Pequenos Contos escrita por Tah Madeira


Capítulo 5
Memória (parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Continuação...



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—Em casa – eu digo, ele olha para os lados atônito.

—Casa? – então olha para mim, diretamente em meus olhos, meu peito aperta com o que vem a seguir – Quem é você?
 

—Aurélio– é só o que ela consegue dizer, seu olhar vai de um homem confuso ao outro, Rômulo a olha assustado– Como assim quem eu sou– ele continua com aquele olhar perdido, ela faz a pergunta que teme ouvir a resposta – Você não lembra de mim? – ele move lentamente a cabeça, dizendo que não– Do meu nome você lembra? – novamente um não, ela fica parada, não sabendo mais como prosseguir, então Rômulo toma a frente.

— Você lembra o seu nome, todo ele?

— Sim, Aurélio Cavalcante.

— Ok, e qual a última coisa que se lembra?

— Estava no estábulo–  Rômulo se anima, assim como eu, ele lembrava, mas Aurélio continua  o seu relato e ela novamente fica parada –Lembro que o cavalo iria para cima de Ema, e consegui a socorrer a tempo, é meio vago, acho que bati a cabeça, ouvi Alice chamando meu nome, acho que correu até mim…

—Alice? – pergunto sabendo bem de quem se trata.

— Sim, minha esposa, – ele olha para os lados, procurando algo– Ela deveria estar aqui, onde ela está? – ele fecha seus olhos, parecia sentir dor – Minha cabeça dói muito.

— Vou dar algo para amenizar sua dor.

— Eu agradeço– Rômulo lhe dá um remédio– Obrigado– ele fica tanto tempo com os olhos fechados que acho que dormiu, Rômulo faz um sinal para mim o seguir, então Aurélio completa – Pode chamar minha esposa, gostaria também de ver minha filha.
 

Sinto a mão de Rômulo em meu ombro, chamando a minha atenção, mas não consigo me mover, parece surreal não sei se a perda de memória, ou a menção do nome da falecida esposa com tanta devoção e carinho, mesmo que ele faça aquilo sem saber o que aconteceu, machuca, aperta seu peito.

—Dona Julieta, por favor– o médico me chama, consigo enfim ficar de pé, minhas pernas estão um pouco bambas, Rômulo me auxilia para fora do quarto, ao fechar a porta me escorei na parede, olhando para ele.

—Me diga que não é o que estou pensando, que ele vai acordar após esse medicamento e vai voltar ao que era, por favor Rômulo.

— Eu não sei o que dizer, pode ser que sim, pode ser uma perda de memória momentânea.

— E se não for, como vai ser? Como fazê-lo recuperar a memória? —ela começa a ficar aflita—Rômulo o que está acontecendo? — o homem à sua frente parece tão surpreso quanto ela.

—Dona Julieta, vamos fazer assim, esperamos ele acordar depois dessa medicação— e antes que ela possa interromper ele completa—E se ainda assim ele estiver confuso precisamos levá-lo a São Paulo, consultar alguém mais experiente, um lugar com mais recursos— ele olha a dama de preto sempre tão imponente, tão controlada, todos a temiam quando chegou ao Vale, foi preciso um tempo para todos se adaptarem a ela e a conhecerem e não teria sido sem a ajuda do Cavalcante deitado no quarto, há muito que falavam em um envolvimento amoroso dos dois, dona Agatha principalmente, mas nunca soube se era verdadeiro ou apenas um boato, como quem lê os seus pensamentos ela responde.
 

—Ontem ele me pediu em casamento— não sabia porque abria o seu coração para um desconhecido, sentia a necessidade de falar, queria que Elisabeta estivesse ali, ela entenderia o que ia em seu coração— E agora isso, ele chama a falecida esposa com o mesmo carinho que chamava por mim.
 

—Eu sinto muito, mas vamos aguardar e ver o que acontece, vamos ser otimistas.
 

— É difícil com o meu passado, é Aurélio que me dá forças—ela sorri tristemente, mas o médico tem razão, precisam esperar, não adiantava sofrer por antecipação.

—Vou ficar aqui na fazenda esperando ele despertar, preciso só avisar a minha esposa.

—Sim claro — ele se afasta um pouco quando ela o chama— O senhor faria um favor— ele acena que sim— Converse com o Barão por favor, nós não temos uma relação harmoniosa, e nem sei como falar com ele.
 

— Sim, pode deixar que falo, com sua licença.

