A Vespa escrita por Westfall


Capítulo 1
Único: A Vespa


Notas iniciais do capítulo

Àqueles que estão adeptos ao sofrimento da saga Dark Souls (e não me refiro apenas as incontáveis mortes) sabem que existem muitas coisas implícitas sobre a lore e os personagens, cabendo a nós, reles Undead's, interpretarmos como bem entendemos algumas situações. O relacionamento do Artorias e da Ciaran não é uma exceção.

Muitas teorias ainda são feitas sobre a ligação entre eles, mas no final a coisa empaca na questão se o sentimento do Artorias fora recíproco ou não. Como derramei/derramo muitas lágrimas quando o assunto é "Os Quatro Cavaleiros de Gwyn" resolvi expor por meio dessa oneshot uma das interpretações que tive sobre esses dois narrada pela Ciaran, descrevendo como ela desenvolveu seus sentimentos pelo Cavaleiro.
Lembrando que essa é uma visão pessoal sobre os personagens e seus comportamentos, já que pouco sabemos a respeito deles in-game.

Desejo a todos uma ótima leitura, e espero vê-los nos comentários!



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"I think we deserve

a soft epilogue, my love.

We are good people

and we’ve suffered enough."

— Nikka Ursula, Seventy Years of Sleep

 

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Um ligeiro formigamento subiu por sua pele a primeira vez que o viu.

Era alto, como os demais cavaleiros, trajando vestes em tons de azul por baixo da armadura prateada que encobria o rosto por uma espécie de capuz. Descia as enormes escadarias que levavam a sala do trono flanqueado pelo recém nomeado capitão da guarda, enquanto que Ciaran os aguardava ao pé da escada acompanhada pelo gigante Gough. Com o árduo treinamento que adquirira na arte do assassinato notou, mesmo à distância, que o homem era canhoto pela maneira que seu flanco direito parecia desprotegido em comparação ao esquerdo conforme andava. O que mais lhe incomodou, entretanto, fora a leveza com qual se movia, como se o fato de estar na presença dos três cavaleiros mais importantes de Anor Londo não o incomodasse. De alguma forma ela se sentiu subestimada, percebendo somente então que o estranho formigamento se dava pela tensão com que segurava as lâminas duplas em seu cinto.

Na segunda vez o formigamento se tornou uma espécie de coceira.

Havia sido informada por Ornstein que o rapaz fora nomeado como um dos quatro cavaleiros de Gwyn e que, portanto, faria parte do seu grupo, mas não gostava da maneira com que sua influência parecia ir além da sua função. Ciaran notou que isso a incomodava quando descobriu seu nome ao bisbilhotar a conversa de um grupo de cozinheiras. No mesmo dia ele se apresentou para ela.

Estava treinando em um dos salões enquanto ela afiava uma de suas armas. De todos os cavaleiros, Ciaran tinha consciência que era a que menos falava com o novato, mas tal conjectura não a preocupava já que sua personalidade reservada não era novidade entre as fileiras do castelo, preferia ser assim, ao bem da verdade, observando a distância e ouvindo as entrelinhas. Àquela altura deveria saber que ele era o oposto disso.

Se aproximou com confiança, como um lobo que conhece sua presa, tarde demais para que Ciaran desviasse a atenção de seus olhos díspares, um azul e o outro castanho. Era a primeira vez que o via sem o capuz da armadura, com os cabelos cacheados grudados à testa pelo suor e a pele morena marcada por uma cicatriz do lado direito dos lábios. Estendeu uma das mãos enquanto escondia a outra atrás das costas em uma reverência desajeitada.

“Me desculpe por incomoda-la m’lady, mas acho que ainda não tivemos tempo de nos conhecer apropriadamente, me chamo Artorias.” Disse, embora seu tom revelasse que não estava adepto à etiqueta da corte. Ciaran deduziu que aquilo fora mais um dos conselhos de Ornstein para que o novato se reportasse aos demais membros importantes.

