Eu, você, nós escrita por Athenas de Aries


Capítulo 2
A doença




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Shaka POV

Eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Minha cabeça girava. Meu corpo não respondia aos meus comandos. Eu sabia que precisava me alimentar, mas só de pensar na palavra comida, minhas entranhas se rebelavam e tentavam abandonar meu corpo. O desespero de Mu a meu lado era palpável. E eu mesmo não tinha nenhuma idéia do que poderia estar acontecendo comigo. Queria ajudar Mu a cuidar de mim, mas não sabia como fazê-lo. Não via a hora do sol nascer. Era muito difícil para mim, do alto da minha arrogância e auto-suficiência admitir, mas eu precisava de ajuda especializada. Apesar de ser o mais próximo de Deus, ter poderes sobre-humanos, etc... etc... etc... meu corpo estava fazendo questão de me lembrar, da pior maneira possível, diga-se de passagem, que no frigir dos ovos eu sou apenas um ser humano.

— Mu, por favor, fique calmo. Os primeiros raios de sol já estão aparecendo. Vamos ao médico. Tudo vai se resolver. Não deve ser nada demais. Talvez apenas uma intoxicação. Relaxe. Estou um pouco melhor. Vamos tentar descansar um pouco para irmos até o médico do Santuário.

Mu ainda falou um bocado no meu ouvido, como poderia pensar em descansar com o meu estado, bla, bla, bla... Eu não queria ouvir. Será que ele não percebia que eu estava preocupado com ele. Um doente já era mais que suficiente naquela casa.

— Mu meu querido, entendo que esteja preocupado comigo, mas um doente nesta casa é mais que suficiente, por favor, não exija mais do seu corpo do que ele pode te dar. Venha. Deite-se a meu lado um pouco. O calor de seu corpo, seu cosmo me aquecem, me ajudam, por favor. Faça o que eu estou te pedindo.

Algum tempo de convivência tinha que me valer de alguma coisa. Eu conhecia bem meu amado ariano teimoso. Ele não estava preocupado com ele, mas muito preocupado comigo, então, depois de torcer um pouquinho os fatos consegui que ele se deitasse a meu lado. Mas era verdade que o toque amoroso dele me fazia bem. Eu sentia minha confiança crescer, meu cosmo se acalmar... Ele se deitou a meu lado, me abraçou carinhosamente. Acomodei minha cabeça sobre seu ombro e relaxei. Em poucos minutos estávamos os dois dormindo. Não posso afirmar que tenha sido um sono tranqüilo, mas pelo menos conseguimos descansar um pouco.

Quando o dia amanheceu, o sol ainda nos encontrou adormecidos. Fui acordado com o aumento de minha febre. Comecei a tremer de frio apesar de saber que a temperatura estava amena e agradável. Procurei pelo corpo dele para tentar me aquecer. Meus dentes rangiam de encontro uns aos outros. Pelos Deuses, o que poderia estar acontecendo comigo. Eu não me lembrava, nem nos meus mais remotos tempos de infância de ter tido uma febre tão alta. De repente, uma coceira tomou todo meu corpo. E essa agora! Enjoado, com febre, e ainda com uma crise alérgica.

Mu acordou sentindo a minha pele quente e as minhas tentativas de diminuir a coceira que acometia todo meu corpo. Ele abriu os olhos ainda sonolento e olhou para mim. Vi seus olhos arregalarem de susto e sua expressão mudar. Depois ele se levantou e começou a rir. Fiquei completamente intrigado. O que poderia estar acontecendo. Será que ele endoideceu de vez?

— Ariano maluco, será que você podia dividir comigo a razão de tanto riso. Eu gostaria de rir um pouquinho também. – falei no meu mais irônico tom de desdém. Eu ali quase morrendo e ele quase morrendo de rir.

