Meia Lua escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 16
Aquele que trabalha nas sombras (Extra)


Notas iniciais do capítulo

Minhas desculpas sinceras, realmente não sei o motivo que esse capítulo não foi postado na ordem. Ele deveria aparecer antes do Paz e Guerra, e acontece pouco depois que Marina passa a morar com eles. Peço desculpas de verdade, pessoal.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/764761/chapter/16

“...raios ele tava... Cássio?

Não...dormir normal.... caído e batendo!...ficar bem?”

O mundo balançava, e Mauro flutuava num oceano ártico, tão gelado que nem tremia. Reconhecia as vozes, porém as frases não faziam qualquer sentido. Não sentia dor, só estava cansado a ponto de mal manter os olhos abertos.

“Mau, por... reage. Fala comigo. Já sei... que vai ajudar, Luca... olto logo.

Fred, leve-o... lado do exaustor.”

Aos poucos, a consciência de onde esteve o alcançou e junto com ela o medo. Esteve muito perto de se perder de vez. Ainda sem forças, teve vontade de sorrir, com certeza a música que tocava era ideia de Cas. Tentou chamá-los, a voz parecia a de um búfalo.

— Cássio, ele...— Num pulo, o rosto franzido de Cássio apareceu no seu campo visual.

— Não me assusta assim, mágico fajuto do cão! Que diabos aconteceu com você?

Grunhiu em resposta. As lembranças eram cada vez mais nítidas. Tentou se levantar, falar com Luca, mas tudo doeu em protesto, era como se o tivessem batido num liquidificador. Finalmente as coisas focaram, podia ver o olhar grave de Luca e Cássio realmente abalado. Ao contrário do ciborgue, Odin tinha uma ideia clara do que ele andou fazendo, e não parecia feliz com o resultado.

Algum tempo depois um Mauro enrolado num cobertor plástico bebia chá em golinhos, enquanto Luca permanecia encarando-o.

— Cássio vai demorar um pouco pra voltar. Como está Marina?

— Aquela pessoa está lidando bem com tudo pelo que passou. Tem um bocado de coisas lá, mas ela não tá fingindo. E não tem maldade ali. Pode ficar tranquilo, Odin.

— Pode parar com a formalidade e falar o que te deixou assim? — censurou, apontando pra ele encolhido e segurando a caneca de chá, o cobertor meio estufado pelo ar quente que saía do computador principal. — Eu te pedi pra olhar porque tô preocupado com ela. E agora com você.

Luca não era homem de uma intenção só, mas a apreensão era verdadeira. Mauro precisava falar com alguém, e não queria assustar Cássio.

— Tanta desesperança... Me senti morto. Esperando por nada num lugar vazio. Então algo acontecia, e era puro medo, uma onda infernal engolindo tudo. Pensei que seria complicado tipo Fred, mas foi terrível. Tenho que fazer alguma coisa por ela, Luca. A maior parte tá no subconsciente, mas...

— Então ela não lembra?

—A maior parte ela bloqueou. Marina não pode lembrar daquilo, porra. De jeito nenhum.

— Explica, Mauro.

— Se toda aquela amargura voltar à mente consciente, Marina se perde de vez. Fred surtado vai parecer um passeio no parque. E nem seria um problema tão sério, Deus sabe que poderíamos lidar com isso se...

Luca fez uma careta quando entendeu. — Fred ficará do lado dela, não importa o que Marina fizer. Uma droga de Casal Vinte da loucura. Você consegue arrumar isso?

— Se eu entrar lá novamente, posso ficar pior que o Fred ou nunca acordar. Quase aconteceram as duas coisas essa noite. — O Mauro espantado daquele jeito não era comum. — Como diabos ela conseguiu sair viva, porra? Fiquei vinte minutos lá dentro...É um buraco negro do inferno. Mal lembrava o que era ser feliz, voltei por muito pouco. E ainda arranjar energia pra consolar o Fred... Ela é a pessoa mais resiliente dessa merda de mundo inteiro.

— Mauro, você consegue ajudar? Sem ir muito longe, um pouco por vez?

— Teoricamente é possível, mas não tenho força suficiente pra isso e aquela outra coisa que conversamos.

— Use a mim. O quanto precisar, só impeça esse desastre.