Entretanto, o que a fez descartar o trabalho minucioso e voltar a atenção ao jovem não fora o cuidado de suas palavras ou a singela mesura, mas o simples fato de ter ignorado seu recente título de cavaleiro antes de se apresentar. Ela o respondeu dizendo o seu nome, e então ele riu. Ciaran notou tarde demais que um esboço de sorriso coçou seus lábios por trás da máscara.

Ela sentiu algo ferroar sua pele na terceira vez, incapaz de ignorar a sensação.

Lorde Gwyn havia organizado um ostentoso baile de máscaras para celebrar o aniversário de seu primogênito, ordenando a seus cavaleiros para que ficassem responsáveis pelo patrulhamento do castelo enquanto os nobres das mais variadas regiões lotavam os enormes salões. Ciaran observava a movimentação através das enormes ameias ladeadas de arqueiros quando Artorias apareceu para a troca de turnos. Não o havia visto naquela noite, mas não se surpreendeu quando o encontrou trajando uma máscara de lobo, imaginou que ele também não, já que ela vestia um disfarce de vespa assim como a de seu anel. Quando chegou as ameias estacou, embalando algo envolto pelo tecido sobressalente de sua armadura.

Há algum tempo vinha analisando os comportamentos do cavaleiro, em princípio com o intuito de identificar os pontos fracos de seu estilo de combate, algo quase instintivo para alguém conhecida como "Senhora das Lâminas", mas logo em seguida percebeu que a minuciosa observação também servia para entender a personalidade tão diferente do maior. Ao observar seus olhos brilhantes, entretanto, soube que talvez fosse perigoso demais entende-los.

Ciaran tencionou o corpo conforme direcionava a mão ao cabo da arma, desconfiada. Paralisou perplexa quando o rapaz retirou do embrulho um filhote de lobo cinzento, sorrindo como um pai orgulhoso conforme o encarava em seus braços.

“Ah, Ciaran, esse é Sif. O encontrei em uma das nossas missões.” Explicou-se, sorrindo pelo constrangimento. “Sei que cães não são permitidos em Anor Londo, mas não pude deixa-lo sozinho para morrer, e preciso tira-lo do meu quarto para brincar, você sabe...”

Então naquela noite ela deixou com que ele explicasse com entusiasmo como encontrara o filhote e o trouxera até o palácio, embora não compartilhasse da mesma afeição que o mesmo sobre animais de estimação. Aproveitaram para conversar também a respeito das missões e dos cavaleiros, de como o formato da armadura de Ornstein não se assemelhava a um leão, e de como Ciaran se sentia culpada por desconfiar de sua benevolência, embora essa última conjectura a assassina considerasse relevante guardá-la apenas para si. No final eles não haviam trocado de turno e não questionaram a lealdade um do outro quando firmaram um silencioso acordo a respeito da existência de Sif.

Assim que a festa passou a expulsar os seus convidados em circunstância da hora, Ciaran culpou Artorias por um estanho sentimento ferroando sua pele por ter negligenciado uma missão enquanto dançava desengonçadamente com o maior.

Na quarta vez ela sentiu dor.

O tempo mudou e se passou, e a despeito das inúmeras más notícias ela só percebera quando notara o tamanho de Sif em comparação ao dono. Era final da tarde e os cavaleiros resolveram treinar ao ar livre, Artorias duelava com Ornstein enquanto que Ciaran, Gough e o lobo descansavam em uma sombra baixa propiciada por uma das torres do palácio. Ela passara a apreciar com maior frequência esses raros momentos de paz, analisando, como de costume, os movimentos dos lutadores e tecendo comentários sussurrados com o gigante a seu lado. Não fazia muito tempo que suas observações silenciosas a haviam aborrecido, mostrando mudanças no comportamento de seus companheiros e até de si mesma. O capitão da guarda não sorria com tanta frequência após as confusões com o primogênito, Ciaran muitas vezes o pegava distante encarando sua lança de ouro, embora jamais demonstrasse esse tipo de postura quando se dirigia aos subordinados. A assassina também notou que Artorias estava diferente aquela tarde, então não se surpreendeu quando ele puxou levemente o tecido de suas vestes enquanto os demais retornavam a seus aposentos.

