Cartas para Julieta escrita por Capitu


Capítulo 7
O Descompassar da respiração


Notas iniciais do capítulo

Querid@s leitor@s,
Apresento a vocês mais um capítulo de Cartas, feito com muito amor e carinho, espero que gostem!
Como prometido segue o link da playlist com as músicas que inspiraram os capítulos, espero que gostem:
https://open.spotify.com/user/aline.olive/playlist/1FONeWbHNP4Zy0SpjMxO5R?si=l8akKqObSSmDfiZ-Os9rRQ

Boa Leitura!



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Outra vez, eu tive que fugir

Eu tive que correr, pra não me entregar

As loucuras que me levam até você

Me fazem esquecer, que eu não posso chorar

 

Olhe bem no fundo dos meus olhos

E sinta a emoção que nascerá quando você me olhar

O universo conspira a nosso favor

A consequência do destino é o amor, pra sempre vou te amar



Julieta permaneceu mais dias em São Paulo do que imaginava e embora fala-se constantemente com Aurélio pelo telefone já não aguentava mais a dor da saudade, saudades, quantas saudades,  seja de cruzar com aquele belo par de olhos azuis que a fascinavam ou do sorriso que a inebriava, do cheiro e dos toques suaves de seu amado em sua pele, de sua boca e de seus beijos, das palavras ditas ao pé do ouvido; ela contava as horas, os minutos e os segundos daqueles dias que pareciam ser uma eternidade.

Felizmente naquela manhã a eternidade tinha acabado e mãe e filho finalmente se preparavam para retornar ao Vale, agora como donos de duas fábricas - “Talvez um delinear de uma nova era para os negócios da Família Sampaio Cavalcante”- pensou uma animada Julieta que naquele momento observava o filho finalizando a assinatura dos contratos- “meu menino parece estar se sentindo como eu, feliz pelos contratos e novos negócios mas muito mais feliz por poder retornar aos braços da pessoa amada”- foi então que disse:

 

— Está feliz por voltar pro Vale, meu filho? - perguntou colocando as mãos sobre os ombros de Camilo que estava sentado.

— Muito mãe, não imagina a ansiedade que sinto para me encontrar com minha amada Jane e mais ainda para me encontrar com minha filha-  Camilo fez uma pausa e suspirou- mãe como é terrível a saudade que temos dos filhos, é um vazio imenso.

— Sei muito bem como é meu filho ou você acha que eu não morria de saudades quando você estava no colégio interno? Eu não via a hora de ver como você havia crescido, de você me contar as novidades, lamento por não ter te abraçado como deveria, ter te recebido com um monte de beijos- disse Julieta em tom de lamentação.

— Não diga isso dona Julieta, eu sabia que você me aguardava e eu  também aguardava tanto em encontrar a senhora, em pedir ajuda no que eu não havia entendido, em poder observar o quão forte era, e ainda é, a minha heroína- disse virando-se para Julieta e pegando nas mãos dela- eu morria de saudades, as mesmas que uma certa netinha de cabelos clarinhos deve estar sentindo da avó- neste momento Camilo levantou e deu um beijo na testa de Julieta e disse em diversão- agora, creio que não na mesma intensidade que o apaixonado avô dela deve estar sentindo.

— Ai meu filho, assim você me deixa encabulada e sim eu também estou morrendo de saudades de ...- Julieta não conseguiu concluir a frase pois foi interrompida com batidas na porta, era Tião.

— Dona Julieta, desculpe interrompê-la, chegou esta correspondência para a senhora a pouco- disse Tião, entregando o envelope a patroa.

 

Assim que visualizou a letra continuada naquele envelope o coração da rainha do café disparou, ela a muito bem, foram as cartas escritas por aquela letra que nestes últimos dias havia minimizado a dor das saudades, era o escritor a razão dela se sentir amada e de amar e mais uma vez ela era surpreendia com um singelo pedaço de papel enviado por Aurélio. Julieta ela abriu um enorme sorriso que não deixou de ser percebido por Camilo e assim que ela dispensou Tião, ele falou:

 

— Vejo que seu admirador gosta de lhe escrever correspondências- disse em diversão- vou te deixar a sós com estas letras enquanto trago nossas malas para baixo, quero partir o quanto antes mãe- disse dando um beijinho no rosto dela e saindo em seguida.

