Send escrita por wldorfgilmore


Capítulo 1
Capítulo 1




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“Londres, Junho de 1910.

Cara Elisabeta Benedito,

Como esta é a primeira carta que direciono a você, não sei como seria apropriado chamá-la, por isso opto pela formalidade, entendo que deveríamos deixar essa questão de lado, tendo por certo que futuramente seremos marido e mulher.

Meu pai instruiu-me a escrevê-la. Segundo ele, seria de bom grado que eu conhecesse relativamente a minha esposa antes do casamento, mesmo que não fisicamente, como é o caso e bem sabes.

Estou planejando lhe enviar a algum tempo. Afinal de contas, estamos noivos desde que nascemos. Escrevi alguns rascunhos, mas nunca consegui de fato mandar, não tinha ideia do teor das cartas, então dissertar um conteúdo era uma tarefa difícil.

Contudo, nesta carta, com a minha inutilidade em desbravar algum tema para iniciarmos uma conversação, deixo por introduzir a minha falta de capacidade. Espero que consigamos desenvolver algum assunto.

Com apreço, Darcy Williamson.”

Elisabeta estava sentada na poltrona na sala da mansão Benedito lendo a carta que seu pai havia acabado de lhe entregar, remetida por Darcy Williamson. A moça manteve a testa franzida durante toda a leitura do conteúdo. Ele realmente lhe endereçou uma carta dizendo que lhe enviou uma carta? Aquilo parecia um tanto patético e ilógico. Revirou os olhos, confirmando seu pensamento em relação àquele casamento.

Elisabeta era uma mulher de 22 anos, conhecida por sua independência e coragem. Morava no Vale do Café, cidade localizada no interior de São Paulo. Abastada de riquezas, Elisabeta nascera em berço de ouro, tendo tudo que a vida poderia oferecer a um indivíduo, porém era a filha mais velha de outras cinco irmãs: e esse era seu maior problema.

Felisberto Benedito e Lorde Archiebald Williamson eram colegas de longa data e, há anos atrás, decidiram por fundir seus negócios. Como termos do contrato, visando à continuidade da parceria lucrativa que tiveram nos primeiros anos de sociedade, decidiram propor um acordo comercial. Tendo em vista que o primeiro filho – e até então único – do Lorde nascera homem, assinaram um tratado que dizia que a primeira filha de Felisberto Benedito, nascida sob o sexo feminino, casaria com Darcy Williamson. O menino na época tinha apenas 4 anos de idade. Com isso, garantiriam que a multiplicação financeira e o legado das famílias Benedito Williamson, como era nomeada a empresa e suas filiais, seriam mantidos com os seus herdeiros.

Elisabeta sempre soubera do acordo que o pai havia feito em seu nome, mas nunca havia concordado com tais questões envolvendo a sua relação matrimonial. Julgava o casamento arranjado como um método arcaico de formação familiar, apesar de ser um sistema bastante comum entre as famílias mais abastadas.

Seu pai sempre fora ciente do desprezo que a menina sentia por aquele casamento. Elisabeta era a filha com a qual ele mais se identificava e, por vezes, pensou em quebrar os termos do acordo ou propor que uma de suas outras filhas menores – e duas delas realmente concordariam com o acordo – se casasse no lugar de Elisabeta, mas Lorde Archiebald Williamson era irredutível. Assinou-se como primeira herdeira, seria a primeira herdeira.

— Não. Definitivamente não. – Elisabeta entrou na cozinha como um flash. - Papai, olha a carta que esse senhor me enviou. Eu não consigo acreditar que você me prometeu para este energúmeno! Olha! Olha o teor desta carta. – apontava freneticamente para o papel em sua mão, com um riso nervoso de descontrole. - Diz ele ser incapaz de desenvolver um assunto.

Felisberto pegou a carta da mão de Elisabeta e examinou, enquanto Elisabeta cruzava os braços ao seu lado.

— Ele me pareceu simpático, Elisabeta. – avaliou. - Das vezes que vi Darcy Williamson, ele sempre me pareceu um bom rapaz. Formou-se em Economia e vem cuidando dos assuntos das empresas com exímia competência.

Elisabeta revirou os olhos.

— Usa da matemática como Da Vinci, mas é incapaz de ser coerente em suas palavras. Ótimo.

— Não implique com o rapaz, Elisabeta. Nem o conhece.

— Nunca o vi e nem quero ver. Não quero me casar. Não vou me casar. – os olhos se Elisabeta se estreitaram.

— Já discutimos acerca disso, minha filha. Não há o que fazer. Vocês são os nossos herdeiros e vão compartir da nossa fortuna, nada mais correto que haja um matrimônio em meio a essa sociedade.

— Eu já ouvi este discurso inúmeras vezes. Sei de cor e salteado. Do ponto à vírgula. Mas eu não sou moeda de troca, papai. Nunca acharei justo. – insistia.

— A vida nem sempre vai ser justa, Elisabeta. E você precisa se adaptar a ela para viver entre os leões. – respondeu Felisberto.

Elisabeta e Darcy nunca haviam se visto pessoalmente, tampouco a moça tinha alguma curiosidade de conhecer Darcy Williamson. Esperava que com o tempo esse contrato fosse anulado, apesar de seu pai ter multiplicado a sua renda depois de associar-se ao Lorde Inglês. Contudo, essa também não era uma opção, para garantir que a cerimônia aconteceria sem qualquer contratempo – no caso, um dos noivos desistisse por falta de compatibilidade – os termos, detalhados milimetricamente, informavam que os noivos só se veriam no dia do casamento para dizer sim no altar.