“Você... Você teria um momento?” Perguntou hesitante. Era a primeira vez que ela o observara vacilar diante uma conversa, e por mais que tentasse ignorar, descobriu que não conseguia conter sua preocupação. Jogou a culpa nos anos que se passaram e assentiu afirmativamente.

Eles conversaram sobre banalidades como estavam adeptos a fazer desde aquela noite nas ameias, cada vez mais próximos um do outro. A assassina descobriu com o tempo que o único lugar que conseguia relaxar verdadeiramente era nos braços do cavaleiro, embora jamais o deixasse saber disso, é claro, então apenas soltava um suspiro gratificante enquanto sentia seu coração batendo em suas costas. Quando Sif a lambia Artorias sorria, mas Ciaran sabia que fazia algum tempo que não o observara rir novamente. Estavam sentados em uma das varandas com vistas para os jardins, com as costas apoiadas nas enormes balaustradas.

O cavaleiro tinha o hábito de atropelar os assuntos quando novos tópicos surgiam em sua mente, mas aquele dia fizera longas pausas conforme encarava o céu cada vez mais escuro. Ao observa-lo assim ela se lembrou de Ornstein em sua melancólica reflexão.

“Vou para Oolacile amanhã.” Declarou depois de um tempo, dessa vez sem rodeios. “A ameaça do abismo deve ser impedida e sei que sou o único que pode realizar tal feito...”

Artorias explicou todos os planos para sair bem-sucedido em sua missão, mencionando a capacidade de andar sobre o abismo, mas Ciaran não conseguiu prestar atenção pois o observava, afogando-se na determinação de seu olhar. Não disse para que ficasse sabendo que seria inútil, tampouco mencionou para ter cuidado pois não subestimava sua habilidade, apenas sussurrou em silêncio para que voltasse para ela antes de retornar a seu posto. Dormiram juntos aquela noite, e Ciaran considerou que aquela dor estranha em seu peito era algo semelhante ao amor que já lera em incontáveis livros.

No outro dia ele partiu, e nos próximos meses ela esperou. Artorias não disse que voltaria, e cumpriu sua palavra como era apto a fazer.

Na quinta vez ela experimentou do amortecimento, pois já não sentia mais nada.

Havia feito um pequeno monumento em sua homenagem, dirigindo-se a uma das estradas para Oolacile, Sif acompanhando seu encalço. Ornstein vez por outra vinha visita-la e trazia flores para homenagear o companheiro caído, tentando conversar sobre os dias brilhantes e o quanto Artorias ficaria contente ao ver seu lobo crescendo cada vez mais.

Ela nunca fora de muitas palavras, sempre fechada aos pensamentos, mas agora dizia tudo o que observara e admirava no maior durante os anos que passaram juntos, como se de alguma forma ele pudesse ouvi-la do outro lado da rocha fria. Ornstein duelava com Sif para faze-la sorrir e se lembrar de quando Artorias fazia o mesmo. Ela não era capaz de esboçar qualquer emoção, e nem sua voz parecia pertencente a si conforme falava.

Depois de um tempo as visitas se tornaram menos frequentes e Sif teve de guardar o túmulo de seu mestre para que ninguém tentasse lutar contra o abismo novamente. Ciaran permaneceu ajoelhada sobre a pedra fria, amortecida por tudo que sentira como se estivesse sido ferroada por uma vespa.

No último dia um viajante lhe ofereceu a alma de Artorias, permitindo-a que enfim experimentasse o amortecimento da morte ao lado do cavaleiro que nunca dissera que amara.


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Notas finais do capítulo

O corpo que encontramos na parte de trás do túmulo do Artorias com o anel de vespa implica que seja o da Ciaran, deixando a interpretação de que ela morreu velando por ele. Nessa história alterei o final ao deixar implícito que ela pediu para que o Chosen Undead a matasse após ele oferecer a alma do Cavaleiro, livrando-a de seu sofrimento.

Espero que tenham gostado, e peço desculpas por qualquer erro ortográfico ou deslize que possa ter cometido. Deixem os seus comentários e façam dessa escritora uma Undead feliz! (coisa que a história desses dois não é).



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