Relatos do Cotidiano - Parte 2: Referências escrita por Vale dos Contos Oficial


Capítulo 13
Quero voltar sozinho!




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Fazia quase um mês que João Pedro se juntou ao nosso colégio e à nossa turma. Infelizmente, as brincadeiras com ele por parte de alguns eram constantes, mas é claro que eu, defensora dos fracos e oprimidos, sempre dava um meio para que tudo acabasse bem, por exemplo, uma bola de handebol na cabeça de um, um copo com água na cabeça do outro, talvez uns arranhões. Sim, sou uma pessoa levemente violenta, mas nunca faço nada para machucar e ferir realmente.

Fora isso, tudo seguia muito bem. O que mais me deixava feliz era que ele e Zé Antônio não se desgrudavam de forma nenhuma. Claro, o garoto caiu de paraquedas em uma escola com um sistema de ensino bem confuso e com classificação de notas ainda mais, o mais óbvio seria ele se aproximar do aluno mais inteligente, qualquer um sabe disso – se você não é esse tipo de pessoa, ignora o que eu falei.

—Deise, me ajuda aqui!

—O Zé está pedindo ajuda da Deise? É o fim do mundo! – Gritou um garoto do outro lado da sala. Eu não gostava muito dele pelo fato de ele sempre diminuir os outros para ser superior.

—Você vai precisar pedir ajuda do seu anjo da guarda se não ficar quieto! – E mostrei meu punho a ele. Ele ficou quieto no mesmo instante. Não sou aquela que se vangloria por usar a força para conseguir o que quer, nem acho que isso seja certo, mas ninguém, e repito, NINGUÉM vai caçoar de mim. – O que foi querido?

—Depois desse showzinho, vou precisar te perguntar no final da aula. – Todos nos encaravam, o que se desfez assim que lancei um olhar de raiva para cima deles.

—Tudo bem. Depois a gente se fala. – E as aulas se passaram rapidamente. Na saída, eu e Zé Antônio conversávamos quando vimos João indo embora. Como nossas casas ficavam na mesma direção, nos juntamos a eles. – E aí, JP? Conseguindo se adaptar?

—Está tudo muito bem. Só aqueles, vocês sabem quem, que me irritam muito.

—Eu sei que isso não é o que se diga, mas eles você consegue ignorar. Se eles recebem atenção, persistem nas ações.

—E por que você não os ignora? – Ele me pegou, nunca parei para pensar nisso. – Você sempre revida e os ameaça.

—A verdade que isso que te falei eu nunca usei para minha vida. Além disso, eu gosto de revidar, pois eu sei que eles não me desafiarão.

—Lógica bem maluca.

—É a Deise e, para a sua informação, nem lógica existe.

—Isso mesmo, me avacalha na minha cara.

João riu um pouco, mas voltou a fechar a cara. Ele seguiu caminho e nos deixou para traz.

—Não precisa virem comigo, quero voltar sozinho hoje. – Tentamos alcança-lo, mas ele acelerou os passos, sinalizando que queria ficar sozinho.

—Era isso que eu queria falar com você. – Zé parou do meu lado e se encostou na parede. – Ele está estranho assim desde que chegou aqui.

 

—Acha que ele não está contando tudo?

—Ele não precisa contar, não obrigaremos a isso. Porém, ele precisa de ajuda. Será que vai a um psicólogo? Ou se trata com remédios?

—Deise, não é para tanto.

—Mas eu estou falando de homeopatia, um remédio de fundo para ajudar um pouco.

—Mas ainda é necessário?

—Ah, e ficar sofrendo por causa daqueles sem noção é uma alternativa?

—Tudo bem, mas vamos falar isso para ele?

—Sim, mas de que forma? Não podemos simplesmente chegar e falar "Então, querido, vamos tomar remedinho?". Eu sou sem juízo, mas o pouco que tenho faço muito bom uso.

—E se bolarmos uma festa?

