In a Crown escrita por Nipuni


Capítulo 2
Ain't no Rest for the Wicked


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada pelo apoio! Espero que gostem do capítulo, foi maravilhoso voltar a escrever ♥



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O dia da mudança não foi o que eu esperava. Nuvens escuras pairavam sobre toda a cidade num clima de luto, mas sem nenhuma chuva cair. Não era o ideal, de fato, mas teria que funcionar.

Coloquei minhas malas no bagageiro do táxi e me sentei no banco de couro. Com tudo que diziam de Sasuke e sua família na TV, eu esperava chegar em uma grande e imponente mansão com colunas de marfim e janelas azuis, ou talvez um jardim botânico digno de ser capa de uma revista de paisagismo. Sabia que eram uma família extremamente reservada – o que ajudava a sustentar os rumores das más línguas e a dificultar minha pesquisa pessoal –, mas fiquei surpresa com o quanto conseguiam esconder seu interior. Não achei artigos sobre a corporação que fundaram, ou quais propriedades eles possuíam no país, ou se sequer se sediavam no Japão.

Enquanto o táxi passava por avenidas e ruas rumo ao centro da cidade – o endereço que Sasuke me deu, percebi como estava entrando em um clã de fantasmas.

O toque do meu celular rachou o silêncio entre eu e o motorista. Olhei para a tela e li o último nome que queria. Estava prestes a ouvir uma bronca.

— Oi, Ino.

 Oi? É só isso que tem pra me dizer? – sua voz aguda estava alguns tons acima do normal. Engoli em seco enquanto ela puxava o ar pra continuar. – Que tal você começar explicando porque todas as suas coisas sumiram do apartamento?!

— Eu consegui o contrato.

Ino engasgou.

— Você o quê? – ela respirou fundo. A linha continuou silenciosa por alguns instantes. – Porque não me disse antes de eu chegar de viagem?

Porque você me convenceria a desistir.

— Achei que você chegaria antes. – menti. – Queria te contar pessoalmente.

— Ótimo. Maravilha. Então agora você vai casar de novo e eu não vou ter ninguém pra comemorar minha aposentadoria.

Arregalei os olhos. Ino tinha acabado com o último casamento – claro, já que foi ela que me colocou nesse ramo pra início de conversa – e tinha decidido se aposentar? Não parecia muito com a garota cheia de contas do hospital pra pagar com quem eu dividia apartamento.

— Você tá brincando, né? – silêncio. – Vai se aposentar mesmo?

Ouvi uma risadinha.

— Eu conheci um cara. – ela riu de novo, mais alto dessa vez. – Mas só vou te contar a história completa quando vier me visitar. Ou será que eu sou bem vinda no covil Uchiha?

Não pude evitar um pequeno sorriso. A verdade é que eu não fazia ideia de como seriam os próximos meses, e mal sabia se eu seria bem vinda no covil Uchiha.

— Veremos. Não cheguei lá ainda.

— Na verdade, moça, chegamos.  – o taxista falou, saindo do carro em direção ao bagageiro.

— Preciso desligar. Te ligo mais tarde.

Mal esperei Ino responder antes de enfiar o celular de volta no bolso. Saí do carro, ignorando o motorista que esvaziava o carro, enquanto olhava de prédio em prédio atrás do número 338. Um pouco a direita, com uma fachada enorme e de vidro, encontrei o que seria meu novo lar. Por alguns meses, pelo menos.

Mesmo que não fosse a mansão que eu imaginava, não perdia por muito. O edifício era enorme e elegante, e ao mesmo tempo extremamente discreto na paisagem de Tóquio. Não era exatamente modesto, mas não me surpreende que nenhum dos jornais tenha o descoberto ainda.

Na porta, parado entre duas colunas negras, estava um homem ruivo, de terno e sapatos caros, postura impecável. Quando ele me viu, veio diretamente em minha direção.

— Senhorita Haruno. – ele fez uma pequena reverência. Em outra situação, eu teria rido. – Estava te aguardando. O senhor Uchiha teve que fazer uma viagem breve a negócios e me instruiu para acomodá-la na residência.