Era uma loucura, pensava a moça ao entrar no seu quarto naquela tarde. Já estava na idade adulta, e com frequência ficava apreensiva com possibilidade de seu pai entrar por a porta do seu quarto informando o dia do seu casamento com Darcy Williamson. Os sócios ainda não haviam decidido qual a data do matrimônio, a cláusula só informava que o casamento viria na idade adulta.  

Conforme crescia, o medo de Elisabeta só aumentava. Sentia receio do que seria sua vida depois de casada, de como seria sua relação com o marido e perguntava-se como se permitiria casar sem ser por amor. Não era dada a romantismos, apesar de ler bastante sobre o gênero.  O caso era que nunca fora permitida a ser uma romântica, já que seu pai sempre tratou de espantar qualquer rapaz que se aproximasse dela. Segundo ele, ela precisava se guardar para o seu contrato.  

Elisabeta ouviu duas batidas na porta.

— Entre. – disse.

Jane abriu a porta, a expressão da irmã era de consolo logo que adentrou o quarto de Elisa.

— Minha irmã, papai me contou que estava chateada. – sentou na cama, ao lado da irmã.

Elisabeta entregou a carta para Jane, respirando profundamente.

— Ele me mandou uma carta, Jane. – Elisabeta a encarava, seu olhar era quase uma súplica. - Está acontecendo! Claro que eu sabia que isso ia ocorrer, mas ao receber essa carta, é como se isso se tornasse palpável.

Jane estudou o conteúdo da carta de Darcy e soltou um riso baixo.

— Como ele é fofo. - constatou sorrindo para Elisabeta, que a olhou indignada.

— Ah não, não me diga que você também vai entrar para o clube de Darcy Williamson. – respondeu, revirando os olhos.

— Ai, Elisabeta. Não seja assim. Eu achei legal ele te escrever.  – disse sincera.

Elisabeta riu sarcástica com o comentário da irmã.

— A mando do papaizinho, Lorde Inglês. – completou com uma careta.

— Mesmo que a mando do pai. – encarou, Jane sempre tentava ver o melhor lado de todas as situações. – Ele diz aqui que tenta te escrever há algum tempo, deve estar nervoso.

— E o que eu tenho a ver com isso? – deu de ombros.

— Ele gastou o tempo dele tentando escrever algo pra você, Elisabeta. Ele parece se preocupar. – insistiu e voltou os olhos para a carta, relendo-a.

— Jane, não é possível que você queira romantizar essa situação. – Elisabeta apresentava uma expressão embasbacada com as conclusões que Jane chegara. Aquilo só poderia ser brincadeira.

— Pode ser que eu seja assim mesmo, mas eu acho que você deveria responder. – opinou, mordendo o lábio e esperando a reação de Elisabeta, que não tardou a expressar-se.

Elisabeta levantou-se da cama em um pulo.

— Mas nem pensar. – torceu o nariz, negando com a cabeça diversas vezes.

— Sim. – Jane riu, em um sim arrastado.

— NÃO! – exclamou, com um tom de voz um tanto alto.

— Sim, Elisabeta. Mesmo que seja pra agradecê-lo por enviar a carta. Não seja mal educada, ele merece uma resposta. – Jane constatou, Elisabeta estreitava o olhar. Já estava com quase nenhuma paciência para aquela babação inexplicável que todo mundo parecia ter com Darcy.

Jane continuou:

— Bom, eu já vou para o meu quarto. – Jane levantou-se, indo em direção à porta. – Fica bem. – beijou a testa de Elisabeta ao sair.

Elisabeta trancou a porta e se encostou à mesma. Levou as mãos aos cabelos, prendendo uma parte pra trás e fechou os olhos. Enquanto respirava fundo e tentava concentrar-se em tirar aquela ansiedade desenfreada que se instalara dentro de si, também se forçava a não ouvir Jane.

Era certo que ele lhe escrevera, mesmo que fosse aquela carta inútil. Era certo também que ele parecia inseguro ao escrever-lhe. E era mais certo ainda que seria bem mal educado de sua parte ignorar aquela carta. Mesmo que fosse a sua vontade. E, realmente, era.

— Jane! Eu nunca vou te perdoar por isso. – disse pra si mesmo entredentes.

Elisabeta sabia que a irmã havia plantado uma semente de culpa em sua mente. A menina, apesar de ter uma língua bastante afiada e não guardar desaforos, odiava ser mal educada com quem não merecia. E ela precisava concordar que os culpados pela sua sina eram seu próprio pai e o Lorde Archiebald Williamson. Sentia certo receio por Darcy parecer concordar com aquela situação, mas não o conhecia o bastante e havia a possibilidade do seu pai tê-lo obrigado a escrever para ela. Os dois haviam sido colocados naquela situação.

Com essa constatação, Elisabeta serrou os olhos e direcionou-se para a sua escrivaninha. Uma pena se fez presente em suas mãos e, mordendo o lábio inferior em uma expressão pensativa, começou a escrever.

“Vale do Café, Junho de 1910.

Lorde Darcy Williamson...”


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