 

Julieta estava extasiada com aquela carta, fazia pequenos círculos no nome do remetente e antes de abri-la  ficou ali parada de olhos fechados pensando no belo par de olhos azuis bondosos de seu marido e em seu sorriso - “ Uma nova Carta para Julieta, só você mesmo meu amor”- pensou emocionada- e assim abriu aquele envelope que continha um pequeno bilhete dizendo:

 

“Meu amor,

Faz  tanto tempo que não te vejo, tanto tempo que não sinto seu cheiro, seu toque, seus lábios nos meus, vem logo pra casa, vem matar o meu desejo de te ver, volta pra eu te encher de amor, pra viajarmos em nossas memórias, para curtirmos nossos netos, para andarmos a cavalo no final da tarde, para passearmos por suas rosas que estão em nosso jardim, deixe os negócios um pouco de lado e volta correndo pra mim!

Te mando um monte de beijos,

sinto uma saudade sem fim!

Do seu,

Aurélio ”

 

Julieta não pensou duas vezes, pegou aquele pedacinho de papel, guardou os contratos em um pasta, avisou Mercedes para que os entregasse aos advogados no final da tarde, correu até onde Camilo estava e disse:

 

— Vamos sair agora mesmo meu filho, não podemos adiar por mais nenhum segundo a nossa volta ao Vale, quero chegar lá ainda antes do jantar- concluiu.

— Já era tempo minha mãe! Tchau Mercedes- finalizou um animado Camilo despedindo-se da empregada e levando para o carro as últimas malas que restavam.

 

Mãe e filho partilham de uma tranquila viagem até o Vale do Café, no caminho conversaram sobre como estes últimos anos tinham sido diferentes para ambos, tinham passado a limpo a história da família, conhecido os amores de suas vidas, partilhado de inúmeras alegrias, ganhado uma família que nunca imaginaram ter; estavam felizes; desde que tinham se reconciliado se aproximaram como nunca, eram melhores amigos, confidentes, parceiros de vida e de negócios. Julieta se orgulhava de quem seu filho havia se tornado e ele se sentia honrado por ser filho de uma mulher tão forte e guerreira, sua heroína como ele mesmo dizia orgulhosamente a todos.  

Chegando ao Vale fizeram uma primeira parada na casa dos Benedito; Camilo soube pela manhã que Jane havia ido passar os últimos dias na companhia das irmãs, sobrinhos e dos pais. Assim que chegaram mãe e filho foram recebidos com muita festa e carinho, especialmente por uma linda menininha de olhos castanhos e cabelos claros que ao ver Julieta saindo do carro correu desesperadamente ao seu encontro com bracinhos levantados:

 

— Vovó Jujutinha!- disse enquanto Julieta a pegava no colo e a enchia de beijinhos, a Rainha do Café se sentia tão abençoada por ter uma neta completamente apaixonada por ela.

— Minha bonequinha, a vovó estava morrendo de saudades de você, de brincar, de te pegar no colo e te apertar bem forte e fazer cosquinhas- disse Julieta fazendo cócegas no corpinho da menina e a abraçando apertado.

— E do vovô Lelio? Também morreu de saudades?- disse a menina olhando-a com olhos curiosos.

 

Camilo, Jane e dona Ofélia não se contiveram e gargalharam com a pergunta da menina, mesmo sendo pequena a menina Julieta percebia que seus avós paternos eram extremamente ligados e ela contava para todos que amava seus avós “Jujutinha” e “Lelio” pois eles a levavam para passear a cavalo. Foi a vez de dona Ofélia aproveitar daquele momento para provocar Julieta:

 

— Dona Julietinha, até nossa neta sabe que a senhora não vive sem aquele homão garboso e popentoso do senhor Aurélio, aposto que ele deve estar ansioso por vê-la.

— De fato dona Ofélia, eu não vivo sem meu marido- disse, dando uma piscadela- e também estou muito ansiosa por encontrá-lo- finalizou colocando sua neta no colo de Camilo, ainda que sob protestos da menina.