Pensar no tamanho do problema que não vira envergonhava Luca. Ficou tão assustado com o descontrole de Fred que não pensou nas consequências de Marina ficar lá fora sozinha tanto tempo. E o pior é que não conseguiria resolver sem pressionar Mauro mais uma vez.

— Odin, isso é perigoso pra caralho. Você pode morrer ou pior.

— Aceito os riscos, Mauro. Ela necessita de ajuda e todos nós precisamos dela.

— Luca, é sério. Me escuta. — Odin o interrompeu, com aquele tom muito baixo que não admite discussões.

— Mauro, faça. Nós precisamos de você e do Fred bem e daquele maldito lápis. Use minha força, coragem ou alma... Tudo, caralho. Só dê um jeito, ou todos nós morreremos de fome, na melhor das hipóteses.

Viu Mauro suspirar fundo, desistindo ou se controlando pra não o mandar tomar num ou dois lugares desagradáveis. — Tudo bem, Odin. Durma e relaxe com mais frequência. Volte a jogar basquete, sei lá. Cuide de si mesmo, porque paro no momento em que você ficar mal com isso, entendeu? Então trate de ter pensamentos felizes que eu cuido do problema.   

Ouviram o mancar sutil de Cássio voltando, com uma panela fumegante. Luca pareceu vestir uma máscara, sorriu e relaxou como se estivessem conversando amenidades o tempo inteiro. Bem, todo o corpo relaxou; os olhos não. Ainda o desafiavam como um lobo dominante a um menor. Que cedesse ou encarasse as consequências.

Era um mago, e seu melhor amigo também era forte. Mas quando teve os olhos de Odin fixos nele, decidiu obedecer e não olhar mais que o necessário na mente do rapaz na cadeira de rodas. Afinal, quando se olha pro abismo tempo demais, ele olha de volta.

***

Marina acordou, um pouco enjoada. Teve um sonho inusitado, e ficou satisfeita. Era tão bom sonhar de novo. Por muito tempo, seus dias oscilavam entre a monotonia e o terror, e aos poucos até as imagens dos sonhos se apagaram. Falava sozinha, conversava com aquelas pessoas adoecidas, criava histórias ou encenava lembranças com bonequinhos, enquanto um dia seguia atrás do outro sem parar.

Depois que seus pais nunca voltaram, ela saiu pra procurá-los e passou aqueles dias com Toni. Ele dizia que tudo estava perigoso, e que iria ajudá-la a chegar na casa de Franja. No entanto, aquele grupo mal-encarado afastava-se cada vez mais do Limoeiro e Toni sempre arranjava as mais diversas desculpas para não voltar.

Então teve “A” noite. Sua mente não guardou os detalhes (como muitas coisas daquele ano horroroso); seu corpo sim. Sempre que pensava naquilo, se arrepiava toda e era tomada de um desejo quase irresistível de fugir.

Claro, Marina. Lembrar de tudo isso no meio da madrugada só vai te ajudar a dormir, não é? Porém de um jeito difícil de explicar até pra si mesma, não era tão assustador ali. Mesmo o temor de acordar e isso ser apenas delírio era menor com os dias. Viu Fred acompanhar Cássio pra algum lugar, e era tão fascinante assistir outras pessoas falando e se movendo, ou pensando coisas que ela não conhecia.

Ainda tinha medo; quando algo quebrava ou se alguém a tocava com mais firmeza, esquecia até de respirar. Mas tocava nas máquinas ao redor, e podia lembrar que agora estava segura, ou o mais segura possível, pelo menos. Cascão, Nimbus e Luca falaram sério, e a certeza de que alguém viria se gritasse a deixava mais tranquila. E claro, tinha o Franja.

Ele passou dias a olhá-la como uma aparição extraterrestre, caminhando na direção dela sem querer, pra depois notar e sair correndo na direção oposta, como numa comédia adolescente.

O viu voltar pelo mesmo caminho, e se deter um minuto pra olhar na direção dela. Desde que chegara com os rapazes, uma semana antes, Franja se arrumara, aparara a barba e até voltara a gaguejar perto dela, algo que ainda a fazia sorrir às vezes.

Pensar naquilo lhe fazia sentir um pingo de esperança crescer nalgum canto da mente em que nada crescia há tempo demais. Fechou os olhos, abraçando a mochila como um ursinho e dormiu.  


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Tomarei mais cuidado nos próximos, prometo. De volta pro fluxo principal, e até o próximo capítulo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Meia Lua" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.