Send escrita por wldorfgilmore


Capítulo 4
Capítulo 4




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“Londres, Julho de 1910.

Meu amor,

Ou minha paixão. Ou prefere dona do meu coração?

Eu já achei a forma perfeita de lhe chamar. O problema é que a senhorita se configura em tantos adjetivos que acho injusto escolher apenas um para nomeá-la. Mas aviso que estes são só alguns exemplos, pois a lista ainda se estende. E eu, sinceramente, desconfio que outros ainda virão. Já se encontra ansiosa?

Espero que esteja. Pelo seu tom – já ouço sua voz –, eu sei que está!

Essa tática é velha, não precisa inventar mulheres para me fazer confessar que as tenho! Sendo sincero, que já tive algumas, mas espero que não ligue para isso. Ainda não assinamos nosso matrimonio, afinal. Não faça a ciumenta antes do casamento. Prometo-lhe que depois de formalizarmos o nosso destino, serei inteiramente seu. Meus contratos valem mais que esses prazeres momentâneos, ainda mais os que posso ter você no pacote.

Sentiu-se lisonjeada, minha vida? Estou que um sorriso escape do seu rosto ao ler isso.

PS: de quantas formas pretende me intimidar? Eu quero provar todas.

PS2: ainda não estou satisfeito. Me surpreenda, Elisabeta Benedito.

PS3: e qual o prêmio?"

Elisabeta estava sentada no jardim da mansão Benedito. O dia era completamente claro e combinava com a beleza das plantas bem cuidadas que o lugar oferecia como visão. Mas o foco de Elisabeta não estava na beleza de sua própria moradia. Os olhos da menina encontravam-se grampeados no conteúdo do papel há quase 15 minutos.

Já lera os escritos por mais de dez vezes tentando decifrar qual seria a intenção de Darcy Williamson ao sentar em algum local arejado, pegar uma de suas penas e debruçar-se sobre o papel que agora tinha em suas mãos. 

Constatar aquilo fez Elisabeta remexer-se sobre a grama. Aquele papel estivera na mão de Darcy Williamson há pouco tempo. Agora era objeto de seu poder. 

Era óbvia a ironia que o papel continha. E era óbvia a forma com que ele tentou desestabilizá-la mais uma vez. Já havia mais de um mês da primeira carta e, querendo ou não, pensar em Darcy Williamson ou ler ocasionalmente as duas cartas tornara-se natural. O energúmeno havia feito o assunto render, afinal.

Elisabeta revirou os olhos ao ler pela décima primeira vez às linhas bem desenhadas da letra de Darcy. O homem, em primeiro lugar, ironizou a fala da moça e, pelo modo que o material se desenvolveu, era uma clara intenção de irrita-la. Não que saber das paixões de Darcy a irritasse. Esperava realmente que, em uma das aventuras momentâneas que o mesmo citou, encontrasse a mulher da sua vida e a esquecesse de uma vez por toda.

Um arrepio atravessou sua espinha quando seu próprio pensamento foi completado e, inconscientemente, Elisa franziu o nariz, fazendo uma careta por sua própria reflexão: aquele ogro tinha outras mulheres, mesmo que tecnicamente já estivesse dentro de um matrimônio. E com ela.  

Balançou a cabeça. Não era o momento para constatações ridículas.

“Vale do Café, Julho de 1910.

Caro Ener,

Gostou da abreviatura de seu apelido?

 Admita que soou carinhoso, vai! Eu ouvi por aí que não se pode discutir com loucos. E não serei eu a desafiar este ditado popular.

Por isso, em vez de contrariar, me limito a revirar meus olhos ao ler essa quantidade absurda de palavras sem lógica ou fundamento. Gostas mesmo de distribuir palavras e ironias ao vento, pelo que percebo.  Só te alerto a respeito de uma coisa: cuidado para não se iludir com as suas próprias palavras. O feitiço costuma virar contra o feiticeiro.

E, só pra constar, já que não quero, nem por um momento, que acredite nessas ideias férteis que parece ter a respeito de meus sentimentos: eu nunca teria ciúmes de você e espero, do fundo do meu coração, que arranje logo alguém para ocupar o seu.

