Pride and Passion escrita por oicarool


Capítulo 1
Capítulo 1




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Elisabeta Benedito batia os dedos distraidamente na superfície de madeira. Seus olhos pareciam focar nos esboços do que seria sua próxima coluna, mas seu pensamento estava longe daquele texto. Sua mente era ocupada por um inglês de quase dois metros de altura, que o que tinha de tamanho, tinha de capacidade para irritá-la.

Não gostava de reclamar sobre sua vida. Era uma privilegiada e sabia disso. Desde sua infância feliz no Vale do Café, sua enorme, ruidosa e amorosa família, até a oportunidade de ouro que Lorde Archiebald Williamson ofereceu anos antes. Tudo em sua vida era abençoado, e cada momento único havia sido determinante para que estivesse naquela redação naquele momento.

Sabia que, não fosse Lorde Williamson aparecer em seu caminho, tinha grandes chances de neste momento ser mais uma dona de casa no interior. Mas o inglês havia percebido seu dom para as palavras, sua necessidade de expressar sua opinião, e cinco anos antes oferecera a ela e à seus pais a oportunidade de uma educação nas melhores escolas de São Paulo.

Lorde Archiebald Williamson era seu anjo da guarda, e com o passar dos anos aprendera a lidar com o temperamento arredio de seu benfeitor. Era um homem fechado, sério e amargurado pela rejeição que sofria dos filhos. Mas aos poucos Elisabeta também pode conviver com um lado humano, caridoso e até mesmo amoroso do inglês, a quem se acostumara a ver como um pai ou avô.

Nos últimos cinco anos o velho Lorde pagara por sua educação, e ao retornar para casa, ensinara à Elisabeta regras de etiqueta, literatura, música. Mostrara a uma moça que sonhava com o mundo como portar-se diante dele. E quando, um ano atrás, completara seus estudos, dera a ela a oportunidade de trabalho no jornal local.

Talvez por isso, por sua enorme gratidão à quem lhe dera tamanha oportunidade de mudar de vida e conquistar seus sonhos, sem nunca pedir nada em troca, é que Elisabeta agora encontrasse tanta dificuldade em conviver com seus recém-chegados filhos. Após anos de rejeição e isolamento, Darcy e Charlotte Williamson agora novamente dividiam o teto com Archiebald.

Os filhos do Lorde atenderam anos de apelo e finalmente aceitaram retomar sua relação, e Elisabeta sabia que havia mais do que a vontade de um pai. Archiebald estava cada vez mais esquecido e indisposto para o trabalho, e confidenciara à Elisabeta que pretendia, ao final daquela estadia, afastar-se definitivamente dos negócios, deixando tudo para seus filhos.  

Charlotte Williamson era uma moça um pouco mais nova que Elisabeta, e agora, ao conhece-la, notava a semelhança que Lorde Williamson sempre apontava. Charlotte era sincera, honesta, sem medo de expressar seus pensamentos, e apesar das mágoas que guardava do pai, era evidente seu afeto e respeito pelo homem. Tratava Elisabeta com cordialidade, ainda que sem muita abertura.

Já Darcy Williamson era, na opinião de Elisabeta, a pessoa mais irritante a quem tivera o desprazer de conhecer. Alto, imponente e arrogante, o filho mais velho de Archiebald não perdia oportunidades de destratar o próprio pai. Quanto à Elisabeta, o inglês fazia questão de demonstrar a todo momento sua discordância de tudo o que ela fazia.

Elisabeta suspeitava que Charlotte e Darcy não tivessem conhecimento sobre a natureza paternal de sua relação com Archiebald. Notava em seus olhares desconfiados, e em algumas insinuações de Darcy. Mas estava acostumada a esse tipo de mal entendido. Considerava injusto, uma vez que o Lorde nunca tivera com ela qualquer intenção além de ajuda-la a se tornar alguém na vida, mas não era incomum a desconfiança.

Mas agora lidava com as mudanças na rotina da casa. Ao invés de seus jantares com Lorde Williamson, onde discutiam as notícias do dia e as próximas colunas de Elisabeta, agora ela era parte dos desconfortáveis e silenciosos jantares em família. Darcy nunca se esforçava para manter uma boa conversa com o pai, e Charlotte e o Lorde tinham ainda poucos assuntos em comum.

Para piorar sua situação, o interesse maior de Darcy era o jornal, apesar da enorme variedade de negócios que Archiebald possuía. Darcy Williamson tomara conta do periódico, instalara-se na sala do editor chefe, e agora tentava mudar o perfil jornalístico, com uma visão que, na opinião de Elisabeta, era retrógrada e limitada.

Por isso evitava Darcy o máximo que podia. Trocava o mínimo de palavras em casa, e ainda menos no jornal. Tentava ignorar as indiretas do homem, e seus pitacos em seu trabalho. Tentava ignorar os olhos verdes dele a seguindo pela redação, e o desconforto de suas insinuações a respeito de um interesse oculto que pudesse ter no dinheiro dos Williamson.

