O que não pode ser curado escrita por Nathymaki


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Essa história se passa logo no começo da jornada dos Wincheaster e durante o período que Jacob foge de casa no final de Eclipse.
No último dia correndo, consegui postar



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O ônibus sacolejava pela estrada de terra esburacada. Dentro dele, em um dos últimos assentos, Sam Wincheaster segurava a bolsa firmemente para evitar que o barulho causado pelo entrechoque das armas atraísse a atenção dos demais passageiros. Ainda estava irritado com Dean por não ter lhe ouvido e saído para caçar um metamorfo sozinho - ou melhor, sozinho e com o carro - o que forçou Sam a depender de um ônibus velho e de uma estrada em péssimas condições para levá-lo ao seu destino, uma cidadezinha esquecida no interior do Oregon. Soltou uma das mãos da mochila e, habilmente, retirou o celular do bolso passando os olhos pela notícia que lhe chamará atenção no jornal do dia anterior.

Segundo ataque causa pânico  Diante a possível ameaça de um animal descontrolado à pacata vida dos cidadãos, notícias sobre um novo ataque trazem à tona grande preocupação por parte dos moradores. A vítima, identificada como Serena Willoh, 19, foi encontrada a beira da estrada em frente ao popular Bar do Tim, onde havia ido para encontrar alguns amigos. O dono do estabelecimento afirma não ter ouvido quaisquer sons que indicassem a presença de um animal feroz, uma vez que a garota fora encontrada com a garganta estraçalhada e marcas de garras por todo o corpo. A pergunta que permanece agora é: quantos ataques ainda serão necessários até que a situação seja, enfim, resolvida?

Sam sabia que estava claro como o dia que os ataques se tratavam de um lobisomem novato, provavelmente ainda assustado com a transformação e sem controle sobre suas ações. Sentia uma espécie de peso na consciência em saber que um dia, esta criatura tinha sido completamente humana, tido uma casa e uma família. Uma vida. E agora, se não se ajustasse ao mundo, precisaria ser eliminada. Era como ele. Tivera seus momentos de felicidade e uma vida que poderia ter sido ótima, mas então Jéssica morrera e tudo lhe havia sido tirado. Voltara a vida de caça e matança que tanto jurara abandonar de uma vez por todas.  Não, pensou, não pense nela. Embora não fosse mais recente, ainda doía como uma ferida aberta em seu peito, ela fora seu grande amor e mesmo que houvesse se envolvido aqui e ali com outras mulheres, Jessica ainda permanecia em seu coração. E, para esquece-la, o melhor a fazer agora era mergulhar fundo no trabalho e esperar que isso o impedisse de pensar e o anestesiasse, fazendo-o esquecer a dor em seu peito por algumas horas.

O ônibus parou em uma estrada cujo asfalto se rachava em vários pontos e Sam desceu, ajeitando a bolsa sobre o ombro. O sol estava a pino e as ondas de calor emanadas por ele pareciam derreter todas as coisas que se encontravam na rua. Se Dean estivesse ali, provavelmente teria feito uma piada sobre conseguir fritar um ovo no capô do carro – ou mais provável ainda, ele realmente teria feito isso. Parou no ponto que havia descido, estreitando os olhos a procura de um lugar onde pudesse se hospedar. Viu o bar mencionado na reportagem e, atrás dele, um letreiro indicava a entrada para um motel. Dando de ombros, se dirigiu para o lugar, fazendo o check-in na entrada para duas noites - esperava resolver a situação de forma rápida. - e saindo novamente em seguida, após uma olhada rápida no quarto o qual possuía o mesmo estilo simplório dos demais lugares a que estava acostumado.