— Ele esteve aqui pela manhã dona Julietinha, estava acompanhado dos gêmeos, que aliás ainda estão aqui. Seu marido estava visivelmente triste e solitário, deve estar mortinho de saudades- concluiu Ofélia.

— Estou de prova dona Julieta- disse Elisabeta que ao ver a amiga correu para abraçá-la- estive a pouco com ele em nossa fazenda, ele disse que iria trabalhar todo dia pra tentar ocupar a mente e amenizar a saudades- disse pegando nas mãos de Julieta- é tão lindo ver o quanto ele é devoto e terrivelmente apaixonado pela senhora.

 

Julieta não respondeu Elisabeta, ficou ali sorrindo para amiga pensando em quanto era feliz, já era praticamente a terceira vez naquele dia que alguém havia dito o quanto Aurélio a amava e ela não podia de deixar de se surpreender com este sentimento, ficava impressionada que mesmo casados a três anos, seu marido fazia questão de demonstrar pra todos que pudesse que aquela paixão inicial não havia morrido e sim crescia e florescia a cada dia.

Assim sorrindo e cheia de saudades  Julieta prosseguiu durante o fim da tarde, aquela passagem na casa de dona Ofélia não foi tão rápida como esperavam pois ali estavam seus netos e os demais priminhos e esta “nova Julieta” como ela mesma gostava de dizer, tornou-se a companhia preferida das crianças, todos disputavam a atenção e o carinho da Rainha do Café. Foi então que Elisabeta surgiu com uma ideia inusitada, chamou Camilo e disse:

 

— Camilo, acho que esta noite vocês poderiam deixar sua mãe e Aurélio sozinhos em casa, hoje encontrei com Aurélio e ele estava cheio de saudades, estava até triste você tinha que ver- disse parando para pensar - já sei, fale com Ema e Ernesto, peguem as crianças, o barão e venham jantar comigo, Darcy, Charlotte e Olegário em nossa fazenda.

— De fato Dona Julieta esteve estes dias todos em São Paulo ansiando estar com Aurélio, eu queria ver Jane mas também queria ficar a noite toda brincando com a Juli o que faria muito barulho em nossa casa- disse pensativo- logo acho uma excelente ideia Elisa, podemos ter uma noite muito agradável e divertida com nossos filhos em sua casa e meus “pais”- disse sorrindo e fazendo as aspas com as mãos- tendo este momento só para eles, além disso, tenho certeza que o barão vai adorar passar algumas horas com seus bisnetos.

— Ótimo, então vamos colocar nosso plano em prática, vou segurar Aurélio na Fazenda, você me liga quando estiverem saindo da Ouro Verde, ai eu o libero pra que ele se surpreenda com Julieta estando em casa, vocês não avisaram que vinham hoje não é?- perguntou curiosa.

— Não avisamos minha amiga, ontem finalizamos os contratos muito muito tarde, minha mãe nem conseguiu falar com Aurélio ao telefone, algo que eles estavam habituados a fazer todas as noites- disse sorrindo - bom vou buscar minha mãe, Jane e as crianças pra levar pra casa, até logo minha amiga- finalizou se despedindo de Elisa.

 

No retorno para casa Camilo comunicou a mãe que Elisabeta havia convidado toda a família para jantar mas que havia avisado que ela poderia ficar livre para recusar o convite já que estaria cansada da viagem; Julieta ficou aliviada e informou Camilo que ficaria em casa aguardando o retorno de Aurélio do trabalho, ela havia esquecido que não deu tempo de avisar seu marido do retorno e estava visivelmente chateada por não poder recebida por ele de braços abertos, subiu até o quarto, tomou um banho, se vestiu e decidiu sentar-se  recostada na cabeceira da cama para ler um livro, contudo, como estava cansada acabou dormindo e não percebeu o passar das horas.

Aurélio chegou em casa após ser liberado tardiamente de seus compromissos de trabalho e estranhou o silêncio, observou que não havia ninguém ali além dos empregados que estavam na cozinha, foi até lá  perguntou onde estavam todos, foi então que Dolores respondeu:

— Foram todos jantar na casa de Dona Elisabeta, seu Aurélio, exceto Dona Julieta que está no quarto desde a hora que chegou - finalizou a empregada.