Mas sabia que não aguentaria por muito tempo. Os filhos do Lorde não estavam no Brasil nem há um mês, e Elisabeta já via-se exausta de controlar seu temperamento para evitar conflitos. O fazia pelos pedidos constantes de Archiebald, e por saber que não possuía maiores direitos do que os filhos de seu benfeitor. O fazia por respeito e gratidão à ele, mas a cada vez que Darcy respondia atravessado as tentativas de conversa de seu pai, seu sangue fervia.

E naquele dia, em especial, suas emoções pareciam prestes a explodir e sair do controle. Começara no café da manhã. O Lorde e Charlotte estavam no jardim, e Elisabeta dividira a mesa apenas com Darcy.

— Precisamos conversar sobre sua última coluna. – ele disse, em um tom de voz arrogante, sem desviar os olhos do jornal.

— Sobre o que, exatamente? – Elisabeta ergueu a sobrancelha.

— Sei que Venâncio dava a você liberdade incondicional, atendendo à pedidos de meu pai. – sorriu, irônico, finalmente encontrando os olhos dela. – Mas precisamos ser mais políticos agora, não posso tolerar denúncias como as que fez à fábrica de tecidos.

Elisabeta havia ficado em silêncio por alguns segundos, incapaz de responder.

— Política e jornalismo não combinam. – disse, categórica. – Temos um compromisso com a verdade, e não com a cordialidade.

— Tolice. – Darcy revirou os olhos. – Precisamos de anunciantes no jornal, e sua coluna os afasta.

Mais uma vez, Elisabeta evitou o conflito. Assentiu, ainda que discordasse, e notou o olhar incomodado dele. Era como se Darcy procurasse brigas com ela à todo instante, tentando provocá-la, tirá-la do sério. Mas tentava respirar fundo e ignorar qualquer tentativa, ainda que a irritação tomasse conta dela.

Finalmente seu foco retornou à seus esboços, e sorriu consigo mesma. Se Darcy não havia gostado de sua coluna sobra a fábrica, mal podia esperar por sua reação ao ler uma crítica ao próprio jornal e a mudança de seu editorial. Podia evitar brigas tolas, mas o jornal era seu trabalho, e não ficaria quieta diante dos desmandos do inglês.

— Parece que está aprontando alguma coisa. – Elisabeta ouviu a voz de Olegário, um de seus colegas de trabalho.

— E estou. – ela sorriu abertamente. – Dê uma olhada.

Elisabeta ofereceu os textos à Olegário, observando o sorriso do homem se alargar a medida que avançava na leitura.

— Isso está fantástico, Elisa. – ele riu alto, chamando atenção de outras pessoas. – Mal posso esperar para ver a reação do chefe.

— Não vai mudar de expressão. Ele é incapaz de mudar aquela expressão de quem acaba de tomar limonada sem açúcar. – Elisabeta também riu.

E deveria ter esperado que qualquer menção ao bom humor fosse chamar atenção de Darcy. Antes que pudesse voltar sua atenção ao trabalho, o inglês adentrou a redação, com um sorriso irônico nos lábios.

— Vejo que todos estão com o trabalho concluído. – falou, em tom monótono.

— Senhor Williamson. – Olegário disse, exagerado. – Em que podemos lhe ajudar?

— Gostaria que trabalhassem mais, estão parecendo um bando de comadres no horário do chá. – disse, seus olhos em Elisabeta, que engoliu em seco. – Senhorita Benedito, precisamos discutir sua coluna.

— De novo? – ela deixou escapar, quando ele já virava as costas.

— Sim, de novo. – Darcy virou-se novamente, irritado. – E quantas vezes eu achar necessário, até que pare de escrever tolices.

Ela revirou os olhos assim que Darcy retirou-se da sala.

— Como é que você aguenta? – Olegário a cutucou.

— Eu não aguento. – deu de ombros. - Mas é melhor ver o que este infeliz quer comigo.

Elisabeta entrou decidida na sala de Darcy, fechando a porta atrás de si. Respirou fundo uma, duas, três vezes, tentando controlar sua língua, tentando não iniciar a discussão que Darcy tanto ansiava.

— Pois não? – perguntou, parando em meio à sala, os braços cruzados.

— Sente-se. – ele disse em tom autoritário.

— Estou bem assim. – Elisa revirou os olhos. – Sobre o que o senhor quer conversar?

— Como disse hoje pela manhã, não gosto do tom de seu texto. – ele sorriu, como um predador.

— Sim, acredito que deixou claro hoje pela manhã. – manteve a expressão fechada.

— Não gosto de seu tom agora. – Darcy levantou-se, uma ponta de irritação em sua expressão.