Primeiramente precisava conversar com os conhecidos das vítimas de modo a descobrir quem poderia ser um possível responsável. Andou até o endereço da mãe da vítima, agradecendo por, naquela cidade interiorana, todas as casas ficarem próximas. Bateu a porta e aguardou, ouvindo o barulho de passos e batidas apressadas se dirigir a ela. A mulher que lhe atendeu tinha fios brancos junto aos fofos cabelos castanhos e a aparência era de quem era bela, mas havia envelhecido muito em pouco tempo. Os círculos embaixo dos olhos indicavam as noites sem dormir e o olhar suspeito que ela lhe lançou deixou margem para uma certa suspeita: estava com medo.

— Senhora Willoh, lamento incomodar e meus sentimentos pela sua perda.

— Quem é você?

— Sou Hoppikns do Serviço de Controle Animal. – Sam apresentou uma identidade que pegara da caixa recheada de falsificações de Dean. – Se não se importar, gostaria de fazer algumas perguntas que talvez possam ajudar na nossa tentativa de pegar o bicho que fez isso. – os olhos delas arregalaram-se e correram de um lado para o outro da rua, averiguando se mais alguém os vira, antes de finalmente convidá-lo para entrar.

Sentaram-se no sofá, frente a frente, e a Sra. Willoh torceu as mãos nervosamente no colo, como se hesitasse. Por fim, respirou fundo e desatou a falar de uma vez, com uma voz ligeiramente baixa.

— Eu não acho que quem fez aquilo com a minha filha tenha sido um animal.

— Então acredita que ela foi assassinada propositalmente? – Ela assentiu de leve, os dedos cruzados ainda trêmulos. – Consegue pensar em alguém que poderia querer ver sua filha machucada?

— Apenas uma pessoa: o ex-namorado da nova namorada dela, James. Eles não estavam em uma fase muito boa e, recentemente, ela me contou que ele vinha se tornando cada vez mais agressivo e que a namorada havia terminado com ele por causa disso.

— Contou isso para a polícia?

— Sim, mas eles disseram que já haviam verificado a casa dele e confirmaram que ele não estava na cidade. Embora... eu não possa deixar de sentir que foi isso que aconteceu. – Uma lágrima solitária escorreu por sua bochecha e ela passou a encarar as mãos, desolada.

— Obrigada pelo seu tempo, Sra. Willoh. E desculpe incomodá-la.

Despediu-se da senhora e saiu para a rua com a certeza de ter encontrado o lobisomem que procurava. Restava apenas agora, descobrir onde ele se encontrava.

O fim do dia indicava que os expedientes no trabalho se encerravam e o público, cansado, se dirigia para o bar na esperança de afogar o estresse sofrido, antes de retornar para casa e lidar com os demais problemas. O céu já se encontrava escuro e as nuvens impediam que as estelas ou a lua -  que ele sabia estar cheia naquela noite - ficassem visíveis por mais do que alguns segundos. Sam decidiu que aquele lugar seria sua melhor aposta de conseguir alguma pista a respeito do paradeiro do garoto. O cheiro de cerveja barata e suor o atingiu assim que entrou. Era um ambiente simples e velho, com mesas redondas de madeira espalhadas e garotas que carregavam canecas de bebida para caras irritados e impacientes que as esperavam. Havia um jukebox em um canto que tocava uma melodia agradável que Sam não reconheceu.

Sentou-se no balcão e pediu uma cerveja tentando se misturar aos demais. Conversou com um senhor bastante idoso, mas que parecia não ter a menor dificuldade de falar desinibidamente mesmo sem a cerveja para incentivá-lo. Ele lhe disse que James havia voltado para a cidade na semana anterior por conta de uma briga com a namorada - uma garota de olhos escuros e cachos castanhos que se encontrava no momento no lado oposto do estabelecimento bebendo uma coca-cola com o olhar perdido nas fissuras da mesa – mas que ninguém o vira desde então e supusera que ele havia viajado novamente. Sam agradeceu pela ajuda e o velho se retirou ao ser chamado por um homem grande e barbado. Observou a garota, se perguntando se deveria ir até ela e contar a situação ou apenas vigiá-la a espera que o ex-namorado atacasse. Antes que pudesse decidir, um garoto moreno de cabelos curtos e olhos escuros e fundos ocupou o lugar deixado pelo velho.