 

Ele se retira a deixando com os seus pensamentos e receios. Olhei para a porta do quarto e entrei, Aurélio repousa tão sereno, e por instantes esqueço do que  aconteceu, sentei ao lado dele e acaricie  o seu rosto.

— Aurélio, por favor não brinque comigo desse jeito—sussurro várias vezes, como um mantra, ele perder a memória era uma piada de mal gosto, como esquecer a tarde que passaram naquele dia, o pedido de casamento da noite anterior, que após o pedido ela repousou a cabeça no peito dele e dormiu tranquilamente, que ao despertar ele não estava ali, mas deixou uma rosa, como esquecer os tantos outros momentos que viveram, com essas lembranças e o cansaço seus olhos vão ficando pesados e acabei por cochilar.

 

Senti ele se mexer embaixo de mim, me encontro deitada com a cabeça em seu ombro, ouço ele resmungar mas não decifro o que diz, novamente me sento e ajeito uns fios que se soltaram,observei  ele despertando aos poucos em cada movimento eu rezava em silêncio pedido para o "meu Aurélio voltar", enfim ele abre os olhos, vasculha o lugar, e pousa seu olhar sobre mim, prendo a respiração, não digo nada, os segundos passam devagar, as batidas do meu coração poderiam ser ouvidas de tão forte que ele batia, meu olhar parece que suplicou para ele dizer algo, assim ele faz mas não é o que eu esperava.

— O que aconteceu comigo? E minha esposa? A senhora conseguiu chamá-la?—ele pergunta um pouco baixo demais, parecia saber que aquilo iria machucar.

 

— Você não lembra de mim? — seguro as lágrimas, ele me olha curioso, sinto que vai dizer não, sei que vai, eu insisto

— Nem um pouco e se eu falar meu nome?
 

—Qual é?

—Julieta, meu nome é Julieta — seus olhos parecem buscar respostas em sua sua mente, ele fecha os olhos, demora a abrir e me preocupa— Aurélio— o chamo, ele volta a focar seus olhos em mim como quem pede desculpas antes mesmo de fazer.
 

—Eu não sei do que eu deveria me lembrar, desculpas, seu nome parece familiar, mas não lembro de já ter visto a senhora— minha cara deve ter denunciado algo, pois ele pede carinhoso como sempre foi—Por favor não chore, me diga o que eu deveria lembrar— me afasto da cama limpo a lágrima que nem senti derramar.

— Não, não pode ser assim, você deve se lembrar por si só, você tem que lembrar.— meu tom foi áspero, pois com esforço o vejo se sentar na cama.

— A senhora pode ao menos me dizer o que aconteceu comigo e por que estou aqui com a senhora , não na minha casa, com minha esposa e filha? Afinal o que eu faço aqui?— se eu fui áspera ele conseguiu ser mais, não sei o que dizer, minhas mão se mexem nervosamente.

— Você caiu e bateu a cabeça....

— Disso eu lembro, Ema minha filha estava comigo, onde ela está agora?

—Em São Paulo— vejo que a confusão cada vez cresce mais, até onde ele lembra? O que esqueceu? O que devo dizer? São questionamentos que  faço, com medo de perguntar a ele, mas vou precisar.

—São Paulo? Com quem?

—Aurélio, quantos anos Ema tem?— eu precisava saber do que ele lembrava para poder prosseguir.

—Ora essa ela tem dez anos, acha que esqueci da idade de minha filha, ela iria comigo para o campo, estávamos pegando os cavalos, enquanto Alice preparava  a festinha surpresa dela ...— ele para de falar ao me ver balançar a cabeça, DEZ anos era isso que ele esqueceu.— Mas a senhora não me diz nada, apenas faz perguntas, afinal quem é você?— novamente aquela pergunta que aperta meu peito, o que vou dizer, que passou dez anos, que a esposa morreu, a filha cresceu, o pai perdeu tudo, eu os afundei, nós nos apaixonamos e estamos noivos, que ele tem sido a minha força  como despejar tudo assim.—Diga senhora, o que esconde de mim?

—Aurélio, eu ... nós — ele me olha atentamente, mas decidi ir por outro caminho— Aconteceram muitas coisas, eu nem sei por onde começar.

— Quem sabe pelo começo, dizem ser o melhor— ele sorriu e por um segundo eu tinha o meu Aurélio de volta.

—Sim— tento sorrir o que não consigo, mas o destino se impõe sobre nós, só que a meu favor, a porta se abre e como mágica Ema surge com Rômulo atrás de si.