E pacote é a mãe de seus filhos!

PS: sem chance!

PS2: sem chance!

PS3: sua boca – ou mãos – caladas."

— O que é essa cara de bocó, meu amigo? Eu sei bem que essa sua expressão é algo natural, mas esta mais avacalhada que o normal. – Camilo dizia a Darcy ao observá-lo encarar uma carta. – Não me diga que é a carta de seu novo divertimento.

— É a carta de Elisabeta sim. – Darcy estreitou os olhos em um dos parágrafos. – Mãos e boca, já sei o que escrever! – exclamou.

O homem se dividia em encarar a folha escrita com a caligrafia da menina e a outra em branco, que reproduzia sua própria caligrafia.

— Ah não, Darcy – Camilo chamava a atenção do amigo. – Você não está nada bem! Já se encontra a mais de uma hora olhando para esses papeis.

— Eu estou respondendo a Elisa. Calma! – dizia sem olhar para Camilo.

— Elisa? – perguntou devido ao nome encurtado com que chamou Elisabeta.

— Sim, a Elisa. Minha mulher! – deu de ombros para o amigo. Que pergunta!

— Já está assim? – Camilo o encarou surpreso.

— Não.  Mas adoro irrita-la ao ironizar meu amor. – o homem tinha um sorriso de lado e soltou um riso baixo.

Darcy estava em um estágio em que já esperava ansioso por as cartas de Elisabeta. De quinzena em quinzena ia aos correios perguntar por os escritos da futura mulher. Claro que, para ele, aquilo era um novo divertimento. Era nítida a empolgação a cada leitura e era mais visível ainda a agitação que ficava ao pensar em todos os arranjos que colocaria no texto. Gostava da sensação.

— Ironizar o seu amor? Meu amigo, não se engane. – Camilo dizia como se constatasse algo óbvio.

— Com o que? – Darcy interrompeu a escrita.

— Você vive com os olhos nesses papéis. Espera pacientemente por cada resposta dessa garota. Mal sai comigo, ontem mesmo, dispensou um monumento de mulher naquele bar. Sem contar que não me deixa espiar nem uma linha. – o amigo examinou, apoiando-se na mesa de escritório de Darcy e o encarando.

— O que você quer dizer com isso, Camilo? – franziu a testa.

— Pode ser que esteja gostando desse... – pensava, tentando encontrar a palavra correta – relacionamento estranho que desenvolveu com a sua futura esposa.

Darcy gargalhou da ideia estapafúrdia de Camilo.

— Longe disso, meu amigo. Só gosto de provoca-la. E não faz mal nenhum responde-la. É como... – pensou. – um hobbie.

— Hobbie? – levantou uma das sobrancelhas e quase riu.

— Sim. Só me correspondo com ela para passar o tempo.

— Nunca admitirás o fato de estar vivendo para estas cartas, não é mesmo? – Camilo negou com a cabeça, pegando um dos charutos que estavam sobre a mesa e cruzando as pernas.

Darcy se a desviar o olhar de Camilo, claramente entediado com aquele assunto. Voltou à atenção para as cartas, ignorando o comentário de Camilo por completo.

“Londres, Agosto de 1910

Musa de meus escritos,

Eu estou cada dia mais encantado com as suas palavras. Já percebeu que não nos tratamos mais pelo nome? Deve ser o resultado de todos esses meses juntos! Já que para aquela pessoa que não responderia minhas cartas, é com uma rapidez imensa que as devolve a mim.

Gosta de ditados populares? Eu queria lhe ensinar um: do amor ao ódio, só se da um passo. Eu não lembro muito bem o teor da frase em sua integridade, mas é algo do gênero. Você deve saber, já que o sente. E por mim.

Qual a cor dos seus olhos? Quero imaginar a mãe dos meus filhos revirando-os. 

PS: cale sua boca na minha – ou deixe minhas mãos ocupadas.

Novo PS2: Ontem uma mulher pediu para sair comigo. Eu disse não. Queria que fosse você naquele bar."

Bem no canto da folha, na parte de baixo, Darcy desenhara um coração com a seguinte frase:

"Mas para ser ocupado, alguém teria que lhe expulsar."

 

 

 

 


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