— Garota bonita, não é? – Sam sentiu-se envergonhado por ter sido pego no ato de encará-la e limitou-se a assentir. O outro não se desencorajou diante sua falta de palavras e continuou a conversar normalmente. – Infelizmente são essas que mais magoam no final. – O Wincheaster desviou sua atenção da garota para o cara ao seu lado, avaliando-o. Havia uma espécie de desespero silencioso em seu olhar, algo que dizia que por dentro ele era como Sam, quebrado.

— Sim. – Disse por fim. – Posso te pagar uma cerveja?

— Pensei que nunca fosse oferecer. – E abriu um sorriso que iluminava todo o seu rosto. – A propósito, meu nome é Jacob Black.

— Sam Wincheaster. – Apertou a mão que ele lhe estendia sentindo o calor anormal emanar da palma. Olhou espantado para Jacob que apenas sorriu novamente, erguendo uma sobrancelha como se o desafiasse a perguntar. Sam não o fez. A conversa fluía naturalmente e, em algum ponto, Sam se esqueceu por qual motivo havia ido ao bar e toda a sua atenção se focou na companhia que tinha ao seu lado. Fazia muito tempo desde a última vez que conversara abertamente com alguém que não fosse Dean, e este era seu irmão, não era exatamente a mesma coisa. A sensação de segurança que Jacob lhe passava quase fez com que ele desejasse contar sobre Jessica. Como ela havia morrido e ele perdido tudo. Algo lhe dizia que ele entenderia.

Um urro de alegria subiu de uma das mesas próximas, acordando Sam do transe. Ele lembrou o porquê de estar ali e correu os olhos pelo lugar à procura da garota, mas ela havia desaparecido. Pôs-se de pé rapidamente e jogou algumas notas em cima do balcão.

— Sinto muito, mas eu preciso ir agora.

E saiu correndo, deixando Jacob o observando com um olhar curioso e levemente desconfiado. Não teve tempo para processar o significado daquilo, pois, ao sair para a rua e percorrer a avenida principal, ouviu um grito vindo de sua esquerda. Correu sem fôlego em direção à rua que levava diretamente para a floresta, parando no final, quase escorregando sobre os sapatos ao ver a garota do bar caída no chão e, a sua frente, um enorme lobo negro que rosnava mostrando os dentes afiados. Não pensou duas vezes antes de correr em sua direção e se colocar entre ela e a criatura.

— Vá logo! Corra! – Ordenou para ela que lhe lançou um último olhar assustado, pondo-se de pé e fugindo dali o mais rápido que conseguia.

Sam encontrava-se cara a cara com o lobo. A bolsa de armas continuava caída no meio-fio onde ele a havia largado quando correra para ajudar a garota. Esperava que, ao menos, sua interferência tivesse dado a ela a chance de escapar. Podia sentir o suor escorrendo pelas costas, atingindo a pistola escondida no cós da calça, mas sabia que seria burrice sacá-la agora - qualquer movimento súbito que fizesse o lobo o atacaria muito mais rápido do que ele conseguiria reagir.

Os segundos se arrastaram. Como se pressentindo algo, a criatura rosnou exibindo as presas afiadas. Sam sentiu o calor do seu hálito e a adrenalina inundou suas veias, retesando os músculos e deixando-os prontos para os instintos naturais humanos: lutar ou fugir. Estava a ponto de sacar a pistola e decidir lutar quando uma voz gritou vinda da sua esquerda:

— Abaixe-se! - Sam não ousou virar a cabeça e desviar os olhos da fera a sua frente – sabia por experiência própria que uma falha de atenção podia custar bem caro, mas sentiu algo colidir contra si, algo musculoso e incrivelmente quente, empurrando-o para o chão. Sentiu a cabeça bater contra o concreto rachado e estrelas saltaram diante dos seus olhos. Atordoado, piscou com força para se livrar delas e viu que a coisa - que na verdade era uma pessoa - que o atingira se curvar mais sobre si no momento exato em que um vulto negro passava com um salto sobre eles. Tudo não havia durado mais de 3 segundos, mas, para Sam, parecia ter acontecido em câmera lenta. A pessoa que o derrubara se afastou xingando e Sam viu rapidamente um par de olhos e cabelos negros que se levantavam para encarar o lobo que rosnava para ambos. Com um assomo de surpresa reconheceu Jacob Black que agora falava para si com um tom de voz irritado e um brilho nos olhos escuros. - Fica parado aí se não quiser descobrir como morrer é desagradável. - Viu os lábios do outro formarem as palavras, mas não compreendeu o sentido, sua cabeça latejava e os ouvidos zuniam.

Jacob o soltou. Sam viu seus braços e todo o corpo temerem em espasmos. Um som rascante saiu de sua garganta e, no segundo seguinte, ele estava encarando um enorme lobo castanho-avermelhado. O Wincheaster piscou surpreso, já vira muitas coisas estranhas, porém o cara que tinha acabado de conhecer há apenas alguns minutos se transformar em lobisomem na sua frente estava entre as 10 mais inesperadas. Só pôde observar enquanto os pelos do corpo se eriçavam e um rosnado escapava dos dentes expostos, para em seguida se jogar sobre o lobo negro. Os dois se atacaram, arranhando e mordendo, garras e dentes brilhando como aço na escuridão. Sam sacudiu a cabeça para se livrar da confusão mental e se pôs de pé, puxando a arma que, graças a tudo que era sagrado, continuava enfiada no cós da calça. Apontou-a para o alto e apertou o gatilho na intenção de assustar os lobos ou, no mínimo, afastá-los de modo que pudesse obter uma visão desimpedida e não acertar aquele que o tinha salvo. Porém o tiro não teve o efeito desejado. Muito pelo contrário, fez com que o lobo, que antes era Jacob, desviasse a atenção por um instante para olhá-lo e este único segundo foi o bastante para que o negro o acertasse com as garras, abrindo uma trilha de sangue e pelo a partir do pescoço. Um ganido de dor cortou a noite e, depois de mais alguns golpes e um tiro dado de raspão, o lobo negro rosnou para Sam e fugiu para se abrigar nas sombras da floresta.

Sam correu até o lobo castanho que agora tinha voltado a forma de garoto. A pele morena se encontrava tingida de sangue vermelho e quente que escorria continuamente do corte no peito, os olhos escuros estavam cerrados em uma careta que demonstrava mais irritação do que a dor delirante que deveria estar sentindo. Sam se ajoelhou ao seu lado, tirando rapidamente a camisa e pressionando-a contra as linhas de garras que se destacavam da base do pescoço até a metade do abdômen. O garoto soltou uma exclamação de dor ao sentir a pressão e respirou fundo observando enquanto o tecido da camisa ficava rapidamente ensopado.

— Obrigado, mas não precisa se preocupar, em algumas horas devo estar curado. - E soltou uma risada que mais parecia um latido fazendo o sangue pulsar e escorrer ainda mais pelo ferimento. - Você é idiota ou só maluco mesmo para correr daquele jeito no meio de uma luta de lobisomens?

— Nenhuma coisa, nem outra. Eu sou um Caçador e estava prestes a matar aquele lobisomem, se você não tivesse aparecido e se jogado no meio. – Jacob ergueu as sobrancelhas aparentando querer discutir, mas sendo impedido por um forte ataque de tosse no lugar. - Talvez fosse melhor ir ao hospital... – ele o impediu de continuar.

— Não se preocupe, eu já disse que em algumas horas vai estar tudo curado. Estou acostumado a ferimentos assim, não fazem nem cosquinha.

