(Re)Lembrar escrita por Dani


Capítulo 11
Vamos descobrir




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Um garoto magro, alto e de curtos cabelos ruivos e bagunçados andava de um lado para o outro pela sala de estar do enorme apartamento.

O braço imobilizado por um gesso já não incomodava mais, e já conseguia deixar que pendesse ao lado do corpo levemente bronzeado e que se exibia sem camisa, deixando amostra pequenas e já clareadas cicatrizes.

O que o inquietava agora era a falta de sono.

— Por que...

Timmy murmurava para si mesmo, esfregando o rosto e massageando as têmporas procurando algum alívio, enquanto seus óculos descansavam na mesa de centro.

Aquela já era a oitava noite que haviam voltado da viagem na qual suas memórias, aparentemente, foram apagadas. Quando se comunicaram com Fonte Rubra e reportaram a situação, Codatorta aconselhado por Faragonda, os ordenou a permanecer na terra até que se recuperassem fisicamente, o que não fazia sentido para os especialistas, pois se voltassem para Magix teriam os cuidados de curandeiras melhores preparadas.

Relutaram, e argumentaram contra, mas receberam apenas um olhar forte e palavras autoritárias vindas do diretor, enquanto que a diretora Faragonda lhes prometia que iria procurar saber mais sobre o que pode ter acontecido, e como os ajudar. Eles não puderam fazer muito, há não ser aceitar.

Timmy bufou enquanto se lembrava.

O especialista estava tão envolto em seus pensamentos, e sua própria angústia internalizada, e talvez com a vista ligeiramente comprometida pela falta de suas lentes, que nem mesmo notou quando alguém se aproximou pelo corredor, observando-o.

— Isso é tão... — Se conteve, procurando a palavra certa, enquanto admirava um pontilhado de luzes coloridas pelo vidro que o separava da sacada.

— Frustrante? — Alguém completou.

O garoto girou a cabeça rapidamente da direção da voz, vendo um pouco embraçado um longo cabelo azulado, e mesmo já sabendo de quem se tratava, retomou a usar seus óculos.

— Hélia — Falou, esboçando um sorriso — Também não consegue dormir?

Hélia apenas assentiu, se aproximando do amigo ainda com os braços cruzados. Ao contrário de Timmy, que usava apenas uma longa calça do pijama, Hélia usava bermudas que iam até um pouco abaixo dos joelhos e uma camisa de mangas compridas, e os cabelos estavam soltos por suas costas parecendo um pouco emaranhado em algumas partes, mas o garoto não parecia se importar.

— Desde o primeiro dia.

Timmy o olhou, sabendo bem do que ele estava falando. Desde o dia que haviam voltado para “casa” – que era como Nabu chamava aquele cômodo estranho onde dormiam – ele não conseguia ter mais do que apenas alguns minutos de sono. Sempre acordava com o coração palpitando, sufocado e assustado, e quando tentava voltar a dormir, a inquietação de que faltava algo não o deixava dormir, passava minutos revirando na cama até desistir e começar a andar pela casa.

Tinha vezes que acabava encontrando algum dos seus amigos na mesma situação, uma vez viu Brandon atacando a geladeira e assistindo desenhos, em outra deu de cara com Sky treinando esgrima no meio da sala, na última vez viu Riven sentado no chão da pequena varanda, vislumbrando o céu noturno. Mas até o momento não havia visto Hélia.

— Eu fico no meu quarto — O garoto falou, como se tivesse lido os pensamentos de Timmy — Fico desenhando até meus olhos cansarem e eu conseguir dormir um pouco — Falou, abrindo as portas de vidro para a varanda, fazendo o corpo do ruivo se arrepiar com o vento frio que soprou — E você?

O corpo de Timmy tremia, não sabendo ao certo se era por conta do frio ou da pergunta. Soltou um suspiro pesado, se embriagando com o doce ar noturno, falando por fim.

— Tenho pesadelos.

— Que tipo de pesadelos?

Ele levou uma das mãos a cabeça, como se só de pensar naquilo, ela doesse.

— O mesmo, todas as noites, uma mulher alta e negra paira sobre nós em um campo florido, ela brilha forte demais e não consigo ver o rosto dela, olho para o lado e vejo Nabu morrendo, depois nos aproximamos de uma flor estranha e então Nabu agora esta vivo, e então um monte de imagens começam a passar — Hélia escutava, atento — Imagens de uma nave, asas brilhantes, uma garota chamando por mim, aquela garota do outro dia de cabelos rosas, sorrindo pra mim e falando que era uma promessa, tudo isso em um clarão, e então eu acordo — Termina, coçando a nuca, como se tentasse processar suas próprias palavras, deixando apenas seus cabelos ainda mais bagunçados.

Quando o amigo terminou, Hélia olhou novamente para a sacada, indo até a parte de fora e se debruçando sob a grade gelada. O frio da noite e o toque gélido do metal contra sua pele não pareciam incomodar o garoto, que apenas parecia tentar respirar o máximo possível daquele ar refrescante da madrugada.

As únicas luzes acesas vinham de estabelecimentos que permaneciam abertos por 24h e das luzes dos postes e outdoors que enfeitavam Gardênia.

Ele parecia mais tranquilo comparado a todos os outros, Timmy pensava, mas com Hélia nunca dava pra saber, ele escondia demais e era o mais reservado da equipe. Mas então, uma pergunta o fez ter certeza que ele não estava bem.

— Você acha que são nossas memórias voltando?