—Você sabe que esse negócio de festa é bem subjetivo. Até hoje, nessas histórias, não vi uma que desse certo. Bom, teve a despedida do Marcos, mas não acabou tão bem assim depois de uns meses... – Fiquei tocada com o que disse, recordar o nome dele me trazia algumas lembranças que gostaria de ter vivido. – Ignora o que falei por último.

—Tudo bem, eu sei o que está sentindo. E como podemos fazer essa festa? E onde podemos fazer?

—Em casa eu afirmo que pode, meus pais vão estar viajando. – Ele me encarou com certo espanto. – Mas não será uma festa para somente bebermos. Podemos levar algumas bebidas, e uns salgadinhos. Eu até diria um churrasco, mas deixará rastros.

—Deise, eu sei que somos adolescentes, mas precisamos dar exemplo para quem ler e ver, né?

—É, você tem razão. Eu vou falar com minha mãe e mandarei a resposta para vocês ainda hoje. O João está em nosso grupo?

—Acho que sim. – Ele conferiu e viu que estava. – Assim que tivermos uma confirmação, daremos a notícia. E quem leva o quê?

—Bom, esse negócio de meninos levam as bebidas e meninas, a comida é tão "no sense" que excluímos isso. Por exemplo, podemos contar comigo para o doce, já que meu pai ganha uns potes de sorvete da empresa dele. Ser coordenador naquela parte tem as suas vantagens.

—Posso conversar com Carlos, ele e eu levamos as bebidas. A Milena, Soraia e a Carla podem cuidar de algumas comidas.

—Olha, eu queria chamar a prima da Soraia. Acho que podíamos fazer com que ela se sentisse ainda mais protegida.

—É, depois do que aconteceu fica bem complicado. Mas, se chamarmos ela, vamos precisar convidar o Rogério.

—É o namorado dela? – Zé me confirmou. – Então, chamaremos o Rubens, o rolo da Milena. E eles assumiram esse namoro ou vão ficar nesse "chove e não molha"?

—Eles afirmam que são amigos, mas o que eles sentem não é somente amizade.

—Bom, não somos nós que decidiremos isso. E tem mais um que ainda tenho minhas dúvidas de chamar ou não. – Ele me encarou confuso, pois fazia as contas nas mãos e não tinha ninguém faltando. – Quero saber de você e de Jonas.

—Ah, dele que está falando.

—Zé, Soraia me contou pelo que vocês dois passaram. Ele falou que te esperaria completar dezoito anos para namorarem?

—Não com essas palavras, mas eu não sei...

—Querido, a vida anda e a uva passa, não acredito que ele esperará. E vocês nem ficaram por causa da idade.

—Ele tem medo por causa disso.

—Você ainda nem completou dezesseis anos. Ele não esperará mais de dois anos para isso. Se ele não prometeu que te esperará, certamente está fazendo bagunça no meio do caminho. Eu conheço a figura e duvido muito dessa história.

—Eu o conheço pouco, conversamos bastante, mas não nem sei o que fazer.

—Olha, vocês poderiam manter contato, até dar uns beijos.

—Deise, é crime. Vai cair uma bomba em cima dele.

—Então, larga ele. Vocês vão criar esperanças um sobre o outro e vai ficar pior quando um aparecer namorando.

—Ele não faria isso.

—Você não faria isso, porque eu sei como você pensa e como é, um doce de menino, simpático e fiel. E eu sei que ele faria isso, pois eu conheço a peça. Ele sempre deixa os hormônios aflorarem.

—E se ele mudou?

—Se ele tivesse mudado, não o teria prendido nesse abuso de "Eu te esperarei por dois anos para namorarmos", entendeu?

—Você deve estar louca?

