu prato que não sabia por onde começar. Tentava lembrar-me das regras de etiqueta à mesa que aprendi em meus anos na mansão, porém não lembrava desses detalhes fúteis.

— Não precisa preocupar-se com etiqueta - riu a loira ao meu lado. - Ninguém aqui, exceto Ethan, faz questão de comportar-se como uma dama ou cavalheiro, vê?

A moça pegou um pedaço de pão de seu prato com as próprias mãos e o levou a boca despreocupadamente. Observei os outros, que pareciam agir da mesma forma, exceto por Ethan, assim como ela disse.

Peguei um dos garfos ao lado do prato, sabia que havia uma ordem para usa-los, porém já que ninguém se importava com isso, também não me importei. A comida era simplesmente divina, não saberia dizer qual era mais saborosa. Senti lágrimas formarem-se em meus olhos conforme sentia aqueles novos sabores. Pareciam tão reais... Tinha medo que fosse apenas um sonho.

Até mesmo esqueci-me do principal objetivo de ter vindo até aqui. Não queria falar ou escutar qualquer um que fosse, apenas comer, com medo que tudo pudesse desaparecer de repente. Bebi mais um gole daquela bebida escura, mas desta vez, como havia observado Tessa fazê-lo. Tornou-se um pouco menos terrível, mas ainda sim, forte demais para que eu bebesse sem fazer careta.

— Vejo que a comida está de seu agrado... - ouvi o senhor comentar divertido.

— É... - disse terminando de mastigar um pedaço de carne. - Delicioso.

— Presumo que não pudesse experimentar coisas como essas no lugar de onde veio - observou o rapaz sentado à minha frente. - Deve estar feliz de estar aqui.

— Sobre isso... - perguntei sem qualquer hesitação. - Onde exatamente é "aqui"?

— Ninguém lhe disse? - rebateu ele surpreso. - Está na Mansão Lencastre.

— Lencastre!? - repeti o nome estupefata. - Quer dizer, aqueles Lencastre?

— Conhece outra família nobre com este nome? - a voz irritantemente zombeteira de Jared ressoou mais uma vez pela sala.

Tentei ignora-lo apenas, enquanto colocava meus pensamentos em ordem. Lembrava-me muito bem deste nome, afinal, era o mais dito pelos meus pais... Pelo que sabia, tratava-se de uma família muito influente e respeitada, portanto era bastante estranho que estas pessoas tivessem qualquer relação com tão alta classe.

— Então vocês - arrisquei - trabalham para eles?

O senhor sentado à borda da mesa deixou uma risada divertida escapar.

— É assim tão difícil acreditar que fazemos parte da família? - ele rebateu minha pergunta com uma outra.

— Para falar a verdade, sim - disse sentindo-me incomodada com toda aquela situação.

— Ela é bastante franca - Tessa riu alto ao meu lado. - Permita-me elucida-la... Este é Gabriel Lencastre, nosso "bem feitor", por assim dizer, e dono desta propriedade.

— Agradeço pela bela apresentação, Tessa - o senhor respondeu com um sorriso. - Embora eu não acredite que o termo "bem feitor" caiba a mim. Afinal, nenhum de vocês está aqui apenas pela minha boa vontade...

— Não entendo... - disse largando os talheres sobre a mesa. - Se o que dizem é verdade, então o que pessoas tão importantes quanto vocês teriam haver com o S&K ou comigo?

Todos a mesa ficaram em silêncio, de repente.

— Camé... Digo - continuo respirando fundo -, Catherine disse-me uma vez que estavam no S&K a pedido de meu pai... Isso é verdade? Porque, até agora, parece a única explicação plausível para tudo isso.

— É um pouco mais complicado do que isso - respondeu o Sr. Lencastre, parecendo hesitar pela primeira vez naquela noite.

— Então era mentira? - digo interrompendo-o. - Meu pai não tem nada haver com isso, certo? Dizer aquilo foi apenas um modo para que eu colaborasse? - sinto uma certa raiva começando a me consumir conforme as palavras saiam pela minha boca. - Eu já devia saber disso... Vocês são todos mentirosos.

— Jane - a voz fraca de Catherine surge de repente, cortando meus pensamentos de imediato. Era bom ouvi-la... -, por favor, acalme-se... - Ela parecia ter dificuldade em formar as frases. - Eu não menti, pelo menos, não em tudo. Só nos escute primeiro... Depois, está livre para dizer ou pensar o que quiser de nós.