—Papai, papai como o senhor está?— e a confusão dele só fez aumentar

— Quem é você?— ele se assusta com a moça a sua frente, aquela vai ser a pergunta que ele mais vai fazer.

— Papai— ela olha atormentada de Rômulo para mim, posso imaginar o que vai em sua cabeça, pois a minha se encontrado mesmo modo— Sou eu Ema, sua filha.

—Não, não é.— ele balança a cabeça e cruza os braços, parecia um menino emburrado, se a situação fosse outra iria achar graça.

—Sou sim — ela fica perto da cama e estende o braço mostrando a mancha que ali tem— O senhor lembra disso?— ele toca seus olhos ficam marejados.

— Sim minha filha tem essa marca, desde que nasceu.

—Eu sou ela.

— Mas como é possível, ela tem dez anos e você é uma moça tão bonita — ele estende a mão e vai tocar o rosto dela, mas desiste e descansa o braço sobre a cama.

— Eu tinha dez anos, o tempo passou...Dez anos papai é disso que o senhor não lembra...

— Como assim?—ele se senta mais na cama,  fazendo um esforço para isso, colocando a mão na cabeça, sinal de dor, meu coração aperta mais por vê-lo daquela jeito.

— O senhor bateu a cabeça e teve um perda de memória achávamos que era passageira, mas pelo visto não— é Rômulo quem toma a palavra e explica, fico perto de Ema colocando a mão sobre seu ombro, não sei se para dar ou receber suporte, ela colocou sua mão sobre a minha— O que o senhor lembra?— ele relata o que já ouvi.

 

Ema fica em pé e me olha, nem sei qual deve ser o meu estado pois a menina me puxou para fora do quarto, ao fechar a porta seus delicados braços me abraçam, eu permito ficar ali, e pela primeira vez ela me vê chorar, Ema é tão carinhosa quanto o pai, quandoe stou um pouco mais calma ela questiona.

—Como foi acontecer isso?

— Nós estávamos nos estábulos e Soberano se assustou com algo, Aurélio caiu, foi tão rápido, quando vi que ele não tinha nenhum ferimento aparente, comecei a ficar tranquila, mas não por muito tempo, ele acordou e nem sabe quem eu sou.— me esforço para não chorar novamente ao lembrar de tudo— Como você chegou aqui?

— Eu e Ernesto viemos mais cedo, passamos na casa dos pais dele e estávamos na dos Beneditos, iriamos vir para cá passar a noite, quando um empregado chegou para falar com Cecília passando o recado de Rômulo que ele iria ficar aqui por conta do acidente de papai, vim correndo quando eu soube, Rômulo explicou por cima o que aconteceu.

— Eu não posso ficar mais agradecida por sua presença, eu não sei como agir — ela quem puxa a enteada para um abraço— Ema como vamos falar com ele, contar desses últimos dez anos, e principalmente dos últimos meses?

—Nós vamos dar um jeito, papai vai se recuperar logo, a senhora vai ver— o otimismo dela chegava a ser contagiante.

—Posso te pedir uma coisa? — a menina só faz que sim—Não diga nada sobre mim.

—Mas Dona Julieta...ele pediu para eu trazer algo que daria para a senhora, sei que o relacionamento de vocês iria dar um passo maior.—claro que Ema sabia deles dois, há muito que Aurélio disse que não iria mais manter coisas escondidas da filha, presume até que era sobre isso que eles conversaram quando foram se despedir no cortiço e os dois sumiram e depois voltaram com sorrisos e cochichos, ela mesmo queria ser assim com Camilo, resolve ser franca com a moça.

—Sim ele me pediu em casamento ontem — a menina abre um sorriso enorme.

—Papai podia ter esperado eu trazer o anel...— falou com um sorriso maroto nos lábios.

—Que anel?

—O da vovó, ele queria dar a senhora, estava comigo em São Paulo, por isso eu vim.

—É uma joia de família, eu jamais aceitaria.

—Mas a senhora vai ser da família, quer ver?

—O Barão jamais aceitaria isso —as duas sorriem —Não, deixamos isso para outro momento, talvez se ele se lembrar

—Ele vai lembrar, ele ama a senhora.
 

— Eu também o amo, por isso peço, não diga nada sobre nós dois, ele precisa se lembrar por si só, não quero que ele tenha que se preocupar com isso, com nós.


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Notas finais do capítulo

Esse conto terá mais um capítulo (acho eu)



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