— Não acho que essa seja uma coisa boa para se estar acostumado. – Sam murmurou mais para si antes de prosseguir em voz alta. - Tenho certeza que todo esse sangue perdido não pode ser bom... - e foi interrompido pela segunda vez naquela noite ao ver a cabeça de Jacob bater ruidosamente contra o chão. - Eu bem que avisei.  - Completou franzindo a testa para o garoto desmaiado. Suspirando, sabia que a única alternativa sensata seria levá-lo consigo para o quarto do motel, já que teria muitas explicações a dar caso fosse a um hospital. E contava com o fato de que, quando ele acordasse, ia conseguir algumas respostas.

***

Observar Jacob dormir tranquilamente em sua cama trouxe a Sam memórias que ele vinha evitando. Lembrava-o de Jéssica dormindo profundamente ao seu lado e da paz que sentia ao observá-la: os cabelos loiros espalhados no travesseiro, a face relaxada e vulnerável, as mãos entrelaçadas sob o lençol e o calor dos corpos que fluía como uma sinfonia silenciosa. Memórias dolorosas que apenas o lembravam do que havia perdido e que faziam a ferida em seu peito sangrar como se fosse nova.

Um som baixo e relaxado escapou dos lábios dele, acordando-o das próprias memórias. Sam o analisou distraidamente e, para sua surpresa, notou que não estava envergonhado ou incomodado, sentia-se tranquilo, como se aquela fosse uma cena a qual pudesse se acostumar. Ele não possuía a vulnerabilidade de Jéssica, a expressão despreocupada o deixava mais jovem e esperançoso, algo que Sam sentia se infiltrar em si sem sequer perceber. Ergueu as ataduras improvisadas e notou que o ferimento já se fechara completamente, restando somente algumas linhas vermelhas que marcavam o local onde as garras haviam atingido. Jacob se moveu, virando de lado e prendendo a mão de Sam sobre seu braço. Os dedos do outro se encontravam pressionados contra o peito do rapaz, a pele morena irradiando calor através dos dedos, subindo pelo braço e parecendo aquecê-lo por completo. E, naquele breve momento, Sam fechou os olhos e se permitiu sentir paz outra vez.

Os olhos de Jacob se abriram, meio grogues e alertas, fazendo o Wincheaster puxar rapidamente a mão e rezar para que ele não houvesse percebido e a situação toda ficasse estranha. Felizmente suas preces pareceram ser atendidas e Jacob apenas bocejou, passando as mãos pelo cabelo e sentando-se na cama.

— Por quanto tempo eu dormi?

— Umas 3 horas, mais ou menos.

Sem mais uma palavra, ele saltou da cama e retirou o curativo improvisado dando vários socos no ar para se assegurar que os cortes haviam se fechado corretamente. Virou-se novamente para Sam e sorriu.

— Obrigado por não me abandonar no meio da rua ou me levar para um hospital. Teria sido embaraçoso. – O Wincheaster sentiu um arrepio na espinha que não tinha nada a ver com medo. Era nervosismo, ansiedade. Confusão se instalou em sua mente e ele retirou os cabelos da testa para disfarçar o momento.

— Não foi nada. – Pigarreou antes de continuar. – Mas acho que você está agradecendo pela coisa errada. – Não conseguiu conter o sorriso enquanto apontava para a calça que ele se encontrava vestido, evitando encarar a pele morena e lisa e os músculos do rapaz. – Digamos que você não estava em um estado muito apresentável para ser deixado na rua.

Jacob riu e balançou a cabeça assentindo.