Eu respirei fundo, assentindo. Não me atrevi a olhar para ela ou trocar qualquer palavra que fosse. Ainda não sentia-me confiante o bastante para fazê-lo. Mantive meu olhar atento ao Sr. Lencastre, esperando sua resposta.

— Cathie não estava mentindo quando disse que reencontraria sua família — o termo soou estranho para mim, fazia muito tempo que utilizava essa palavra para me referir aos meus pais... Família, não sei se aquilo se encaixava bem -, mas, como disse anteriormente, é algo complicado.

— Por quê? - questionei ele. Não parecia algo muito difícil na minha visão, era só ir até ele, qual a dificuldade?

— Porque, no momento, metade do clã de abutres está atrás da "Princesinha de Porcelana" - Jared intrometeu-se mais uma vez. Aquele garoto estava começando a me dar nos nervos...

— Abutres - repeti a palavra, já havia escutado este termo antes, quando ainda estávamos no S&K. - O que isso significa? E, principalmente, o que eu tenho haver com eles?

— Veja bem, minha jovem - o Sr. Lencastre assumiu outra vez -, creio que já tenha reparado no painel pintado nas paredes desta sala... É um pouco assustador, porém não precisa se sentir intimidada por ele, pois encontrará muitos outros espalhados pela mansão. Vê aquelas sombras? Aquilo são os abutres.

— Não compreendo... - disse encarando a pintura macabra.

— Demônios - explicou o rapaz sentado à minha frente analisando minha expressão.

— Não pode estar falando sério... - respondi, porém fui interrompida quase que imediatamente pela voz irritante de Jared.

— Para alguém que enxerga gente morta você é bem cética - brincou ele de forma entretida.

Lancei um olhar repreendedor na sua direção. Ele pareceu surpreso por encará-lo daquela forma, porém não desviou sua atenção de mim nem por um segundo que fosse.

— Demônios não existem - afirmei de forma segura.

— Pelo contrário, minha cara - o Sr. Lencastre intrometeu-se em nossa pequena discussão, roubando minha atenção mais uma vez -, não só existem, como estão dentro das paredes desta mansão... Seu sangue corre pelos pilares, vigas, arcos e dentro de cada pessoa neste salão.

— Não pode estar falando sério... - disse encarando os outros, buscando por algum sinal de que isto era uma brincadeira, porém ninguém se atreveu a discordar, estavam todos sérios, pela primeira vez. - Vocês são...

— Nós somos - corrigiu-me Ethan de um modo que sugeria que eu também estava na lista.

Levantei-me abruptamente da mesa no mesmo instante. "O que eles estão dizendo? Que história é essa de demônios, isso não faz o menor sentido..." Todos a mesa encararam-me, suas expressões pareciam tão serenas, como se já tivessem passado por esta cena antes.

— Não tenha medo, está segura conosco - o Sr. Lencastre começou, porém eu o interrompi.

— Não! - disse afastando-me da mesa. - Vocês são malucos.

— Querida, pense bem - insistiu o homem levantando-se calmamente de sua cadeira -, porque acha que tem esse dom? Por que consegue enxergar os mortos? Sei que é difícil de acreditar, mas nós já passamos por isso, somos como você... Todos temos sangue de demônio correndo em nossas veias, é por isso que somos especiais.

— São como eu? - essa é a primeira vez que escuto alguém dizer isso. - Vocês também podem ver...

— Oh, não - ele interrompeu-me antes que conseguisse terminar - Todos nós temos dons, mas cada um possui sua própria peculiaridade... Jason possui o dom da empatia, Ethan pode levitar objetos, Cathie e Carter são capazes invadir sua mente e ler todos os seus pensamento e Jared...

— Cria ilusões - completei encarando aqueles olhos azuis, lembrando-me do vazio que pensei ter visto quando vi seu corpo estirado no chão. Aquilo não era real... Agora tudo parecia fazer sentido.

— Assim como eu - disse o Sr. Lencastre contemplado minha reação. - E ainda há muitos de nós espalhados pelo mundo... Escondidos para que os abutres não nos encontrem, eles precisam de nós para sobreviver neste mundo. Mas você, Jane, é especial. Nunca, em toda a história, um de nós conseguiu se comunicar com o mundo espiritual.

