Telma na Luta escrita por ArnaldoBBMarques


Capítulo 19
Entrando nos eixos




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Os olhares variavam. Telma tinha a impressão de que havia algumas que estavam satisfeitas de vê-la novamente com Ronaldo, e outras que estavam se roendo de raiva. Mas isso não importava, a festa estava boa, a música não estava alta e aquele cantinho estava ideal para conversar entre beijos.

— Você é a mulher da minha vida, tenho certeza disso agora! - Sussurrou Ronaldo ao pé do ouvido.

— Êh-êh está muito romântico hoje! Vou escrever um romance! - Gracejou Telma. Ela não estava com disposição para grandes voos de imaginação. Ao contrário, ficara feliz ao constatar que Ronaldo era um homem de carne e osso como os outros, com suas falhas, mas também capaz de superar suas falhas. Isso a fazia recordar que também ela era falível, e do fundo da memória veio um fiapo de uma canção:

"meu filho, tome cuidado

quando penso no futuro

não esqueço do passado"

Ao sair, mãos dadas, pareciam velhos namorados, como se aquela separação nunca houvesse acontecido. Telma perguntou:

— E a Suzana, como vai?

— Já está com um garoto agora que ela arrumou no curso. Mas ela é muito infantil ainda.

Telma queria deixar claro que não estava com ciúmes. Mas tinha a mesma opinião sobre Suzana.

Dia seguinte, no estágio, a supervisora reuniu todos para expor o relatório mensal. Abordou caso por caso, disse em que pé estavam, quais os erros e quais os acertos, o que faltava fazer, e avaliou a equipe.

— Os casos da Telma estão indo bem. Devagar, porque milagre não dá para fazer, mas com paciência se consegue.

Telma percebeu a discreta reprimenda por seus métodos pouco ortodoxos e algo arriscados que usava no início, mas ficou feliz com o elogio. Tinha aprendido, era preciso ter paciência. Mas a sensação de paz ao ver tudo entrando aos poucos no eixo era recompensadora. A mesma sensação vinha tendo em casa ao chegar e se deparar com Carla trabalhando direitinho sob a vigilância de Vitinho. Agora ela não tinha mais os modos provocantes para cima do garoto, pois conhecia bem as consequências. Ao contrário, parecia acanhada e ocupava-se da arrumação da casa, pés descalços, como deve ser.

Vitinho também estava mudado, e Telma achava graça de ver aquele rosto sério, feito um homenzinho. Tia Vitória sempre lhe pedia um relatório completo sobre Carla assim que chegava, e o garoto batia tudo direitinho. Telma quase morreu de rir uma tarde quando chegou e escutou uma algazarra vindo do quarto de Vitinho. Lá encontrou Carla deitada de costas no chão com os pés apoiados sobre o assento da cadeira do computador. Do outro lado Vitinho tratava de escrever qualquer coisa com uma caneta na sola dos pés dela, provocando cócegas que a deixavam ofegante. Telma aproximou-se para ler: "Não vou mais para a rua sem licença".

— Estou dando um castigo nela. Ou ela deixa, ou eu conto para a mamãe!

Telma encantou-se. O priminho continuava moleque, mas já desenvolvia aquele instinto protetor que ela achava maravilhoso, e já tinha noção de justiça. Vitinho finalmente compreendia que Carla estava lá para ser punida, e até cuidava de inventar uns castigos para ela...

Telma não se surpreendeu naquele dia que Carla veio procura-la, parecendo acanhada.

— Telma, eu queria te pedir uma coisa...

— Diga, estou ouvindo.

— Eu queria pedir para você falar com a tia para ela me dar umas roupas mais compridas para eu fazer faxina no lugar dessas sainhas, tipo uma calça ou uma bermuda...

Telma abriu o sorriso sábio de quem já esperava por aquilo, pois já vira aquele filme. Então Carla estava redescobrindo a vergonha, ela que tantas vezes antes havia utilizado o próprio corpo para obter favores, até do priminho! Sentindo-se vitoriosa, respondeu:

— Eu já falei com ela. Se você continuar melhorando, ela vai deixar.

Carla fez uma expressão vagamente esperançosa. Telma prosseguiu:

— Escuta, você quer ir comigo na igreja amanhã?

Telma divertiu-se com a cara de susto que Carla fez.

— Você está pensando que o pessoal da igreja é tudo crente fanático, que só anda de saião, não é nada disso! É gente normal. Vem comigo que você vai gostar.

Tia Vitória liberou pela primeira vez uma boa roupa para Carla vestir, e ela parecia feliz ao entrar assim na igreja.

— Oi gente! Essa é a Carla, minha prima, que está passando uma temporada na casa da tia Vitória!

Todos já conheciam a história de Carla, e cumprimentaram-na com satisfação. Carla pôde constatar que o pessoal ali era de fato perfeitamente normal como Telma havia dito, e muito bem educado. Um pouco acanhada no início, em pouco tempo já estava conversando. Telma propôs:

— Quer experimentar cantar no coral da igreja? Você tem uma voz bonita!

Carla fez cara de vergonha, talvez lembrando que as músicas que ela cantava bem eram funk´s bem safados. Telma riu.

— Eu já botei a Renata minha colega para cantar, você pode fazer dueto com ela!

Em pouco tempo Carla e Renata já estavam entrosadas, e conversando como velhas amigas. Telma afastou-se um pouco, mas pôde escutar de longe:

— A Telma é muito, muito legal.

— Me ajudou pra carai, eu custei para ver isso!


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