—Julieta? - perguntou Aurélio incrédulo- “quer dizer que minha amada está sob o mesmo teto que eu e eu só soube agora”- pensou, sentindo seu corpo vibrar de expectativa por vê-la.

— Sim senhor Aurélio, agora se o senhor me der licença, vou deixar preparado as coisas para que jantem, uma mesa para dois- disse a empregada sorrindo.

 

Aurélio mal deixou Dolores completar a frase e saiu em disparada rumo ao segundo andar da casa, se sentia como um garoto apaixonado correndo para observar sua musa inspiradora; subiu as escadas tão rápido que ficou sem ar, recostando-se sobre a porta do quarto, respirou fundo, bateu na porta, mas não obteve resposta - “ela deve estar no banho”- pensou, ingressando no cômodo.

Foi então que viu em sua cama aquela que para ele era a mais bela das visões, Julieta dormia serenamente, embora em uma posição um tanto incômoda, cercada de travesseiros e com o livro em seu colo- “tão linda, mesmo dormindo de óculos”- pensou Aurélio, fechando os olhos com a intenção de capturar o cheiro de sua amada.  Ele então se aproximou dela, fechou o livro, sentou-se ao lado dela e começou a passar a mão sobre seus cabelos sedosos dizendo palavras doces ao pé do ouvido dela.

 

— Acorde meu amor, me deixa ver estes lindos olhos inebriantes- disse fazendo carinho na têmpora de sua amada.

— Uhh- supirou Julieta, virando-se para o lado e assim ficando com o rosto de frente para Aurélio.

— Acorde meu amor, sou eu seu Aurélio- disse acarinhando as bochechas de Julieta.

— Aurélio? - disse Julieta ainda de olhos fechados- eu…te amo- disse Julieta ainda em um estado tão sonolento que Aurélio não conseguia saber se ela estava ou não acordada.

—Eu também meu amor, com todo meu coração- enquanto dizia isto, o botânico contornava com os dedos os lábios rosados de sua amada, não tinha dimensão da saudades que sentia de beijá-la e estando ali tão próximo a ela parecia que a vontade se multiplicava em mil vezes. Então disse- acorde minha bela rainha adormecida, quero matar a saudade de você.

 

Neste instante Julieta despertou, abriu os olhos devagar e ao ver o rosto do marido tão próximo ao dela abriu um amplo sorriso; lá estava ele, o dono dos olhos que ela mais amava em toda a terra, seu doce e amoroso marido. Sem responder ela ergueu as mãos, tirou os óculos jogando-o sobre o criado-mundo, virou-se novamente para Aurélio e acarinhou seu rosto. Quando ele ia falar ela colocou a mão sobre os lábios para que ele se calasse, seguiu com os dedos contornando o rosto, passou a mão sobre sua testa, têmporas, bochechas, queixo e finalmente o beijou, um beijo cheio de amor, paixão e saudades.

Aurélio respondeu na mesma moeda, trazendo-a para mais perto, beijando-a com paixão e doçura; sentaram-se frente a frente sobre a cama, e quando já estavam sem ar, abraçaram-se com toda força, tentando capturar aquele abraço todos os abraços e carinhos que gostariam de ter trocado pelas conversas ao telefone. Foi então que Julieta finalmente falou:

— Não sabe como eu esperei por isso, voltar a nossa casa, ao nosso quarto, abraçar e beijar você, sentir seu calor, o toque de suas mãos sobre meu rosto, a doçura do seu olhar sobre mim- concluiu abaixando os olhos e sorrindo. 

— Está me fazendo declarações de amor dona Julieta? Não era a senhora que não gostava deste tipo de coisas?- disse Aurélio em tom humorado e provocativo.

— Já lhe disse que por você eu farei isto e muito mais, pois não há nada que eu não faça pra te ver feliz- disse com voz sedutora.

