9 Zonas escrita por Cas Hunt
Aumentaram a segurança desde o ataque dos Radios. Vejo um sentinela — guardas que já completaram o treinamento no Complexo — a cada cinco ou seis metros do portão, as patrulhas no lado de fora estão alternadas e em horários aleatórios, Usando máscaras pretas com um visor que só deixa seus olhos a vista e segurando lanças longas e pontudas de prata ele parecem ameaçadores.
Não converso com Jug por dois dias. É uma tortura e uma benção ao mesmo tempo. É difícil controlar meus sentimentos com ele por perto, principalmente depois do episódio de Lion e Gesabel. Geralmente meu comportamento é mais controlado nesse quesito, só não controlo a raiva e estava até trabalhando bem nisso!
Com o treinamento de armas adiado por quatro meses, voltamos ao corporal. Jugen está se recuperando na enfermaria, Foley está com ele. Jones e eu estávamos variando a medida e intensidade de alguns golpes que a tenente nos mostrara.
—Eu vi você — Gesabel sussurra no meu ouvido.
Junto as sobrancelhas e olho para ela, perto demais. Faço um sinal para Jones e ele afasta-se com as mãos nos bolsos sem tirar os olhos de Gesabel.
Viro-me pra ela.
—Queria falar contigo, mas não aqui. É sobre o...
—Ataque? — ela quase cospe na minha cara.
Recordo-me de ter acertado um soco na sua máscara.
—Desculpe pelo que houve lá.
—Tem noção do que fez? — ela agarra um braço com força — Quase matou á nós duas naquela névoa.
Fuzilo a mão dela segurando minha pele. Odeio que me toquem sem minha permissão e deixo isso evidente ao puxar o braço.
—Até onde eu me lembro não desmaiei você.
—Mas poderia. Por que diabos arriscar a vida por ele?
Ela me avalia nem por dois milésimos e quando gasto alguns segundos pensando em alguma resposta que não soe idiota ela reconhece a verdade, seus olhos azuis como o céu limpo brilhando com a novidade.
—Está apaixonada por ele.
Um calafrio percorre meu corpo. E puxo Gesabel para o canto mais afastado dos outros alunos rezando para que nenhum deles tenha escutado alguma parte da nossa conversa. Solto-a perto de um túnel e falo em voz baixa:
—Não. Isso é idiotice, coisa da sua cabeça.
—Entendo — ela ergue a sobrancelha — Ele é bonito. Não faz meu tipo. Só que você se desconcentrou da missão e está colocando nós em risco.
Trinco os dentes quase mordendo a língua para me controlar. Ela não sabe o quanto isso rodeia minha cabeça a cada segundo que passo com Jugen.
—E o que acontece? Vocês me matam ou matam ele?
Gesabel nega com a cabeça e perde o olhar em um ponto na área de areia.
—Vou informar o capitão. Ele vai avisar a comandante e provavelmente vão te designar para a Zona 5 ou 6. Estão em uma guerrilha por lá, precisam de soldados.
Sinto como se um carpete tivesse sido puxado de debaixo de mim e estivesse caindo em um buraco infinito, a sensação de queda nunca desaparecendo.
—Vão... Me tirar daqui? E o Jug? Ele vai...?
—Precisamos do soro — ela volta o foco pra mim — Então vão me colocar no lugar, talvez.
—Como é?
Uma imagem de Gesabel tocando o braço de Jug me faz ficar enjoada, só de pensar que ela pode aproximar-se dele incitando perguntas até ter o que deseja para em seguida mata-lo parece remexer meu estomago.
—Relaxa — ela solta um risinho detestável — Prometo que pego leve com ele.
Gesabel me joga uma piscadela e sinto ódio borbulhando no lugar do sangue. Juro que venho tentando me controlar, mas essa ideia muda totalmente quando o comandante Yun, recuperado do tiro que levara percebe nossa conversa privada e ordena que eu lute por dois minutos sem restrições com Gesabel. Parece que toda a sanidade que venho guardando, o controle por menor que seja, se desfaz em questão de segundos.
Estamos de volta á areia, Gesabel mal dá um passo na minha direção e estou grunhindo ao avançar de frente para ela. Miro seus quadris e ergo-a do chão jogando suas costas contra a areia. Ela. Ela foi a ignição. Se eu ainda me prendesse á um resquício de culpa por Lion não estaria aqui, sem saber como me comportar ao lado da minha missão.
O traje amarelo dela. Eu que dei. O ar que ela respira agora. É por minha causa. Eu a salvei. Estupidamente.
O primeiro soco que acerta seu rosto é mais forte do que eu pretendia e uma porção de sangue se espalha para todos os lados. Gesabel quebrou um dente. Ergo o punho acima de mim e ela reage, apertando um ponto sensível de dor em meu ombro,
Solto um grunhido curvando-me e ela usa isso para chutar minhas costelas para longe. Rolo para o lado desviando quando ela tenta agarrar minhas costas. Giro na areia apressando-me para ficar de pé e sem perder tempo jogo o cotovelo no olho dela acertando um soco na sua barriga deixando-a de joelhos.
