Um amor para recomeçar escrita por LuxLisbon


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo é apenas para introduzir os personagens, mas logo Nicoletta sai de cena e a história fica mais dinâmica :)



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Nicoletta Pricelli não possuía diplomas, formação, fortuna e muito menos uma posição estimada na pequena sociedade do Vale do Café, mas não lhe faltavam certezas. Ela tinha certeza, por exemplo, de que a família que construíra ao lado de seu marido – Gaetano – era o bem mais precioso que existia e que, portanto, uma mulher simples como ela deveria trabalhar duro para oferecer aos filhos no Brasil uma vida melhor do que a que ela e o marido tiveram na Itália.

Ela tinha certeza, também, que para isso acontecer Fani, Ernesto e Luccino precisariam estudar.

Quando decidiu bater à porta do casarão na fazenda Ouro Verde para pedir um emprego, seu filho mais velho, Virgílio, já tinha 16 anos e trabalhava na lavoura com o pai desde os 12, mas Nicoletta implorou a Gaetano que a deixasse levar os três menores com ela para o novo serviço, pois na fazenda eles teriam a oportunidade de aprender a ler e a escrever.

Seus jovens patrões Aurélio e Helena Cavalcante – filho e nora do Barão de Ouro Verde – construíram meses antes um pequeno galpão na propriedade da família onde ministravam aulas gratuitas de literatura, escrita, matemática, biologia, botânica e história para as crianças da cidade, sem distingui-las por classe social. Todas as irmãs Benedito, exceto a caçulinha Lídia, estudavam lá com Ema Cavalcante – filha de Aurélio e Helena – e com os dois meninos Tibúrcio, herdeiros do Almirante e de dona Josephine.

As crianças pareciam ter ficado muito entusiasmadas com a chegada dos três italianinhos à turma. O mais velho do grupo era Rômulo Tibúrcio que, no auge de seus 15 anos, se interessava muito mais pelas moças mais velhas do Vale do que pelas brincadeiras infantis do irmão Edmundo. O mais jovem dos Tibúrcio, por sua vez, tinha 13 anos de idade assim como a primogênita dos Benedito, Elisabeta. A pequena Fani, única menina dos Pricelli, tinha a mesma idade que a da alegre Mariana Benedito, 11, e no encalce delas vinha o travesso Ernesto – Nicoletta quase sempre enlouquecia com as peraltices do filho –, a menina Ema e a doce Jane Benedito – todos os três com uma década completa. Os mais novos entre os alunos dos Cavalcante eram Luccino e Cecília com apenas 8 anos de idade. O caçula de Nicoletta e Gaetano sempre foi um menino bondoso e gentil tal como Cecília Benedito.

Enquanto o jovem Aurélio ensinava literatura, biologia, botânica, história e matemática para os mais velhos, Helena se encarregava de ensinar escrita e leitura para Fani, Ernesto, Jane, Luccino e Cecília. A menina Ema já sabia ler e escrever muito bem assim como já tocava piano, bordava e entendia tudo sobre as regras de etiqueta, mas ela gostava de ficar próxima à mãe e, por isso, se dividia entre as aulas dos pais, transitando tranquilamente entre o universo das crianças de sua faixa-etária e o das crianças mais velhas.

Fani também não demorou muito para aprender a ler e a escrever e passou a tomar aulas junto a Rômulo, Edmundo, Elisabeta e Mariana, deixando para trás os caçulas, uma inocente Jane e um frustrado Ernesto, que gostaria de poder se juntar aos meninos mais velhos.

Os meses que se sucederam à chegada dos Pricelli à fazenda Ouro Verde foram de pura harmonia para Nicoletta. Ela se sentia bem tratada pelos Cavalcante, recebia um salário justo pelos seus serviços de cozinheira e servente, seus filhos recebiam educação pela manhã e passavam a tarde inteira brincando com as Benedito, com os Tibúrcio e com Ema Cavalcante nos campos da fazenda. Nicoletta quase nunca via o Barão, pois ele era um homem muito ativo e ocupado com os negócios da família, mas Aurélio e Helena eram pessoas doces, educadas e gentis com todos aqueles que se aproximavam deles. Às vezes, Nicoletta tinha a impressão de que os dois mimavam demais a filha, atendendo a todos os caprichos da menina, mas quem era ela para opinar na criação da neta de um Barão?