Fiz que sim, procurando discretamente por alguma identificação.

— Obrigada...

— Juugo.

Sorri.

— É um prazer. – ele pareceu um pouco confuso quando lhe estendi a mão, mas não demorou muito para apertá-la.

— Por aqui. Vou mandar um rapaz buscar suas malas.

Segui Juugo para dentro do prédio, dando de cara com um grande salão, cheio de espelhos e decorações aos tons de creme e dourado. O chão por si só parecia uma obra de arte, cheio de ornamentos, e todos ali pareciam ganhar mais do que o PIB de países pequenos. Mensalmente.

Finalmente consegui imaginar um lugar onde a figura de Sasuke pertenceria.

Juugo me guiou até um dos elevadores. Observei enquanto ele tirava um pequeno cartão verde de dentro do paletó e o passava em algum tipo de scanner, fazendo a porta de metal se abrir.

— Esse é o elevador pessoal do senhor Uchiha. – Juugo falou enquanto entrávamos. Observei como não tinha nenhum botão. – Dá direto na cobertura.

Fiz que sim, mordendo o lábio inferior. Talvez Sasuke fosse mais do que eu esperava. Já me casei com alguém que era rico, mas não esse tipo. Senti um nó na garganta enquanto o elevador passava pelos andares. O sentimento de inquietude voltou e escalava mais a cada segundo que passava – era hora de começar a me perguntar de onde vinha tanto dinheiro.

Respirei fundo e fechei os olhos. Juugo pigarreou ao meu lado.

— Também não gosto muito de elevadores.

Abri os olhos quase ao mesmo tempo em que a porta se abria novamente. O reflexo pristino da cerâmica impecavelmente branca no chão refletiu a luz que entrava pelas paredes de vidro, iluminando todos os móveis e decorações no apartamento. Dei um passo pra dentro, ainda anestesiada pela vista.

Um grande piano-forte estava a direita, próximo a um bar, e à minha esquerda uma longa mesa com mais de dez lugares, de frente para uma das janelas. Olhei ao redor e encontrei uma passagem que assumi ser para a cozinha, e uma longa escadaria em curva para o andar de cima.

— Seu quarto é por aqui. – Juugo passou por mim, em direção à escada.

Franzi o cenho. Seu quarto?

Acelerei o passo, subindo os degraus atrás dele. Juugo parou na frente de uma das portas enquanto me esperava. Ele deu uma boa olhada em mim antes de abrir a porta.

O quarto era modestamente decorado, com uma cama de colchas brancas, uma escrivaninha próxima a varanda e um closet aberto vazio ao meu lado. Notei duas outras portas – uma aberta e uma fechada – em extremidades opostas do quarto. A aberta revelava um banheiro, com um chuveiro e uma banheira, além de uma pia atada a um grande espelho.

— O que tem atrás daquela porta? – me peguei perguntando, enquanto Juugo continuava a me assistir.

— Aquele é o quarto do senhor Uchiha. Ele me pediu pra não dizer mais do que isso.

Estreitei os olhos, dando dois passos em sua direção.

— Então você sabe?

Juugo não mudou a expressão. Eu suspeitava que Sasuke precisaria de alguém pra ajudá-lo com a façanha de um casamento falso, mas não esperava que fosse o primeiro assistente conheci.

— Apenas o básico. – ergui uma sobrancelha. – E vou me assegurar que ninguém mais saiba.

Cruzei os braços, me virando para encarar o quarto.

— Quando ele chega? O senhor Uchiha.

— A previsão de pouso é sete e meia.

Balancei a cabeça, assentindo.

— Obrigada, Juugo.

— Ele também me pediu pra lhe entregar isso. – Juugo entrou no closet e voltou com uma sacola negra sem logo. – Disse que seus pais virão para o jantar.

E com isso, deixou o quarto.

Fiquei alguns instantes debatendo se devia ou não abrir a sacola. Ainda tinha que esperar minhas bagagens pra que pudesse fazer a mudança, e Sasuke não chegaria por algumas horas. Se era pra mim, não devia ter problema dar uma olhada. Rasguei o lacre, encontrando um bilhete sobre alguma coisa empacotada.