—Não estou, eu sou. Agora, esquecendo sua vida, partimos para a nossa. Vou falar com minha mãe e mando mensagens para vocês ainda hoje, talvez dentro de uma hora. – Eu me despedi e fui embora para Pasárgada. Mentira, fui para a minha casa. Falei com minha mãe, que relutou no início pelo fato de que não teria um adulto ali. Contudo, entretanto, no entanto, dentro de uma hora, convenci minha mãe e avisei o pessoal. Quando avisei faltando um minuto para "acabar meu prazo", Zé Antônio me ligou rindo, pois duvidou de mim. Como alguém pode duvidar de mim?

No sábado, dia em que marcamos a festa, obriguei Zé, Carlos e Soraia chegarem mais cedo do que o combinado com os demais. Primeiro, precisava de ajuda deles. Como não conseguimos decidir o que cada um levaria, comprei tudo e eles me pagaram em dinheiro vivo. Soraia e o Zé ficaram arrumando as bebidas na geladeira, tinha uns refrigerantes, mas poucos já que quase ninguém bebia, e uns sucos. Bebida alcoólica minha mãe me fez jurar que não teria. O único maior de idade seria Rogério, mas ele precisava estudar no dia seguinte.

Milena e Rubens chegaram junto de Carla, que ficou boba ao ver o namorado da nossa amiga. Eu mandei ela sossegar o fogo, pois já teve problemas demais com namorados. Miranda e o companheiro chegaram em seguida. Carlos fritava uns pasteis e eu colocava uns salgadinhos no forno. E nada do João Pedro.

—Zé, cadê o João? Faz meia hora do horário que combinamos e nada dele.

—Ele disse que viria.

—Dizer e vir são palavras diferentes. – Nisso, a campainha tocou e era ele. Eu e Antônio fomos recebe-lo, que estava muito envergonhado quando viu os três que não conhecia. Porém, Carla fez questão de ficar do lado dele para enturmá-lo com todos. – Bom, estão todos aqui. Vamos comer? – Carlos terminava os pasteis e Soraia servia as bebidas para o pessoal, Zé Antônio e Carla tentavam fazer João Pedro se enturmar com os três desconhecidos para ele. Missão quase fracassada se não fosse por Carla, que saiu e tirou os três dali.

—Carla, por que você nos tirou de lá?

—Acho melhor deixarmos João Pedro no tempo dele. Ele ainda é muito tímido e só o Zé conseguiu fazê-lo falar muito. Nenhum de nós teve sucesso.

Enquanto comíamos e bebíamos na cozinha, os dois ficaram ali na sala. Tudo o que Zé falava para ele tinha sua atenção absoluta, era até bonito de se ver. No fim, decidimos que jogaríamos "Cidade dorme" ou "Máfia", um jogo que tínhamos o costume de fazer. Era assim: tinha o assassino, que matava alguém; o detetive, que tentava descobrir quem era o assassino; e o anjo, que sempre imunizava alguém. Os demais eram cidadãos, tinha também o psicopata, que também matava, mas como éramos em poucos, não colocamos.

O jogo tinha uma pessoa que nos guiava e era a minha irmã, pois ela detestava não ser a quem comandava. Ela tinha dois anos amenos que eu. Somos bem semelhantes em sorriso, rosto, cabelos, corpo e afins. É quase uma cópia. Primeiro, todos fechávamos os olhos, depois:

—Assassino, acorde! Quem você mata? – Ele pode matar qualquer um.

—Assassino dorme. – Nesse momento, ele fecha os olhos. – Psicopata, acorde! Quem você mata? – Como não havia um, deixamos passar. – Pode dormir. Policial, acorde! Quem você investiga? – Ele precisa escolher quem investigará. – Pode dormir. Anjo, acorda! Quem você imuniza? – Ele pode escolher qualquer um, inclusive ele mesmo. Se ele imunizar alguém que o assassino e/ou o psicopata matou, essa pessoa não morre. – Pode dormir. Agora, todos, acordem! – Ela apontava quem tinha morrido e começávamos uma discussão sobre quem seria o assassino. Se todos os cidadãos morriam ou o anjo e o policial morriam, o assassino ganhava. Se o assassino fosse pego antes das pessoas serem mortas, o policial e o anjo ganhavam. Era um jogo muito de raciocínio e lógica, além de ocorrer muitos gritos e brigas.

