Médicos gatos, a Morte e outras histórias escrita por ohhoney


Capítulo 4
É melhor desse jeito


Notas iniciais do capítulo

OPA ALGUÉM PEDIU DOR E SOFRIMENTO??



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Suga é obrigado a se apoiar no braço do sofá. Suas mãos tremem segurando o papel. Seus olhos queimam.

Sawamura Daichi e Michimiya Yui

Oh, Deus. Suga não conseguia acreditar.

Gostariam de lhe convidar

Seus braços perdem a força e Suga cai de joelhos no chão. Ele aperta o papel nos dedos e amassa-o.

Para a cerimônia de casamento a realizar-se no Great Hall...

Suga se contrai. Ele sente que vai vomitar, mas não consegue. Sua cabeça gira.

Sábado, 14 de maio, às 15h00. Esperamos a sua presença.

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Sugawara Koushi ligou para o trabalho e mentiu que pegou pneumonia.

Passou a semana inteira na cama. Sua barriga ainda doía. Pensar no maldito pedaço de papel na sala doía. O Daichi... E a Michimiya... Suga afundou a cabeça no travesseiro e gritou por uma hora.

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Oi Suga! Recebeu o convite? Escuta, eu falei com o resto do pessoal e queria muito que você fosse meu padrinho. Manda mensagem de volta quando puder! Daichi.

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Suga nunca se sentiu pior do que quando se olhou no espelho e se viu de smoking no meio dos outros padrinhos.

Pelo amor de Deus, era o casamento do seu melhor amigo. Ele deveria estar feliz. Ele tem que estar feliz. Pelo menos fingir. Ninguém consegue ser totalmente convincente no casamento do homem que se ama. Suga não conseguiria, mas pelo menos deveria tentar. Ele tem que se fingir feliz por Daichi. É um dia especial para ele, e Suga tinha sido convidado para ser um dos padrinhos.

Toda essa ideia deixava Suga com nojo e ele só tinha vontade de ir para casa.

Fora Asahi quem o impediu 25 minutos antes do casamento.

—Não faça isso. Não agora, por favor. Ele precisa de você lá na frente. Você pode ir embora durante a festa. - Asahi tinha o olhar bem triste quando puxou Suga para o canto - Suga, você é o melhor amigo dele.

—Estou no casamento do cara que amo e ainda sou padrinho dele. - Suga puxa o braço violentamente e enfia as mãos no bolso - Eu vou pra casa.

—Eu mesmo te levo pra casa depois. Fica, por favor.

Ele ficou.

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O pior de tudo é que Michimiya estava linda, e o sorriso no rosto de Daichi fazia Suga sentir pontadas na barriga e no peito. Daichi estava radiante e Suga, miserável. Asahi dava-lhe tapinhas nas costas. Suga não conseguia suportar a felicidade do ambiente. Ele se sentia a ponto de quebrar.

—Você vai embora?

—Não.

—Por quê?

—Porque eu sou um puta de um masoquista, Asahi. Eu gosto de sofrer.

Suga revira os olhos e Asahi só continua com o olhar meio triste. Suga encara as flores num vaso próximo e diz:

—Eu vou me mudar.

—Mudar? P-Pra onde?

—Canadá. Recebi uma promoção e me querem na matriz. Vou ficar pra me despedir de todo mundo. Mas não conte pra ninguém, especialmente pra ele. Por favor.

—Suga, você está literalmente fugindo dos seus problemas.

—E DAÍ? - Suga diz alto demais, chamando a atenção de algumas madrinhas que passavam perto. O salão estava cheio, e os dois rapazes conversavam perto da porta atrás de uma pilastra. Suga limpa a garganta e fala mais baixo - E daí? Estou mesmo. Estou fugindo dos meus problemas e não estou nem aí. Não aguento mais isso, e eles não vão se resolver mesmo...

—Se você falasse pra ele...

Suga congela no lugar e ergue lentamente o olhar de volta para Asahi.

—Eu não consigo acreditar que você está me dizendo isso.

—Suga, pensa bem. Você vai se mudar, o Daichi está casado. Que diferença isso vai fazer agora? Vocês não têm mais 17 anos, por favor.

—Não vou. Cala a boca. Fim de papo.

Suga dispara na direção da mesa e joga-se na cadeira ao lado de Nishinoya e Tanaka, que observavam Shimizu de longe.

Todo mundo estava tão feliz que deixava Suga bravo e impaciente. Ele evitava olhar para Daichi a todo custo e enfiava pãezinhos na boca. Frequentemente seu peito pinicava e seus olhos ardiam em lágrimas, mas ele continuava comendo de cabeça baixa.

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—Suga-san.

A voz de Noya faz com que Suga erga a cabeça e encare os dois rapazes.

—Se você não se importa de responder... Por que você está aqui? - Noya tem a expressão triste.

—Porque eu sou trouxa, isso sim. - Suga enfia mais pão na boca e vira a cabeça quando Michimiya passa perto deles.