A única constante dor de cabeça que Nicoletta sentia alfinetar suas têmporas era devido às travessuras que Ernesto aprontava ao lado de Rômulo e Edmundo Tibúrcio. Quando o filho do meio completou 11 anos de idade, ficou ainda mais suscetível às influências de Rômulo e eles constantemente carregavam os pequenos Luccino e Cecília em suas traquinagens. Cecília, que mais parecia um menino, chegou a aparecer na cozinha da mansão Ouro Verde com o braço quebrado depois de pular de uma árvore, implorando à Nicoletta que não contasse a sua mãe, Ofélia, o que ela tinha aprontado junto aos garotos.

A maioria dos planos de Rômulo basicamente envolvia usar os mais novos para chamar a atenção das moças do Vale, enquanto Ernesto o acobertava, achando graça em tudo.

Apesar de todas as armações e brincadeiras, Nicoletta sabia que Ernesto era um bom menino que carregava no peito um enorme coração. Ele a respeitava e a obedecia na medida do possível para um garoto com toda aquela energia, ajudando-a nas tarefas da casa mesmo que ela não o dissesse para cumpri-las. Ele também protegia Fani e Luccino com unhas e dentes dos ataques de impaciência de Virgílio e, até mesmo, das broncas, surras e castigos de Gaetano. Ernesto acabava apanhando muito mais do que os irmãos porque tomava para si a responsabilidade de qualquer copo quebrado por Fani ou Luccino e não permitia que Gaetano gritasse com a irmã ou com o caçula. Estava na natureza dele protegê-los.

— Você precisa deixar que o seu pai discipline seus irmãos, filho — disse Nicoletta uma noite enquanto Ernesto a ajudava a secar a louça após o jantar — Quer continuar apanhando do seu pai?

— O Luccino é muito pequeno, mama! — o garoto protestou — E a Fani é menina...

Mesmo assim, as traquinagens de Ernesto eram ainda piores quando Ema Cavalcante estava por perto. Os dois viviam se implicando e declaradamente se odiavam – nem Nicoletta e nem Aurélio e Helena sabiam mais o que fazer quanto a isso. A menina sempre acusava Ernesto de ser um selvagem e ele invariavelmente aprontava com ela, pois sabia que obteria resultados mais efetivos do que se tentasse implicar com outras garotas, já que ele a via como uma menina fresca e mimada.

Em setembro, no aniversário de 11 anos de Ema, Ernesto teve a brilhante ideia de soltar um ratinho capturado no salão de festas da mansão antes de partirem o bolo. Todas as meninas convidadas subiram, aos gritos, em cadeiras, exceto por Fani, Elisabeta e Cecília que pareciam mais assustadas com a reação das outras garotas do que com o rato em si. Ema, é claro, foi quem fez o maior escândalo; a jovem Cavalcante subiu em cima de uma poltrona, se desequilibrou e caiu em cima do bolo que estava prestes a ser servido aos convidados. Aos soluços, ela alegava que Ernesto tinha arruinado sua vida e reputação para sempre.

— Dona Helena, me perdoa, por favor — Nicoletta repetia chorosa, segurando Ernesto pela orelha. O menino se rebatia e fazia caretas de dor enquanto Rômulo e Edmundo davam gargalhadas em um canto do salão — Eu juro pra senhora que vou castigar esse menino até ele virar um homem feito! Ele nunca mais vai sair do castigo! Quando o pai dele souber...

Helena Cavalcante – que usava um lindo vestido branco de renda e um coque que prendia elegantemente os cabelos negros no topo da cabeça – olhou Nicoletta bem no fundo dos olhos e abriu na face um sorriso doce e apaziguador.

— Nicoletta, não se preocupe — ela suspirou — Isso foi coisa de criança, uma brincadeira inofensiva. Sabemos que Ernesto é um bom menino e eu tenho certeza que Ema esquecerá de tudo isso em algumas semanas.

Nicoletta respirou aliviada.

Dona Helena era uma pessoa boa, generosa e não parecia querer a cabeça da italiana em uma bandeja pelas travessuras de Ernesto. Embora o menino definitivamente fosse receber um grande castigo do pai ao chegar em casa, tudo ficaria bem com o passar do tempo e ele não precisaria interromper os estudos na casa dos Cavalcante. Nicoletta nunca se sentira mais grata por ter encontrado patrões tão bons como naquele momento.

Primaveras vieram e se foram e as implicâncias de Ernesto e Ema se tornaram tão rotineiras como se fossem parte da alma da mansão dos Cavalcante. Nicoletta se sentia satisfeita e em paz ao preparar as refeições daquela família todos os dias e isso tornou as coisas muito mais difíceis quando, em uma manhã fria de outono, ela recebeu de Seu Aurélio a notícia da morte de dona Helena.


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Notas finais do capítulo

Digam o que acharam :)

L.