— Não há nada mesmo minha rainha? - com o tom sugestivo de Aurélio, Julieta fez apenas um aceno com a cabeça; ele então se aproximou dela e continuou dizendo:

—Certo, antes que eu lhe faça um pedido especial, permita-me lhe dizer ao pé do ouvido uma declaração da minha saudade- disse ele se aproximando dela, sussurrando- sois a mais bonita das mulheres minha doce Julieta, seu sorriso me deixa tonto, seu perfume me deixa sem ar, viver estes dias longe de você foi um martírio, quase como uma eternidade, triste e vazia, hoje contudo, meu inverno longo e severo acabou e eu posso então olhar em seus lindos olhos castanhos e dizer-te- neste momento Aurélio posicionou-se frente a frente com Julieta e olhou no fundo dos seus olhos- que você é tudo pra mim, te amo e te venero.

 

Julieta com lágrimas em seus olhos apenas fechou a distância entre eles e o beijou profundamente, buscava demonstrar naquele beijo toda sua devoção, seu amor, seu desejo, sua gratidão por tê-lo com ela, por juntos dividirem aquela vida, que ela jamais imaginara que teria. O beijo foi se aprofundando e logo o casal buscava ansiosamente aprofundar seus toques, Aurélio então prosseguiu beijando o rosto de sua amada, a dobra do pescoço, até que quando decidiu puxar as mangas dela para tirar o seu vestido ouviu um ronco alto, era o estômago de Julieta, ele então parou e começou a gargalhar alto, perdendo completamente o romantismo do momento. Ela então quebrou o silêncio:

 

— Acho que estou com fome, me desculpe meu amor, eu não queria interromper nosso momento desta forma- disse sorrindo, envergonhada com tal manifestação altamente inapropriada de seu estômago.

—Creio que percebi dona Julietinha- disse Aurélio acalmando-se de suas gargalhadas- desde quando você não se alimenta? Quer ir jantar?

— Desde o café da manhã sendo bem exata, sai tão ansiosa pra te ver devido a carta- neste momento ela parou- aí meu querido, eu nem te agradeci, você só me surpreende, fiquei encantada com seu bilhete- disse dando-lhe um selinho nos lábios.

— Que bom que gostou meu amor, agora venha, vamos alimentar nossos corpos, para depois prosseguirmos de onde paramos- disse piscando o olho.

 

Desceram para jantar e ali junto a boa comida e ao vinho conversaram sobre todos os assuntos que gostariam de colocar em dia, Julieta contou dos negócios em São Paulo, das tardes e noites que pode compartilhar com seu filho, da ida que fizeram ao teatro, já Aurélio contou sobre o trabalho na Fazenda Williamson, das novidades da cidade, do jantar que fez na casa de dona Ofélia e sobretudo de todos os momentos que compartilhou com seus netos; neste momento os olhos de Julieta brilharam de amor  e emoção por a imaginar seu marido amoroso cercado pelas crianças, pode até imaginar ele no sofá da sala com os três empilhados sobre ele- “como uma montanha vovô”- diria o menino Gaetano.

Assim , enquanto Aurélio falava, Julieta viu-se pensando naquele cômodo especial da casa deles, a sala, naquela sala, onde tudo havia começado, onde seus olhos cruzaram-se pela primeira vez e onde havia compartilhado uma das passagens mais inesquecíveis de sua vida, o segundo beijo que deram, um beijo como ela jamais havia recebido em toda sua vida; com ternura, com amor, com cuidado, cheio de carinho.

Ela então se levantou, pegou nas mãos do marido, que ainda falava e o levou até a sala; como estavam sozinhos ocorreu-lhe a ideia de realizar a leitura de seu diário sobre aquele momento ali mesmo naquela sala, para que ele soubesse tudo que ela sentiu e também para que ela soubesse tudo que ele sentiu em um dos momentos mais especiais de suas vidas. E assim ela olhou nos olhos dele e disse:

 

— Foi exatamente neste lugar, nesta posição, que tivemos um dos momentos mais memoráveis de nossa história, Aurélio - disse emocionada.

— A segunda vez que nos beijamos, lembro como se fosse hoje, você me dizendo que não se renderia ao meu cortejo chinfrim porque “era dona absoluta de suas emoções” - disse imitando-a.