Use isso hoje à noite.

— S.

Bufei. Pelo menos ele era sucinto.

...

Sua família era menor do que eu esperava. Em um sentido, era bom – menos gente também significa menos mentira. É mais fácil lembrar das histórias que você inventa quando o público é menor.

Mas por outro lado, menos gente também significa que opiniões são mais contagiosas. Tendo isso em mente, sabia que se um deles não gostasse de mim, as chances dos outros também não gostarem aumentavam e muito. E não era isso que Sasuke queria – portanto, não era isso que eu queria.

Sua mãe parecia ser quem estava mais inclinada a me receber. Era triste ver como ela estava feliz sabendo que seu filho estava noivo, sem saber de toda a mentira envolta. De todo meu trabalho, mentir para as mães era de longe a pior parte.  Eu sei que eu odiaria mentir pra minha mãe sobre isso. Ainda assim, contei minhas vitórias e aceitei que a aprovação de Mikoto era algo bom, independente de como a consegui.

Seu pai e seu irmão eram um pouco diferentes, no entanto. Eles faziam perguntas muito mais inteligentes, não porque imaginavam que eu estava ali de aluguel, mas por motivo pior – achavam que eu era aproveitadora. E essa opinião era a mais difícil de mudar.

Durante o jantar, Sasuke sentou ao meu lado, Fugaku sentou na cabeceira da mesa, sua esposa ao seu lado e Itachi de frente pra mim. Eu tentava responder as perguntas o mais independentemente que conseguia, porque além de impressionar Sasuke – que era quem eu realmente precisava ter ao meu lado –, daria uma autoridade às minhas respostas. Todo mundo gosta de quem tem pensamento independente.

— Eu admiro muito o que você estuda, Sakura. – Itachi sorriu sorrateiramente por trás da taça de vinho, tomando um gole com os olhos amarrados à mim. – Gostaria que meu irmão tivesse mais interesse nas paixões dos escritores, como você.

Sasuke sorriu e tomou minha mão sobre a mesa, de maneira que fosse plenamente visível. Não olhou pra mim, dessa vez.

— Que bom que ela tem interesse por nós dois.

A atenção de Itachi continuou sobre mim por alguns segundos. Ele colocou a taça novamente sobre a mesa, se inclinando para frente.

— É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar em busca de uma esposa. – seu olhar mostrava o quão aberto seu desafio era. Claramente, ele tinha dúvidas quanto à minha história.

Notei como Sasuke se enrijeceu ao meu lado. Ergui uma sobrancelha e me virei pra ele com o sorriso mais branco que sabia fazer.

— Querido, se você tivesse me dito que seu irmão era fã de Jane Austen eu teria preparado meu material da faculdade pra ele. – Sasuke se virou pra mim, mais relaxado, e deu um sorriso que por um minuto acreditei ser genuíno. Me virei de volta pra Itachi, enlaçando os dedos de Sasuke nos meus. – Eu escrevi uma tese sobre essa mesma frase, semestre passado.

Itachi sorriu. Não pude dizer se era um sorriso de aprovação ou um sorriso de quem está suspeitando, mas resolvi contar a vantagem e sorrir de volta.

— Que coincidência.

Fugaku pigarreou e fez com que todos os olhos se virassem em sua direção.

— Acho que o que Itachi está tentando dizer é que – ele esticou o braço sobre a mesa e deitou a mão sobre a minha e de Sasuke. – vai ser um prazer imenso ver os dois se casando. Sasuke nunca foi muito bom em escolher namoradas, mas parece que dessa vez ele acertou.

— Fugaku! – Mikoto arregalou os olhos, o repreendendo.

Espiei o homem ao meu lado, tentando ler seu perfil. Sasuke parecia impassível ao comentário de Fugaku, mas pela reação de sua mãe, era óbvio que tinha uma história ali.