— Tem razão, obrigado pela calça, mas não espero que ache que eu vá devolver. – E sorriu novamente com humor. – Meu guarda-roupa anda bem em falta de peças novas e qualquer presente é bem-vindo. – Sam revirou os olhos, mas não pode impedir o sorriso que se formou em seus lábios. Os risos morreram e logo ambos se encararam com olhares sérios. Jacob deslocou o peso do corpo, desconfortável, antes de fazer a pergunta não verbalizada entre eles. – Suponho que você queira algumas explicações? – Sam apenas assentiu e esperou. – Eu sou um lobisomem, como você já deve ter notado, e vim para essa cidade quando soube dos ataques. Sabia que era algum novato que não entendia o que estava acontecendo e pensei em dar uma mãozinha enquanto estava de bobeira. Sabe, fazer uma boa ação e coisa do tipo. – Ele gesticulou despreocupadamente, mas Sam pôde notar em seus olhos que algo não estava sendo dito. Neles havia uma tristeza sufocante como a que ele próprio sentia. Uma pontada de empatia se formou entre ele e aquele cara que tinha acabado de conhecer e Sam não insistiu mais no assunto. – Mas e você? O que disse que era mesmo? Um Caçador?

— Isso. Bom, é meio que o negócio da família. Viajar o país cuidando dos casos sobrenaturais que aparecerem.

— Espero que apareçam logo em Forks, temos um caso sério com vampiros por lá. – O sorriso que deu em seguida deixava claro que qualquer que fosse o problema Jacob adoraria acabar com ele. Sam franziu a testa, pensativo. – O que me diz, já descobriu quem é o responsável ou estava fazendo todas aquelas perguntas no bar ontem apenas para ser intrometido mesmo?

— Às vezes ser intrometido faz parte do trabalho. – Foi até a mesa no canto do quarto e apanhou os recortes de jornais com o nome e a foto das duas vítimas e um terceiro com a foto de um garoto loiro, alto e forte, sorrindo para a garota ao seu lado.  – O nome dele é James e a primeira vítima era o seu melhor amigo na faculdade. Tinha vindo visitar os pais e a namorada durante o feriado no mês passado e foi convidado pelos amigos para um pequeno teste de coragem na floresta. Deve ter sido atacado lá e escapou só com uma mordida. Os amigos disseram que não se lembram de nada e que James falou apenas que um cachorro o tinha mordido no escuro.

— Um cachorro bem grande, não é? – Jacob franziu a testa para as fotos. – Então ele se descontrolou na primeira transformação e acabou matando o amigo. E a segunda?

— Era a nova namorada da sua namorada, suponho que ele não tenha gostado de ter sido substituído por uma garota. Aparentemente eles tinham terminado por telefone e ele veio até aqui se desculpar, mas ela já estava...comprometida. – Disse erguendo as sobrancelhas. – A garota que ele ia atacar ontem era a Hilla, a ex-namorada.

— Babaca. – Jacob revirou os olhos. - Então o segundo ataque foi premeditado, por vingança, e o terceiro deve ter tido uma motivação parecida. - Murmurou mais para si mesmo. - Suponho que isso quer dizer que, como o ataque de ontem não deu certo, ele vá tentar novamente hoje. – Sam assentiu. – Ótimo, quando começamos?

— Começamos?

— Claro, foi para isso que eu vim para cá. Vou te ajudar a encontrar o garoto. – Ele notou a expressão incerta de Sam. – Não é possível que você esteja preocupado. - A sobrancelha se ergueu, indicando a surpresa. - Eu sou um lobisomem, me curo rápido e vou fazer isso com ou sem você. – Cruzou os braços, decidido. – Você é um Caçador ou não?

— Muito bem. – Deu-se por vencido ao notar que o outro não cederia por nada. – Precisamos encontrar a garota e esperar até que ele venha atrás dela novamente. Mas isso só deve acontecer quando a lua subir novamente no céu, então ainda temos algumas horas para montar um plano.

Jacob se mostrou desinteressado no plano, alegando que seu instinto o ajudaria quanto ao que fazer, e logo voltou para a cama de Sam fazendo a mágica dormir assim que a cabeça encostou no travesseiro. Ele o observou, parte maravilhado e parte invejoso, com aquela habilidade. Desde a morte de Jéssica que não dormia direito. Aproveitou o tempo para tomar um banho e trocar de roupa e limpar os últimos vestígios que o sangue de Jacob havia deixado ao pingar pelo quarto quando o trouxera mais cedo.