Gesabel se joga no chão para logo impulsionar as duas pernas para cima. Só tenho tempo de ver a sola de suas botas até conseguir sentir o gosto dela ao atingirem meu rosto.
Perco a noção de onde estou e por um segundo pareço estar em paz, atordoada demais para pensar. Gesabel se aproveita disso e puxa meus joelhos fazendo-me cair e bater a cabeça na areia fofa.
Ela sobre em cima de mim como uma aranha esforçando-se para impossibilitar meus movimentos.
—Quebrou meu dente por que falei que vou dormir com seu namoradinho? Qual o problema se eu já transei com o seu noivo?
O cuspe que sai da minha boca a atinge no rosto com um misto de saliva e sangue. Adrenalina pura percorre meus membros e liberto a mão para empurrar seu peito até que meu joelho fica parcialmente liberto desta forma me dando a oportunidade de joga-la para trás. O grunhido que sai da minha boca deve soar estranho pois logo em seguida a voz do comandante soa atrás de mim:
—Chega! Vutte, Larya, troquem de parceiros imediatamente.
Ergo-me tentando não parecer muito tensa. Gesabel se levanta limpando o rosto sem quebrar nosso olhar. Ela me dá um sorriso, satisfeita demais com alguma coisa. Indo se juntar com seus amiguinhos com a mesma cor de traje, ela passe por mim inclinando-se para me mandar uma última mensagem.
—Só por esse showzinho, vou mata-lo bem devagar.
—Encosta um dedo nele e eu acabo contigo.
—Larya! — o comandante Yun grita outra vez.
Olho ao redor notando que um círculo se montara. Estavam assistindo uma azul e amarela lutarem por dois minutos. Entendo, foi como punição para os outros aprenderem a não se distrair na hora do treinamento e acabou de transformando em um verdadeiro reality show.
Jones fica á uma boa distância quando me aproximo encarando meus pés, os ombros tensos.
—Você aguentou bem — ele elogia.
Não falo nada. Qualquer coisa além de eu vou matar ela parece ilógico. Como uma pessoa pode ser tão ingrata? Que diabos Gesabel ganha me fazendo perder o controle? Suspeito que seja como a maioria: ganha uma diversão. Talvez aumente de posto. Essa é uma missão importante que vira todo o jogo e tenho certeza que agora que as mulheres do acampamento já sabem que Jugen, além de bonito, não é nada como o ditador. Matariam para estar em meu lugar e conseguir uma promoção fácil.
***
Não tomo banho. A aula termina e vou correndo até a enfermaria conferir se a maldita Gesabel já não está enfiando suas garras em Jug. Ao chegar ao cômodo encontro apenas o doutor sentado em uma cadeira relaxando ao folhear sua revista holográfica.
—Olá, senhorita Alay!
—Oi, George. Sabe onde o...
—Seu parceiro? Não faço ideia. Dei alta pra ele tem uns — ele confere seu relógio — Quarenta minutos. Quer que eu resolva seu problema no olho?
Esqueço de responder. Vou no dormitório. Nada de Jug. Banheiros também não. Passo a procurar por todos os andares do Complexo recebendo olhares tortos daqueles que estão com o treinamento avançado e já de traje amarelo areia. Nem sinal dele.
Tento comprimir o pânico. Procuro pelos diversos túneis mas sinto como se estivesse andando em círculos! Preciso me encolher no canto da parede e respirar profundamente de forma lenta para tentar me acalmar. Ponho a cabeça entre os joelhos.
Inspira. Um. Dois. Três. Expira.
Inspira. Um. Dois. Três. Expira.
—Porra! — grito levantando-me para ir até a sala da tenente.
Fico batendo o pé durante toda a sua aula, esperando que Jugen entre pela porta. Minha única garantia de que ele não está em apuros é o cabelo azul de Gesabel molhado do outro lado da sala. Ela está entediada demais com a tenente para notar que eu a fuzilo a cada vinte segundos.
Durante o jantar fico olhando para os lados. Confiro mais algumas vezes os banheiros e o dormitório. Sento-me na mesa ainda nervosa com um Foley preocupado e um Jones cauteloso.
—Acho que acertaram no sal hoje — Foley tenta puxar assunto.
—Eles nunca acertam, amor.
Trinco os dentes. E se ele estiver me evitando? Eu o deixei sozinho da enfermaria por dois dias, o ignorei logo depois dele ter salvado minha vida e eu ter salvado a dele. E se Jug estiver chateado com o que fiz? Não deveria o ter afastado. Parece que a cada segundo minhas atitudes o empurram direto para os braços de qualquer outro infiltrado dos Exilados que queira saber onde os soros estão.
Só que quando souberem vão mata-lo e a ideia de que ele talvez não saiba me apavora ainda mais pois o arrastariam como refém até o acampamento onde iriam o torturar até saber de tudo sobre o ditador.
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