— Isso nos faz dois, eu geralmente não gosto do seu tom. – Elisabeta deixou escapar antes que pudesse se controlar.

— É mesmo? – ele cruzou os braços também, parecendo ainda maior.

Elisabeta ficou em silêncio, sustentando o olhar dele.

— Eu entendo que a incomode. Minha presença estraga seus planos. – Darcy acusou, por fim.

— Que planos? Do que está falando?

— Já nos conhecemos há quase um mês, senhorita Benedito. Sei que está incomodada que eu minha irmã estejamos novamente convivendo com nosso pai. Posso apenas imaginar os planos que fez para o dinheiro dele nos últimos cinco anos.

Elisabeta manteve o olhar no dele, surpresa. Darcy Williamson costumava ser sútil em suas acusações, em sua forma de insinuar que havia algum interesse financeiro por trás de sua relação com seu pai. Mas nunca fora direto, nunca fora tão cru.

— O senhor me ofende. – foi o máximo que conseguiu responder.

— Ofensa é a senhorita abusar da boa vontade de um idoso para obter vantagens financeiras. – Darcy disse em tom controlado, porém agressivo. – Eu e minha irmã temos nossas diferenças com nosso pai, mas não deixaremos que seja usado.

E então foi como se todo o controle das últimas semanas evaporasse, como se todas as palavras não ditas dançassem na ponta da língua de Elisabeta, cada pensamento guardado para si.

— O senhor e sua irmã ignoraram todos as tentativas de seu pai de manter contato. – ela aproximou-se, apoiando-se do outro lado da mesa de Darcy. – Não se importaram em ter notícias sobre sua saúde, ignoraram cada tentativa de aproximação. Voltaram agora, quando ele está doente e fragilizado, e embora eu admire os esforços de sua irmã, não os vejo no senhor.

— Como ousa... – Darcy ameaçou levantar a voz, sendo cortado por Elisabeta.

— Fiquei calada diante de suas implicâncias gratuitas e seus desmandos no jornal. Mas não me tome por quem o senhor é, senhor Williamson. Se há nesta sala alguém que cultiva uma relação com Lorde Williamson por interesse financeiro, este alguém não sou eu.

Darcy a encarou, em silêncio. Tentava controlar suas emoções quando estava perto de Elisabeta Benedito, mas suas tentativas eram em vão. Tudo nela o incomodava, desde o primeiro momento. Sua beleza, seu olhar observador, as palavras cuidadosamente escolhidas quando estava perto dele ou Charlotte. Conhecia tipos como Elisabeta, aos montes. Mulheres que se aproveitavam de um rosto bonito e um corpo atraente para subir na vida.

Era mentira que não soubera notícias do pai. Sabia todos os passos de Lorde Williamson, e ficara cada vez mais atento desde que Elisabeta entrara em sua vida. Susana Donato, sócia de Julieta, era a responsável por informa-lo, e não havia dúvida em suas palavras quanto ao interesse e dissimulação de Elisabeta. Mas Darcy só pode retornar após a irmã completar seus estudos, não arriscaria deixar Charlotte à mercê de Diogo Uirapuru novamente.

E desde então a observava atentamente. Era uma pessoa completamente diferente quando estava perto dele ou Charlotte. Com seus colegas de trabalho e até mesmo com seu pai era uma pessoa expansiva, tagarela, distribuindo sorrisos. Mas quando lidava com Charlotte ou com ele, se escondia. Podia ver a irritação no olhar dele, mas quase nunca o respondia com agressividade, escolhia sempre uma resposta neutra.

Por isso tentava apertar os botões de Elisabeta, esperando que mostrasse sua verdadeira face. Sorriu, por fim, ao perceber que finalmente arrancara dela mais do que uma resposta cordial, mais do que concordâncias fingidas.

— É bom ver que finalmente mostrou suas garras. – o sorriso dele era convencido. – Mas está avisada agora, senhorita Benedito. Eu farei de tudo para tirá-la da vida de meu pai.

— Sugiro que comece perguntando à seu pai a opinião dele. – Elisabeta afastou-se da mesa. – E quanto à coluna, continuarei escrevendo no tom que achar adequado, no seu jornal ou em qualquer outro.

— Em qualquer outro será. – Darcy sentou-se novamente. – Em breve você estará fora da vida de meu pai, da mansão e deste jornal.

— Há um problema sobre mim, senhor Williamson. Há uma teimosia em mim que não pode ser intimidada pelos desejos dos outros. A minha coragem sempre aumenta em qualquer tentativa de me intimidar. – Elisabeta pontuou, decidida.

— É o que veremos. – ele sustentou o olhar dela.

E antes que pudesse pensar, Elisabeta virou as costas, batendo a porta com mais força do que o necessário ao sair. Estava cansada de Darcy Williamson, de sua arrogância e agora, de suas acusações.


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