—Mas, Suga-san. - Tanaka coça a nuca - Se você ainda gosta do Daichi... Por que você veio no casamento dele? E por que ainda concordou em ser padrinho?

—E-Ele é meu melhor amigo, afinal. E esse é um dia importante pra ele. - Suga esfrega os olhos rapidamente - Tudo me diz que eu deveria estar aqui hoje, então... Eu vim.

—Isso não está certo. - Noya bate o punho na mesa - Suga-san, você não pode jogar fora a sua felicidade por causa da de outra pessoa.

—Tarde demais. Já estou fazendo isso.

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Quando as luzes se apagaram e um único holofote se acendeu no meio da pista de dança, Suga conseguia palpar sua melancolia.

"Você não pode jogar fora a sua felicidade por causa da de outra pessoa", fora o que Noya dissera. Mas Suga não achava que isso era totalmente verdade. Ele podia, e já estava fazendo. Tinha feito isso pelos últimos dez anos.

Porque, para Suga, amar é isso - é colocar a felicidade da outra pessoa acima da sua própria, e querer o bem dela mesmo que ela não queira o seu. É ficar infeliz para que o outro fique bem. Amar é sacrifício. E dói. Amor dói muito.

Por isso que, quando Daichi colocou suas mãos na cintura de Michimiya e eles começaram a dançar a valsa, Suga largou tudo o que estava fazendo e seguiu para o banheiro.

O corredor dos banheiros estava deserto. Ele se enfiou no banheirinho e trancou a porta. Jogou-se em cima da pia e se encarou no espelho.

—Suga burro. Suga idiota. Estúpido.

Mas, droga, dói tanto. Ver Daichi tão feliz dói. Não deveria, afinal era isso que Suga mais quer em sua vida - que Daichi seja feliz com quem que for, e que tenha uma vida legal e completa, mesmo que ele não esteja incluso nela.

Suga abaixa a cabeça e enche as mãos de água, jogando-a no rosto. Ele nem consegue dizer se chora ou não; é tudo água rolando pelo rosto e escorrendo pelo ralo. Seus olhos ardem que é um absurdo. Seu estômago se contrai e ele sente os pãezinhos querendo voltar.

Ele tinha que ficar. Seria a última vez que veria seus amigos e, principalmente, Daichi. Ele tinha que aproveitar a presença deles uma última vez. Ele se mudaria para o Canadá e nunca mais voltaria. Talvez até conseguiria ser feliz longe dele. Talvez.

Suga ergue a cabeça e se olha no espelho de novo. Está pálido e com olheiras, seu cabelo está uma zona. Seus olhos estão um pouco vermelhos e irritadiços. A curva em sua boca é de nojo. Suga vê o Vazio crescendo no brilho dos seus olhos. Brilho? Que brilho? Ele já se foi há muito tempo.

Suga joga-se no chão e encosta contra a parede, metendo a cabeça entre as pernas. A música alta faz as paredes vibrarem, e os instrumentos enchem o banheiro por debaixo da porta. Ele tinha que se levantar, botar um sorriso no rosto, e fingir mais um pouco que estava feliz. Ele tinha que falar a Daichi que estava feliz por ele e que o desejava tudo de bom. Ele tinha que falar para Asahi que tudo ia ficar bem. Ele tinha que dizer a Noya e Tanaka que não estava desperdiçando sua felicidade, e que, na verdade, estava conquistando-a por causa da de Daichi. Tinha que espalhar umas mentirinhas só para deixar os outros bem antes de partir para sempre. Era a coisa certa a se fazer.

Por isso levanta-se do chão e abre a tranca da porta. Ele caminha pelo corredor até ver uma sombra encostada contra a parede. Ele chega perto o suficiente para ver o par de óculos.

—Por que você está fazendo isso consigo mesmo? Qual o seu problema?

Shimizu está parada com os braços cruzados e a cara muito séria. Seu vestido preto é elegante.

—Você está muito bonita.

—Suga, para com isso. Para com isso agora. Qual o seu problema?

—Meu problema - Suga ri um pouco - está dançando valsa lá fora com um anel de ouro no dedo. Meu problema sequer sabe que eu tenho problemas.

—Eu não consigo entender o que você quer atingir com isso.

—Eu não quero atingir nada, Shimizu. Eu vim aqui porque era meu dever de melhor amigo. Te garanto que não estou aqui por vontade própria.

Suga consegue sentir ondas de raiva esvaindo da moça a sua frente. Ela parece furiosa. Os olhos dela estão espremidos por trás dos óculos, e a boca é uma linha bem firme. Os dedos apertados nos braços deixam marcas vermelhas na pele.

—Se você ama o Daichi, você tem que falar pra ele. Fala agora. Fala já! Ele acabou de casar e você vai embora mesmo!

Suga bate o pé no chão e esmurra a parede.

—O Asahi abriu a boca, não foi?

—Não se preocupe, ele falou só pra mim. Ele disse pra eu tentar colocar algum juízo na sua cabeça.