— Ai Aurélio, eu estou aqui emocionada, sendo doce, algo que não é do meu feitio e você caçoa de mim- disse fazendo biquinho- pois saiba que naquele momento eu estava sob total controle das minhas emoções, até que, até que …- Julieta não concluiu, pois foi cortada por Aurélio.

— Até que no meio da sua raiva admitiu que pensava em mim- disse Aurélio orgulhoso e triunfante- eu sei você já me amava, admita senhora Cavalcante- falou acarinhando o queixo de sua esposa.

— Mas o senhor é mesmo pretensioso e petulante viu- disse Julieta ainda fingindo irritação- porque não lê agora o meu diário e tira suas conclusões do que eu sentia a partir dele? Ler seu diário?- disse Aurélio surpreso- acho uma excelente ideia meu amor, mas eu só aceito sob uma condição, que você o leia em voz alta.

— Eu aceito suas condições, desde que você leia a sua carta para mim, aqui, neste mesmo lugar que aquele beijo tão inesquecível aconteceu- disse Julieta caminhando em direção da escada- espere um pouquinho que eu vou buscar ambas as coisas- finalizou.

 

Enquanto fazia o caminho para apanhar a carta e o seu diário, Julieta  se preocupava se daria conta de ler o diário na frente de Aurélio, sabia o peso de suas palavras ali escritas, sabia exatamente tudo que tinha sentido e como havia buscado contornar a situação naquele dia e nas semanas que seguiram; logo, ela temia não conseguir concluir a leitura e fazer um grande vexame emocional, claro, sabia que Aurélio estaria ali com ela, a compreenderia e demonstraria não ligar para seu estado calamitoso, mesmo assim, sentia um frio enorme na barriga pelo que estava por vir naquela sala.

Quando estava saindo do quarto já em posse dos objetos, lhe ocorreu outra ideia, que a poderia salvar do papel desastroso de chorona, que ela prontamente colocou em prática; desceu vagarosamente o primeiro lance de degraus, sentou-se, dali onde estava Aurélio não podia observá-la por ser o ponto cego da escada, mas poderia ouvir com clareza a sua voz, então  respirou fundo e começou a leitura:

 

Vale do Café, março de 1910

Estou aqui, novamente buscando entender tudo que vem acontecendo nos últimos dias, especialmente a partir do momento que cruzei com aqueles olhos azuis, profundos, bondosos e petulantes do senhor Aurélio Cavalcante. Me encontro em um estado de descontrole, logo eu, que achava que tinha controle absoluto das emoções, estou em um completo desgoverno, o que está acontecendo? Que situação é essa? O que é isto que sinto tão vivo dentro do meu peito, mas que ao mesmo tempo me amedronta e desespera? Quem é esse homem?  Que poder é esse que ele tem sobre mim?

Racionalmente não consigo compreender o que sinto por este homem, são sentimentos conflituosos, sensações inebriantes que são capazes de me  fazer perder o rumo das minhas ações e quando vejo já estou falando coisas que não deveria sequer pensar, deixando que se embaralhem minhas linhas de raciocínio e os meus próprios argumentos; como aconteceu nesta tarde, quando naquele momento em que eu expunha a ele toda a minha raiva por seu cortejo barato, deixei escapar que tenho pensando nele. Um erro fatal, que jamais deveria acontecer com a Rainha do Café. Óbvio que eu tenho pensado nele, basta olhar as palavras que aqui escrevi, contudo insisto, eu não vou me dobrar a este cortejo chinfrim uma tática barata para querer me dobrar, típico de todos os homens e ele é igual a todos os homens, acha que sou fraca, que vai me ganhar em poesias, que vai me ganhar em um beijo suave, cheio de ternura, que vai me ganhar com suas palavras doces, como as proferidas a mim esta tarde.

Ele disse que pensar em mim faz ele perder o ritmo da respiração, faz as mãos dele transpiram e o corpo dele vibrar, enquanto ele falava tudo isso, eu fiquei muda, magnetizada, parecia que o tempo havia parado e tudo em volta de nós e só havia nós dois…”

 

Neste momento Julieta parou, estava com olhos cheios de lágrimas; recordar aquele momento, aquelas sensações, aquelas palavras doces, era demais para ela suportar sem respirar e processar, foi então que se levantou da escada e desceu os degraus, encontrou Aurélio sentado do lado esquerdo do sofá com os olhos fechados, quando ele percebeu ela se aproximando disse baixinho:

 

— Você não vai continuar lendo, meu amor ?