Mu não me respondeu nada. Saiu do quarto ainda rindo. Eu até pensei em me levantar e ir atrás dele, mas uma nova onda de náuseas me fez desistir da idéia de levantar. Fiquei entretido tentando pensar numa maneira de me livrar daquela maldita coceira quando percebo que ele retornava ao quarto com algo na mão. Ele me estende um espelho, ainda com um sorriso divertido nos lábios, mas mantendo o silêncio. Não sei porque ele queria tanto que eu me olhasse no espelho. Estico a peça em frente a meu rosto com um certo receio. Quando vejo a imagem refletida no espelho eu mesmo não agüento e desato a rir. Eu estava completamente empipocado. Minha pele esta cheia daquelas bolinhas de pus, ali estava a razão de minha coceira, da febre e do enjôo. Eu, o grande Shaka de Virgem, Cavaleiro de Athenas, Homem mais próximo de Deus, que já morrera e ressuscitara algumas vezes fora completamente derrubado por uma Catapora – uma doença infantil. Cômico, vergonhoso.

— Eu não acredito no que eu estou vendo. Diz pra mim que você pintou essas bolinhas na minha cara...

Mu desatou a rir de novo. Olhei novamente no espelho. A minha cara de desolação estava realmente cômica.

— Precisamos ir ao médico. Eu não faço idéia de como cuidar disso.

Ele me respondeu que não era difícil de cuidar. Kiki já tivera Catapora em Jamiel. Alguns banhos com produtos próprios, remédios para os sintomas tais como anti-térmicos ou coisa do gênero, mas que de qualquer forma o ideal era ir ao médico pois poderia ser também sarampo que era bem mais perigoso e mesmo a catapora era bem mais agressiva em adultos.

— Isso só pode ser um sonho ruim! Meditação atravessada por algum ser maligno querendo me impedir de chegar ao nirvana. – eu estava catatônico, histérico.

Mu parou de rir e me olhou de forma séria. Ele percebeu que eu não estava conseguindo lidar bem com o fato de também ficar doente.

— Shaka, você ficou doente e pronto. Nada mais, nada menos que isso. Vamos ao médico, seguir o tratamento a risca e em uma semana estará são novamente. Portanto, trate de aceitar o fato de que você não é completamente imune. Vamos, venha comigo, um banho tépido vai amenizar um pouco a coceira e baixar a febre, depois direto e reto para a enfermaria e sem discussões. Fui claro?

— Sim, general Mu. – falei batendo continência para Mu. Se não havia mais volta o que adiantava ficar me lamuriando e negando o óbvio? Minha mente prática e racional me obrigou a melhorar o meu humor. Eu já estava me sentindo horrivelmente mal, me coçando como cachorro sarnento, se ainda destilasse todo meu mau-humor característico Mu não me agüentaria e para falar a verdade, acho que nem eu mesmo me agüentaria. Então resolvi fazer um pouco de brincadeira. Mu percebeu minha disposição e entrou no espírito da coisa me arrastando para o banheiro. Eu realmente precisei de ajuda. Me sentia muito fraco. Antes de ficar doente estava a vários dias sem comer e agora tudo que entrava em meu estômago volta ao mundo pela mesma via de entrada. Meu organismo estava pervertendo toda ordem de trânsito do sistema digestivo. Uma verdadeira subversão da ordem estabelecida.

Depois de ser delicadamente banhado por meu amado, pude perceber que as coceiras realmente amenizaram um pouco e que a febre cedera bem. Em geral poderia até afirmar que eu estava bem. Descobri de forma prática como tudo é relativo. Em meu estado normal eu diria que estava péssimo, mas em vista do que eu estava antes do banho,naquele momento estava simplesmente ótimo.

Coloquei uma túnica leve de algodão que não grudava nas malditas bolinhas que recobriam todo meu corpo, mas me preocupei em pegar uma capa, caso a febre aumentasse novamente e eu viesse a sentir frio. Estava pronto. Iría ao médico pela primeira vez em sei lá quantos anos. Confesso que eu estava com medo. Não tive medo de lutar contra monstros e deuses e estava com medo de ir ao médico. "Covarde" resmunguei alto comigo mesmo.