Pouco antes das 5 horas, acordou o outro um pouco relutante por tirá-lo do estado relaxado que tinha enquanto dormia. Não perguntou quem era Bella a quem ele chamara durante o sono, tinha uma forte intuição sobre ter sido ela a pessoa que partira o coração dele, mas ficou satisfeito em reparar que as olheiras que ele tinha na noite anterior haviam desaparecido por completo. Saíram do motel exatamente quando os últimos raios do dia iluminavam as fachadas dos prédios da cidade em tons quentes de laranja e dourado.

A casa de Hilla ficava um pouco afastada da cidade, em um dos casarões antigos com um jardim e um balanço na árvore. Sam podia imaginar os dois naquele jardim e naquele balanço, em uma época mais feliz. Se perguntava sobre o porquê dos tempos bons serem tirados das pessoas e tão facilmente e convertidos em tragédia e sofrimento. Ao seu lado, Jacob permanecia calado, atento aos sons produzidos a sua volta.

No interior do casarão era possível entrever uma luz acesa e uma figura caminhar frequentemente em direção à janela, como se estivesse à espera de que algo pulasse das sombras e atacasse o local. Claro que ela estaria assustada, depois do que vira ontem Sam não podia culpá-la.

As horas passaram e, perto da meia noite, aconteceu o que eles esperavam. Uma figura quadrúpede saiu das sombras e se dirigiu ao jardim da casa. Um uivo soou na noite. Sam estendeu a mão para a arma, mas Jacob agarrou seu pulso, pedindo com o olhar que esperasse. Em um movimento fluído, lançou-se para frente e quando tocou o chão era novamente o lobo castanho-avermelhado que ele vira na noite anterior, avançando rapidamente em direção ao outro. O barulho dos rosnados e do choque de garras chegou até a casa e, para a surpresa de Sam, a porta da frente se abriu e dela veio Hilla com uma pistola na mão trêmula. Garota corajosa, pensou enquanto corria até ela temendo pela segurança de Jacob, garota estúpida e corajosa. Seus olhos se arregalaram ao ver os dois lobos lutando em seu jardim e ela ergueu a arma e apontou para eles sem mirar em um especificamente.

— Não! – Gritou Sam no momento em que ela puxou o gatilho. O tiro ecoou na noite e o som dos rosnados silenciou-se. – Jacob! – Virou-se para trás e viu uma forma grande e peluda deitada no chão. O coração descompassou algumas batidas e Sam correu para onde o lobo estava caído.

— Para trás, seu idiota. – E, pela segunda vez em duas noites, Jacob se jogou em cima dele na hora exata que o lobo negro se ergueu e pulou em direção a garota parada, em choque, no último degrau da escada.  Ela caiu para trás, batendo as costas nos degraus, e reagiu fechando os olhos, levantando a arma ainda na mão e apertando o gatilho sem parar. Por alguns segundos, o som dos tiros foi tudo que se ouviu.

Sam e Jacob, novamente na forma de lobo, correram para ajudá-la. Sam puxou a garota para longe, enquanto Jacob se jogava contra o lobo. Mais rosnados foram ouvidos.

— Você está bem? Está ferida? – Perguntou ansiosamente. Hilla, que continuava em choque, apertando a pistola com força não pareceu notá-lo. Sam soltou a arma de suas mãos com delicadeza e a sacudiu de leve para que ela reagisse, percebendo o sangue espalhado pela blusa da garota.

— Estou bem... esse sangue é daquele monstro... – ela estava trêmula. Deu um suspiro de alívio e voltou-se ao ouvir o som de passos se aproximarem. Ergueu a arma, preparado para atirar. Era Jacob. A blusa que Sam o emprestara antes de saírem havia desaparecido e apenas a calça reserva que ele pedira parecia haver sobrevivido à transformação.