O mais engraçado era o João se enturmando facilmente, nem parecia o garoto tímido que vimos anteriormente. Quando acabamos a quinta rodada, comigo sendo a assassina e vencedora, fui com Carla à cozinha para colocar sorvete para o povo.

—Que bom que o JP está tão bem com a gente. Será que ele está deixando o medo de lado?

—Acho que sim, mas não vamos abusar na amizade dele. – Escutei Zé vindo abrir o portão pelo interfone, porque João Pedro já ia embora. Ele tinha compromisso no dia seguinte e não podia ficar mais. Fiquei muito chateada. Os pais dele já estavam lá fora. Ele estava tão bem. Ele veio se despedir. Rapidamente, coloquei sorvete em um copão descartável e mandei para ele, que me agradeceu com um sorriso bem grande. – Nunca vi ele dando um sorriso desse tipo.

—É amiga, acho que estamos fazendo nosso papel de amigos muito bem. – Ficamos papeando por quase vinte minutos e nada de escutar o portão fechando. Fiquei preocupada. Carla levava os copos ao pessoal. – O Zé não está na sala. Será que foi abduzido?

—É, não acho ele que foi, mas foi... – O portão se fechou, mas ele não entrou. Deixei Carla com o pessoal na sala e corri para o lado de fora. Minha casa era pequena, somente a sala que é bem grande. Da porta de entrada, dava para a garagem e para o portão. Nisso, vejo Zé Antônio parado em frente do portão, que se abre para fora, parado perto dele, sem se mexer. – Que foi, criatura, viu um fantasma? – Ele não dizia nada. – Garoto, está me deixando com medo. – Ele resmungou, mas não ouvi nada. – Fala mais alto, sou velha e não escuto direito.

—O João Pedro me beijou.

—Oi? – Minha boca estava enorme e podia entrar um submarino nela. – Quebra um ovo que estou chocada. Como aconteceu? E eu não vi esse babado? Conta tudo.

—Saímos, ele disse que estava muito feliz, nos encaramos, ele se despediu, mas disse que tinha certos medos, perguntei quais e ele se aproximou e me beijou.

—E você retribuiu o beijo ou ficou parado feito uma carta de baralho?

—Não sei, fiquei assustado que nem reparei.

—Se foi o primeiro beijo dele, traumatizou o amigo ali.

—Mas você sabe o que isso significa? Eu traí o Jonas.

—Aff criatura, quero te dar um tapa para você rodar e afundar o chão! – Estava revoltada. – E quem disse que vocês tinham algum relacionamento para ocorrer traição? De onde estou, vejo a sua galhada de alce dessa relação sem pé nem cabeça. Seja feliz e viva a vida que Deus te deu.

—Nossa, falar isso para um gay deve ser estranho.

—Estranho é achar que Deus quer a morte dos gays e mais estranho ainda é você deixarmos esse sorvete derreter. Agora, vamos voltar para dentro e fingirmos que nada aconteceu. Desfaça essa cara de bobo alegre de quem acabou de ganhar o melhor beijo do mundo e vamos conversar.

—Nossa, que amiga ácida que nós temos! – Carla apareceu. – Escutei tudo, meus amores. – Zé Antônio deixou a cara de bobo alegre de lado e ficou morrendo de medo. – Quando o dia clarear, ligue ou mande mensagem para ele e viva a sua alegria, pois somente você pode cria-la.

—Olha, bem melhor que meus conselhos. – Puxamos o braço dele. – E se o boy "Vou esperar dois anos" vier tirar satisfações com você, eu apresento minha mão para ele. – Rimos, não sei o motivo, esse é meu jeito de ser. Pelo menos, essa história de "Quero voltar sozinho!" está prestes a acabar.

 


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