—Sim, vou tentar, estou um pouco emocionada por relembrar este dia, foi muito importante para eu dimensionar algumas coisas que vinha sentindo- concluiu Julieta, sentando-se no sofá próximo a ele.

 

Aurélio então abriu os olhos, se aproximou mais um pouco de Julieta, colocou as duas mãos em sua bochecha, exatamente como havia feito naquele dia que Julieta narrava e disse, olhando fundo nos olhos dela:

 

— Eu entendo, pois neste dia eu senti que algo a mais nascia dentro de nós- pausou e beijou-lhe delicadamente em um selinho- você quer que eu continue pra você?- finalizou.

 

Julieta apenas acenou com a cabeça e estendeu a ele o diário e a carta que estava já um pouco amassada em sua mão; Aurélio  pegou o diário, colocou a carta sobre o colo dela, virou um pouco de lado, para que ficasse frente a frente e retomou a leitura do ponto em que Julieta havia parado

 

“... nós dois, em uma sintonia fina, rara, eu estava muda, atraída como um imán para aqueles olhos e por aqueles lábios que proferiam palavras tão doces, eu sentia minha respiração descompassada e fiquei apenas esperando que ele seguisse com as ações dele, eu estava quase em choque, como pode um homem ser tão doce, sensível, ou mesmo capaz de não parar de pensar em mim? Uma mulher fria e dura, castigada pela vida. Quando ele colocou a palma de sua mão sobre o meu rosto e fez um carinho em minha bochecha eu me assustei, senti medo, medo não dele me violentar e me agredir mas sim receio de tudo aquilo que estava acontecendo, quase um pavor, provocado por todas as sensações que se manifestavam dentro de mim; após este carinho não consegui resistir, nos beijamos e desta vez, de uma forma suave, carinhosa, doce, bela, foi então que despertei, quebrei o beijo  e sai desesperada.

Volto a pergunta inicial desta escrita, o que está acontecendo? eu perdi o controle, perdi completamente o prumo, ele está apenas tentando me enganar, embora com suas atitudes e palavras doces; eu preciso fazer alguma coisa para me proteger não dele mas de mim mesma, porque embora racionalmente eu saiba que ele está me cortejando para que eu recue com meus planos de negócios a partir da compra da fazenda da família dele, eu não consigo mais controlar estes impulsos luxuriosos e irracionais, eu estava me rendendo a um homem? Eu devo estar completamente louca, preciso me proteger para que isto nunca mais se repita, tenho que acabar com os negócios com os Cavalcante de uma vez por todas, para isto preciso de alguém que me proteja de nunca mais ficar a sós com este senhor, tenho que agir o quanto antes”.

 

Aurélio fechou o diário e olhou profundamente para Julieta, acarinhou o rosto dela, ela fechou os olhos, retribuindo o carinho e a ternura com um sorriso nos lábios, foi então que ela quebrou o silêncio e disse:

 

— Sabia que desde aquele dia este tornou-se um dos hábitos nossos favoritos? Quando você coloca suas mãos sobre meu rosto e me acarinha com ternura, eu sinto o tempo passar de outra forma, um tempo só nosso- concluiu.

— Você fugiu de mim neste dia, fugiu de nós, agora entendo, você, para além de não compreender o que se passava, tinha medo de se machucar- suspirou.

— Sim, eu tive que fugir, correr, pra não me entregar a aquilo que sentia, porque eu achava racionalmente que você estava apenas me manipulando, na verdade eu não entendia tudo aquilo, era muito confuso pra mim, eu tive medo, medo de mim mesma- disse Julieta, mordendo os lábios.

— Foi aqui que você percebeu que estava apaixonada por mim?- perguntou Aurélio.

— Não, não foi neste momento, eu achava que era só sensações luxuriosas, pensamentos vãos de uma mulher sem controle e foi por isso que eu contratei Olegário, já sabia que você não gostava dele, apenas o contratei para assegurar que nunca mais estaríamos sozinhos no mesmo ambiente e eu estaria salva de minhas tolices- concluiu Julieta.