— Que foi Shaka.

— Nada. Estava resmungando.

— Só pra variar.

— Como? – a indignação tomou conta de todos os meus sentidos. Mu começou novamente a rir.

— Amado meu, você foi eleito o cavaleiro mais ranzinza deste Santuário no último Oscar dos Melhores e dos Piores, lembra-se?

— Como se você me deixasse esquecer.

— E eu eleito o Masoquista Mor...

— É, masoquista por me aturar... Eu tenho paciência demais com esse povo. Ainda vou descobrir o inferno ideal pra cada um deles.

— Fiquei com medo... – Mu falou em tom de brincadeira. Ele sabia que por mais que eu reclamasse, eu amava a ele acima de todos, mas também amava àqueles lunáticos que compunham a guarda da Deusa Athenas. E só por isso ainda não tinha pulverizado um por um.

Continuamos a descer as escadarias nesse tom de brincadeira. Conversávamos coisas banais. Eu não queria me lembrar que estava sendo carregado no colo por Mu. Apesar de detestar estar assim tão vulnerável, eu estava fraco demais para descer toda aquela escadaria com minhas próprias pernas.

As casas abaixo da minha estavam silenciosas. Aiória já devia estar na arena treinando, ele gostava de treinar ao raiar do dia, antes de Marin e o filho acordarem. Carlo havia se mudado para peixes, deixando a macabra casa de câncer vazia. Já estava na hora daquela decoração ser trocada! Saga voltara a ser o mestre do Santuário – só a Saori mesmo para entregar o ouro na mão do bandido, mas enfim, ela era a Deusa, devia saber o que estava fazendo – e ele morava novamente no Grande Templo após a casa de Peixes. A primeira alma viva que encontramos na descida foi Aldebaram.

Ao olhar para minha cara o grandalhão precisou exercitar todo seu alto controle para não rir, mas eu vi que ele estava ficando sem ar, lágrimas saiam de seus olhos e suas bochechas estavam inchadas...

— Pode rir, Deba.

— HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA . Desculpe Shaka, mas um Cavaleiro de Ouro derrubado por Catapora é hilário. Você está lindo assim, sabia? Ops... Desculpe, Mu.

— Não precisa se desculpar Deba, MEU doentinho é lindo de qualquer maneira, até mesmo com pintinhas de catapora. Agora eu vou levá-lo ao médico.

— Sem estresse, sem estresse. Caso precisem de alguma ajuda, podem contar comigo.

— Obrigado. – Mu respondeu de forma seca. Virou as costas comigo no colo e saiu da casa de Touro. Eu sei que é tolice, que não havia motivo, mas eu adorei a discreta crise de ciúmes de Mu. E mais ainda a maneira como ele reafirmou sua posse sobre mim. Eu realmente sou dele, assim como ele é MEU. Só Meu.

Chegamos ao médico que teve a mesma reação de Mu e Deba, uma crise de risos. Depois dos exames de praxe, ele pôde constatar que realmente o mal que me acometia era uma reles Catapora, mas pelo fato de ser adulto e de meu corpo nunca ter tido contato com esse tipo de doença, os sintomas estavam mais acentuados que o normal. A tudo isso soma-se o fato de eu estar completamente enfraquecido e vulnerável pela falta de alimentos. Era necessário que eu me alimentasse, mas como o faria se nada parava em meu estômago? O médico então aplicou-me uma injeção para tentar diminuir os meus enjôos e pediu a Mu que tentasse me alimentar com sopas, mingaus, legumes cozidos. Caso eu não conseguisse segurar o alimento em meu estômago rebelde Mu deveria se comunicar com ele para que ele fosse a minha casa me colocar no soro.

Eu precisava comer! Já era desconfortável demais a coceira, a febre, as dores no corpo e os enjôos e ainda por cima ficar completamente preso a cama tomando soro! Era demais pra mim. Meu orgulho ferido chegou a estratosfera. Agarrei a capa que havia trazido. Joguei por cima dos ombros, mais para esconder as lesões do que pelo frio, levantei-me da cadeira – meio trôpego, é verdade, mas eu iria sair dali com meus próprios pés.