A voz de Hélia não demonstrava nenhum sentimento, mas Timmy conseguiu perceber a tensão no corpo do amigo, haviam treinados juntos por tempo suficiente para saber quando ele estava relaxado ou não, poderia dizer isso de qualquer um dos especialistas.

— Talvez — Falou, soando mais esperançoso do que teve consciência.

Hélia apenas murmurou em resposta.

— Você também tem tido pesadelos?

Não houve resposta. Timmy agarrou um lençol jogado sob o sofá, sem paciência de ir até seu quarto para descobrir onde sua camisa havia ido parar depois de mais um sono sufocante, jogou o lençol sobre os ombros, e se juntou ao amigo, se arrepiando imediatamente com o toque do metal frio com o calor da palma de suas mãos, enquanto sua barriga resetava institivamente enquanto ele se debruçava.

— Não foram pesadelos, não é?

Hélia soltou uma risada baixa, ainda olhando para o horizonte iluminado.

— Eu tenho visto aquela garota... — Ele pareceu fazer um certo esforço para se lembrar — Acho que é Flora.

Timmy assentiu.

— Sim, acho que lembro, a com cabelos longos e castanhos?

Hélia confirmou.

— É ela que você tem desenhado durante todos esses dias?

— Sim, mas é estranho.

Timmy não conseguiu evitar rir. Tudo era estranho, estava estranho.

— Não sei se percebeu, mas tá tudo bem fora do normal e meio confuso ultimamente.

Hélia olhou para o garoto, o acompanhado no riso, parecendo quebrar um pouco a sua própria tensão, deixando os ombros caírem mais tranquilos.

— Certo como sempre Timmy — Falava ainda sorrindo, para em seguida desviar o olhar novamente para a cidade — Mas, sabe, eu tenho visto ela todas as noites nos meus sonhos, sorrindo, me abraçando, me beijando — Quis tocar os próprios lábios, mas se conteve — E quando eu acordo, com a mente a mil, e vou desenhar ela, as curvas da sua imagem são tão familiares para mim, é como se minhas mãos já soubessem o que fazer, seu corpo já é habitual ao meu — Finalizou, parecendo encantado com suas próprias palavras.

Timmy pigarreou.

— Memória muscular.

— Eu chamaria de algo um pouco mais romântico — Hélia riu.

O ruivo sorriu divertido com o comentário, e novamente um silêncio se instaurou entre eles, só que dessa vez um sentimento muito mais agradável e ameno reinava. Talvez terem finalmente contado para alguém, tivesse tirado o peso das costas daqueles garotos.

Outra coisa que não faziam desde seu retorno – além de dormir – era conversar sobre o que aconteceu, estavam todos tão reclusos e inseguros, e acabavam guardando coisas demais dentro de cada um, Nabu ainda tentava ter algum diálogo, mas era sempre ele que falava apenas, o Timmy sentia, infeliz, que estava afastando aquela equipe, mas também culpava aquela equipe por isso.

Entenda que como especialistas, eles sempre ouviram que não podiam demonstrar fraqueza, deveriam sempre se mostrar confiantes, resolver seus problemas e focar na missão, e com o tempo as expressões duras e o comportamento disciplinado de combate, acabaram por transpassar para personalidade natural dos garotos. Mesmo quando podiam ser vulneráveis, na frente uns dos outros, eles dificilmente se permitiam, apenas anos de amizade os fizeram quebrar esse tipo de barreira, mas agora, com a confusa que os dominava, essas muralhas haviam sido levantadas novamente como um mecanismo de defesa.

Mas não era só essa confusa, tinha algo mais, uma incerteza crescente os fez se defender, Timmy não podia afirmar com certeza, mas ele acreditava que seus amigos se sentiam da mesma forma que ele, com algo faltando, algo que os deixava terrivelmente melancólicos.

E talvez ele tivesse uma ideia do que podia ser, ou quem.

— Timmy — Hélia o chamou enquanto olhava com uma certa dúvida para o ruivo, tirando-o de seus pensamentos — Com a cabeça cheia?

Timmy assentiu.

— Pensando nos seus pesadelos?

Sorriu.

— Em parte.

— Na parte da fada de cabelo rosa? — Hélia falou com ar brincalhão.

— Talvez? — Timmy riu com a própria resposta.

As árvores na frente do prédio chacoalharam, fazendo com que o som dos galhos ecoasse pela noite afora.

Hélia e Timmy respiraram novamente o ar limpo e agradável da cidade, aproveitando a quietude que ainda comandava na madrugada.

— Timmy, você acha que é possível? — Hélia escutou o ruivo murmurar, o incentivando a concluir a pergunta — Acha que é possível termos encontrado o que o Nabu disse que encontramos? Ou que perdemos o ele disse que perdemos?

O especialista não respondeu de imediato. Seu olhar se perdia na cidade, deixava a tranquilidade tomar conta de si, ao longe conseguia enxergar os primeiros raios de sol quebrando o céu noturno. Um novo dia já estava nascendo.

Mas o que aquilo significava para ele? E para seus amigos?

Ele não sabia, pela primeira vez, Timmy o especialista mais bem informado de toda a Fonte Rubra, não sabia as respostas. E aquilo o fez soltar uma risada baixa, porém leve.

Olhando então para Hélia que aguardava sua resposta.

— Eu não sei — Deu de ombros ainda sorrindo — Acho que vamos ter que descobrir.

Hélia demorou um pouco para entender, mas logo ele sorriu também, soltando um suspiro cansado, seguido de um bocejo.

— Tudo bem, vamos descobrir então.


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