Depois que a sobremesa foi servida e os homens foram pra varanda acender charutos ou fazer o que homens fazem quando estão sozinhos, Mikoto me acompanhou até o sofá frente à lareira. Era um sentimento horrível ter que mentir pra ela quando me acolhia tanto, mas o que eu podia fazer? Ossos do ofício. Talvez quando tudo estivesse acabado, eu poderia contar a verdade e agradecê-la.

Ela arrumava os fios soltos do meu penteado enquanto falava.

— É uma pena o que houve com seus pais. – ela sorriu, tocando em minha mão. – Eu também perdi meus pais muito cedo.

A verdade é que meus pais não estavam mortos como a história que Sasuke criou pra mim. Então, por mais que eu soubesse atuar e fosse boa nisso, era impossível simular a dor de perder quem ama. E se ela conhecia essa dor, não havia atuação no mundo que pudesse enganá-la da verdade. No lugar disso, tentei trocar de assunto.

— Sua família é adorável. – apertei sua mão, e pela primeira vez na noite, meu sorriso foi verdadeiro. – Muito obrigada por me receber.

Mikoto retribuiu o sorriso, balançando a cabeça.

— Nós só estamos muito animados com Sasuke. A última garota que ele nos apresentou não teve um final feliz.

Estreitei os olhos levemente, tentando me livrar da curiosidade. Era a segunda menção que faziam dela. Talvez ela fosse um dos motivos pra Sasuke ter comprado uma noiva?

— Mas me diga, e o casamento? O que você imagina? – ela continuou.

— Algo simples. Reservado. – vi a surpresa de Mikoto. Ela mal tentou esconder. – Não gosto muito de estardalhaço.

Ela soltou uma risada baixa.

— É admirável, mas não sei se eles vão gostar. – Mikoto gesticulou em direção à varanda, onde os homens da família ainda estavam conversando. Sasuke olhava diretamente pra nós. – Nunca tivemos um casamento pequeno nesse clã.

Ops. Primeira falta.

— Ainda falta tempo pra decidir. – balancei a cabeça, tentando me desfazer do que tinha acabado de dizer. – Tenho certeza que vamos chegar a um consenso.

— Mikoto. – a voz de Fugaku cortou todo o clima de paz, e Mikoto se enrijeceu automaticamente. – Hora de ir, o piloto está esperando.

Ela olhou pra baixo, um sorriso apático abatendo seu rosto.

— Meu marido decidiu que precisa ir pra Moscou hoje. – ela se virou para o marido que estava parado próximo ao bar. – Só vou me despedir de minha nora. Pode chamar o elevador.

Sasuke e Itachi saíram da varanda logo em seguida, e os dois olhavam pra nós.

— Espero que possamos nos encontrar em breve. – afirmei, enquanto nos levantávamos do sofá.

— Tenho certeza que vamos. – Mikoto assentiu, me puxando pra um abraço. O que eu achei completamente normal, até que ela sussurrou. – Tenha cuidado.

Minha garganta fechou. Senti que todos meus medos quanto à Sasuke – principalmente quanto à sua fortuna – voltaram rastejando dentro de mim. Porém, quando Mikoto se afastou, seu rosto estava exatamente como antes. Respirei fundo e, como ela, coloquei uma máscara feliz e sem preocupações. Se ela sussurrou aquilo pra mim, era para que eu soubesse.

Mikoto se afastou em direção ao marido e a Itachi, e os três entraram no elevador.

Fiquei ao lado de Sasuke enquanto acenávamos, na medida que a porta de metal se fechava. A mão de Sasuke repousava sobre minhas costas, e quando o elevador fechou, ela deslizou até minha cintura e me puxou pra perto. Prendi a respiração, Sasuke me pressionava contra seu corpo, mas me dando espaço suficiente pra sair se eu quisesse. Seu olhar via através de mim, e por um instante achei que ele pudesse me revelar alguma coisa.

Umedeci o lábio quando ele falou.

— O que minha mãe te disse?

Desviei o olhar imediatamente. O jeito que Mikoto disse, aquela frase falou mais alto que minha lealdade. Ela não diria aquilo em vão, e contar à Sasuke parecia o maior erro que eu poderia cometer.

— Ela me desejou boas vindas.


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