—Mas é exatamente por isso, Shimizu. - Suga gesticula com as mãos enquanto fala - Eu não posso falar justamente por isso! Eu vou embora e o Daichi acabou de casar. Do que adianta eu falar se nem vou estar aqui depois? Não faz sentido.

—Exatamente! Você vai embora. Você desabafa e corre, só isso. Joga o celular no rio, apaga o Facebook. Você fala como se sente aqui e agora e foge dos seus problemas. Não faz mal fugir dos seus problemas, Suga. Ficar guardando isso é que faz mal.

—Eu vou me mudar e esquecer.

—Você não esqueceu por dez anos. - ela bate a mão na coxa com força - O que te faz pensar que estar do outro lado do oceano vai ajudar?

—Eu... - Suga ergue o queixo e encara Shimizu de cima - Não sei.

Ela balança a cabeça e ri baixinho, soltando os próprios braços.

—Não sei dizer se você é idiota ou corajoso. Talvez seja os dois.

—O quê?

—Você é certamente idiota se essa é a sua ideia de amor.

Suga dá um passo para trás. Parecia que Shimizu espremera um limão inteiro em cima do buraco em seu peito. Arde. Bastante.

—E o que você sabe de amor? Eu pensei que a Yachi...

—Exatamente. - Shimizu ergue o queixo, magoada - Eu sei pouco sobre amor, mas sei que não é isso que você está fazendo. Amar não é sofrer, Suga. Amar por ser doloroso, sim, mas não é sofrer. Amar não é infelicidade. Amar é ser feliz junto, ou sofrer junto, e não só um dos lados. Amar é se sacrificar pelo outro, mas ver o outro se sacrificando por você também, e no final valer a pena. Amar não é colocar a felicidade do outro acima da sua. Amar é os dois serem felizes, ou nenhum dos dois. Amar muitas vezes não é recíproco, eu sei, mas... Mas não é ser infeliz para o que outro seja feliz. Suga, você pode amar o Daichi, mas você não ama a si próprio. Se amasse, não se permitiria tanto.

A voz de Shimizu treme tanto quanto ela. Suga está em choque e bravo ao mesmo tempo.

—Não preciso de lição de moral, especialmente vinda de você.

—Eu sou só uma amiga tentando ajudar. Mas você tem razão. Você não precisa de lição de moral, Suga. Você já é um adulto que pode se virar sozinho. Só estou querendo dizer que tudo o que você pensa ser certo é na verdade errado, e você, como adulto, tem o dever de corrigir. E que hora melhor pra se corrigir do que no casamento da pessoa que você ama?

Shimizu vira e vai embora pelo mesmo caminho que veio. Sugawara permanece encostado contra a parede pelos próximos dez minutos, encarando os sapatos.

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Os olhos escuros ainda encaram os claros de Suga enquanto o vento lança as folhas das árvores ao redor deles.

Suga não treme, nem dói. Suga não sente absolutamente nada. Daichi está parado na sua frente e Suga só consegue sentir o Vazio apertando seu estômago.

—Daichi, eu tenho uma coisa importante pra falar.

—O quê?

Suga respira fundo. Suas mãos estão entorpecidas. Ele chega mais perto, bem perto.

—Só queria dizer que-

Suga abre a boca pra falar. Aqui e agora. É o momento perfeito. Eles estão sozinhos do lado de fora do salão, ninguém vai incomodar. Suga sente a frase brotando no fundo da garganta.

Merda.

—Que eu estou muito feliz por você, Daichi. De verdade. Eu estou feliz que você está tão feliz, e eu sou grato de você ter me chamado pra ser padrinho. - Suga segura nos braços de Daichi e encara bem fundo nos seus olhos - Não estou mentindo, tá? É verdade.

Daichi sorri e solta uma risada.

—Por que você estaria mentindo? - ele ri mais um pouco - Obrigado, Suga. De verdade. Ainda bem que você está feliz também. - Daichi se aproxima e puxa Suga para um abraço apertado. Suga quase cai no chão quando sente o cheiro de Daichi. Seus olhos queimam. - Eu estava meio preocupado. Você parecia meio abatido lá na mesa.

—Ah... Não dormi muito bem...

A voz de Suga era confusa e abafada. A bola em sua garganta sufocava-o, e ele tentava engoli-la o mais rápido possível. Mas foi quando Suga tentou afastar Daichi e ele só o apertou ainda mais que Suga não conseguiu e derramou meia dúzia de lágrimas no ombro dele.

"Eu não consigo falar. Eu não consigo falar."

—Por que você está chorando?

—Eu vou embora e a gente nunca mais vai se ver.

—Por quê?

—Porque é melhor desse jeito.

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—Ele não falou?

—Não. - Daichi encosta contra o balcão com uma taça de champanhe entre os dedos - Mas tudo bem.

—E você não falou também? - Asahi joga o cabelo pro outro lado e encara o chão.

—Não.

—Por quê?

—Porque é melhor desse jeito.

 


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Notas finais do capítulo

Chorar? Chorei.

Obrigada por ter lido! Deixe um review e faça uma autora feliz!

Até a próxima ♥



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