— Vamos Mu. Já estamos com todas as recomendações. Quero voltar para minha casa.

Mu ainda ficou por alguns instantes conversando com o médico dentro do consultório antes de sair e me encontrar escorando uma parede. Afinal a pobrezinha estava tão abalada que se eu não a escorasse ela poderia cair.

Mu me segurou pela cintura e me colocou novamente em seu colo. Tentei esboçar algum tipo de protesto. Essa merda de corpo que eu tenho estava me colocando em situações deveras constrangedoras.

— Ou muito me engano, ou isso foi uma crise de orgulho ferido...

— Lógico que foi. Coloque-se no meu lugar e imagine como eu estou me sentindo...

— Eu faço uma leve idéia meu amor. Mas lembre-se que estou a seu lado. Agora. Sempre.

— Ainda bem que é você. Não sei se poderia lidar com a piedade de outras pessoas, mesmo precisando.

— Sem show. Você precisa de cuidados e de ajuda e não de piedade.

— E não é a mesma coisa?

Mu ficou tão indignado comigo que imediatamente me largou. O tombo que levei foi fenomenal. Abaixei minha cabeça e a escondi entre meus joelhos e comecei a chorar. Quanta tolice eu estava falando e fazendo.

— Espere alguém que tenha piedade de você e te leve pra casa. Este alguém não sou eu. Eu te amo, não tenho pena de você, seu arrogante.

— Me desculpe, Mu. Eu exagerei. Por favor, me ajude. Eu confio em você e em seu amor.

— Tem certeza?

— Sim.

Ele me pegou novamente em seu colo. Passei a mão por meu traseiro dolorido.

— Por que tem que ser assim, Shaka? Por que é incapaz de acreditar ou aceitar que eu realmente te amo? Acabo fazendo coisas que não gostaria, mas você consegue despertar meu gênio ruim com uma maestria...

— É difícil pra mim, não sei lidar com o amor, Mu. Durante todo esse tempo venho lutando contra mim mesmo, contra você, contra o Santuário, contra o nosso amor, contra tudo que sei e aprendi por conta de meu orgulho. Ainda não aprendi como me livrar dele ou domá-lo, mas juro que estou tentando. Quando cai na cozinha ontem estava indo comer algo para descer e te pedir perdão, perdão por não te dar ouvidos, perdão por não estar a seu lado quando precisa, perdão por me achar acima de tudo e de todos. E agora esta doença tão ridícula, que foi capaz de me derrubar, veio para me provar mais uma vez que não sou infalível ou imbatível ou ainda indestrutível. Um dia chegaremos ao fim e não quero perder mais tempo com discussões inúteis e sem nexo.

Eu falava enquanto íamos subindo as escadas. Outros cavaleiros, servos já circulavam pelas escadarias, mas não tiveram coragem de falar conosco, apesar da curiosidade gerada pela cena. Eu, todo empolado, subindo as escadas no colo de Mu.

Algumas lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto de meu amado. Mas só eu sabia que não eram lágrimas de tristeza.

— Shaka, você não sabe como pedi aos deuses para te dar este conhecimento. Você é sábio, mas do alto de sua arrogância não percebia o mais óbvio. Não percebia tudo aquilo que acabou de me falar. Te perdoar. Não posso te perdoar. Não posso fazer algo que já foi feito. Eu te quero a meu lado. Sem mágoas, sem máculas. Eu, você, nosso amor, nossos amigos, nossa deusa. Você quer?

— Lógico!

E assim chegamos na casa de Virgem. Ainda seria uma longa recuperação. Muitas coisas ainda aconteceriam, mas eu já estava me sentindo mais leve, mais feliz. Estava descobrindo como é bom se permitir amar de verdade, confiar cegamente...


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