— Você fala como se isso fosse algo bom... - respondi.

— Minha jovem, não deveria sentir ódio e nem vergonha de seus dons - o Sr. Lencastre assegurou-me -, ainda não sabemos muito do que é capaz...

— E foi por isso que me resgataram do S&K - conclui tentando absorver tudo que me haviam dito.

— Parabéns, acaba de descobrir a América!

— Jared! - a voz de Carter tenta silenciar o garoto.

Jared apenas o ignora, como sempre o faz. "Porque esse garoto tem que ser tão desprezível o tempo inteiro?" questionei-me, sentindo um rubor colorir minha face, porém, este, não era de vergonha, mas sim de raiva. "Que direito ele tem de zombar de mim? Depois de tudo que passamos dentro daquele inferno... Por que ele tem que ser assim logo agora? Eu estou confusa e assustada! Será que ele não entende?"

— Não - digo, desta vez, criando coragem o suficiente para encarar aqueles olhos azuis que pareciam brilhar como fogo -, deixe-o continuar. Vamos, Jared, diga-me o que quiser. Elucide-nos com seus pensamentos... Já estou cheia de ficar levando alfinetadas a cada frase que digo!

— Tem certeza que está pronta para me ouvir? - diz ele, enquanto empurra sua cadeira de forma abrupta para trás e se põe de pé, esboçando uma expressão hostil. - Pois há poucos segundos nem mesmo conseguia olhar para mim! Não é melhor conversar com Ethan ao invés?

— Jared, já chega disso! - desta vez é Ethan quem o repreende.

— Como espera que eu o encare depois de tudo que passei? - continuo caminhando mais uma vez até mesa, ficando entre Carter e Catherine para que pudesse ficar cara a cara com Jared. - Eu o vi morto! No chão daquele hospício... Vi você ser torturado do meu lado! E isso foi... Eu fiz isso acontecer e senti-me horrível!

— Ah, por favor! - ele ri com desdém. - Você nem me conhecia! Não finja que sentiu alguma coisa quando deu a sentença!

— Querida, escute-me - Sr. Lencastre interveio, porém foi ignorado assim como os demais que tentavam impedir a discussão.

— Eu estou fingindo!? - mais exclamei do que perguntei. - Pelo menos eu não sou uma mentirosa! Você fica dizendo que me "salvou" do S&K. Isso não é verdade! Você só me trouxe aqui por causa do que eu fiz naquela cela! Vocês só estão interessados nisso, no que eu sou capaz de fazer! Então não diga que você é meu salvador, pois não é!

— Não sou? - ele bufou indignado. - Eu te tirei do meio das chamas e te carreguei até a mansão da minha família! Cuidei de você durante dias, mesmo com todos me dizendo que era loucura e tudo que você sabe fazer é reclamar e agir como uma verdadeira maluca! Talvez devesse ter deixado que você queimasse com o restante dos pacientes daquele manicômio!

— Jared, agora já chega! - Carter levantou-se abruptamente, batendo com os punhos na mesa assustando a todos.

Por um instante, a sala caiu em silêncio quase teatral. Tentei controlar minha respiração e meus sentimentos, mas sentia que poderia explodir a qualquer segundo. Eu senti todos os olhares focarem em mim, tentando ler minhas emoções... Pareciam esperar alguma reação que eu gritasse, talvez. Mas eu não conseguia pensar em nada.

Eu não deveria ter começado aquela discussão... Não era isso que eu queria! Eu nem sei o que quero, para falar a verdade.

Sem pensar muito, apenas dei as costas para aquele salão. Abrindo as portas abruptamente e quase derrubando um dos empregados que trazia uma bandeja. "Jared me odeia... Ele realmente me odeia!"


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Notas finais do capítulo

Então, esse foi o capítulo, espero mesmo que tenham gostado, pois deu trabalho kkkk
Eu gostaria muito mesmo que comentassem a história ou favoritassem, pois assim vou saber que estão gostando... Ultimamente, não ando muito inspirada para continuar, pois há poucos comentários e isso me deixa realmente triste, pois quero saber o que estão achando ♥
Agradeceria muito mesmo de saber se ainda estão acompanhando a história e se querem mais capítulos, pois estou trabalhando no restante da narrativa e até mesmo já decidi como será o final. Conto com vocês para que essa história não morra no meio do caminho e possam vir ainda muitos capítulos ♥

Até o próximo.



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