— Graças a Deus. – Notou o outro erguer a sobrancelha, mas não discutiu. – Onde está o lobo?

— Morto. – Ele respondeu sombriamente. Sam não havia notado quando os rosnados haviam parado. – Ela o matou. Balas de prata são fatais para lobisomens. – A voz dele estava composta e Sam não sabia se ele estava com raiva da garota por ter sido tola e atirado ou triste com a morte de um – não exatamente – companheiro. Ou talvez fossem as duas coisas.

— Está morto? – A garota perguntou, a voz tremendo. – O que era aquilo? Meu pai me falava das lendas, mas eu nunca acreditei... tudo que fiz foi pegar a arma na gaveta e correr para fora...

— Infelizmente, aquilo era o seu ex-namorado, James. – Sam lançou ao Black um olhar irritado. Seria muito melhor e mais fácil se eles apenas dissessem que o lobo não passava de um animal que fugira do zoológico. Muito menos dor e sofrimento para ela.

— Eu... eu não sabia... – as lágrimas escorriam pelas bochechas e ela levou as mãos ao rosto para limpá-las, deixando rastros de sangue de lobisomem na pele. Sam sentiu-se mal pela garota. Mesmo que ela não amasse mais aquele garoto, as memórias do que haviam vivido juntos permaneceriam, e ela seria obrigada a lembrar delas e sempre saber que haviam sido suas mãos que o mataram. Jacob se ajoelhou ao seu lado e pôs um braço reconfortante em seu ombro. Os olhos dele também estavam tristes por ela.

— Não foi sua culpa. Você fez o que fez para se proteger. – ela chorou ainda mais, cobrindo o rosto com as mãos e se inclinando para a frente. As mãos dele pareciam ser tudo que a faziam permanecer erguida. – Nunca deve se esquecer disso. Existem coisas que não podem ser curadas.

Depois de um longo tempo, ela finalmente se recuperou o suficiente para entrar em casa. Os dois observaram ela fechar a porta antes de voltarem para a estrada caminhando silenciosamente lado a lado.

— Você deve estar se perguntando por que contei a ela. – Jacob quebrou o silêncio. Sam balançou a cabeça, usando as mãos para retirar o cabelo que caíra nos olhos.

— Eu entendo. Se fosse comigo eu iria querer saber. – e eu quero saber. Acrescentou em pensamento. Era o que mais desejava desde a morte dela.

— Você entende bem disso, não é? – O moreno refletiu. – Às vezes não vemos o quanto as coisas são preciosas até que elas nos sejam tiradas.

— Você já disse algo parecido. 

— Gosto de repetir. – Ele sorriu parando de andar e cerrando os olhos para o sol que despontava no horizonte. – Certas coisas não podem ser curadas. – Sam sentiu a boca seca enquanto também interrompia a caminhada e o observava.

— Também já disse isso.

— Pareceu adequado repetir. – Em um passo largo, Jacob se aproximou de Sam e o segurou pelos passadores da calça. O calor irradiando do seu corpo em uma onda morna de tranquilidade fez o coração do outro acelerar, como há muito tempo não acontecia. – Certas coisas não podem ser curadas, mas novas podem ser construídas.

E, naqueles instantes de hesitação, Sam esqueceu tudo que estava pensando e apenas se inclinou para frente, tocando os lábios nos de Jacob e sentido novamente aquela sensação de paz preencher seu corpo. Não havia esquecido de Jéssica e do quanto a tinha amado, mas, naquele momento, ele sentiu que Jacob estava certo. Certas feridas nunca se curavam, mas sempre podiam se encontrar novos momentos de felicidade que diminuíssem essa dor. Com os lábios se movendo suavemente, o sabor amadeirado na língua e o corpo quente de Jacob o envolvendo, Sam se permitiu ter esperança.


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Notas finais do capítulo

E então, gostaram?
Nos vemos na próxima!
Obrigada por ler!



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