 

Neste momento Aurélio tomou Julieta  se levantou e tomou Julieta pelas mãos, colocando-a na mesma posição daquele dia que haviam se beijando pela segunda vez, aproximou-se dela, ainda segurando suas mãos fazendo carinho e disse:

 

— É bom saber que partilhamos do mesmo pensamento e que você também pensa em mim, mais que isso, é bom saber que nos amamos em igual medida e que você, a mulher que eu admirei desde o dia que eu vi, também ficou balançada por mim, quase como eu, apenas não sabia como dimensionar tudo isso. Eu sabia que  aquela conexão era real e não era só minha, que você também sentia aquela emoção que nasceu desde o dia que nos olhamos no fundo dos olhos, a consequência do destino era o amor - concluiu, aproximando-se dela, tomando-lhe a face e beijando-a com amor, com carinho e paixão.

 

Julieta prontamente correspondeu o beijo, um beijo que ela dava com lágrimas escorrendo por sua face, estava emocionada, tomada por um sentimento bom, era o destino, o universo, que naquele segundo beijo conspirava a favor daquela história de amor que duraria para sempre. O beijo foi se intensificando em um apertado abraço até que de repente ouviram-se risadas, seguidas de uma voz de criança:

 

—Olha Gae, Vovó Jujutinha e Vovô Lelio estão dando beijo na sala- disse Julietinha,virando-se para o primo.

— Vou contar pra mamãe- respondeu o menino olhando pra porta e gritando- mamãe, mamãe, vovô Lélio tá na sala com a vovó Juju, eles estão fazendo igual você e o papai- disse o menino mandando beijinhos em direção a Ema que saia do carro com seu outro filho Afrânio que dormia em seu colo. Mais próximo a porta estava Jane, Camilo e o Barão que tinha sua cadeira sendo empurrado pelo mais novo.

— Ah esses dois, uma vez peguei eles se beijando aqui nessa sala, quando ainda morávamos nessa casa, eu jurava que sua mãe e Aurélio eram amantes - disse o Barão em alta voz.

 

Aurélio e Julieta viraram-se desconcertados para a porta de entrada da casa, haviam sido pegos em flagrante por seus netos; os demais entravam na casa rindo da situação e da indiscrição, tanto das crianças, como do Barão, que denunciou em alto e bom som que havia pego Julieta e Aurélio aos beijos muito antes de assumirem publicamente que tinham um romance. Julieta ficou deveras surpresa com a fala do Barão e falou:

 

— Como assim, o Barão viu o nosso beijo e você nunca me contou?- disse olhando para o rosto de Aurélio.

— Ele não só viu como disse que eu o estava o traindo- disse Aurélio colocando as mãos sobre as costas de Julieta e falando baixinho ao pé do ouvido dela- isso eu escrevi na carta que ia te mandar.

— Eu disse mesmo- respondeu o Barão, cortando os cochichos do casal- oras, imaginem só vocês, eu estava prestes a ser expulso e de repente vejo meu filho beijando a rainha das cascavéis- finalizou, dando uma piscadela em direção a nora.

 

Todos caíram na gargalhada, enquanto Gaetano e Julietinha aproveitavam-se do momento para correr em direção ao colo dos avós; foi então que Julieta e Aurélio sentaram-se no sofá, ele com a menina no colo, ela com o menino, ambos haviam pedido para ficar ali com eles. Julieta falou baixinho para Aurélio:

 

—Fomos interrompidos e a sua carta meu amor? Estou curiosa, quero saber o que você pensou naquele dia- disse em um sussurro.

—Fica para mais tarde em nosso quarto- ele lhe respondeu dando um leve sorriso.

 

E assim ambos ficaram ali com as crianças no colo para que pegassem no sono, em seus corações levavam a ansiedade por compartilhar a carta que faltava e juntos celebrarem aquele memorável da história daquele casal.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pela leitura, agradeço demais por todo os comentários aqui ou no twitter, peço perdão pela falta de respostas, mas eu leio todos todos!

Um abração,
@cafeerosas (Line)



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