Bring Me Home escrita por Luh Marino


Capítulo 4
03


Notas iniciais do capítulo

Olá mais uma vez! Capítulo novo saindo do forno. Espero que vocês gostem. ♥
Boa leitura.



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Ele estava diferente. Até agora, o mais diferente entre todos os meus antigos amigos que eu havia encontrado.

Seu cabelo loiro não tinha mais um corte definido e perfeito, e sim estava jogado para todos os lados com fios rebeldes escapando. Não usava roupas comportadas, suéteres nem nada do tipo; e sim uma blusa com um jaquetão por cima e jeans surrados. Diversos acessórios enfeitavam seu pescoço, braços, dedos. E o que mais me chamou atenção.

Uma cicatriz na boca.

— Charlotte, você está bem? — ele perguntou mais uma vez. Meus olhos não saíam de seus lábios.

Como diabos ele havia adquirido uma cicatriz?

— Deve estar em estado de choque. — murmurou para si mesmo. Pelo canto dos olhos vi sua mão se aproximando.

— Não! — me esquivei rapidamente. Não queria ninguém me encostando.

Me sentia suja.

O pulso direito, aquele que o homem segurou. Eu queria arrancá-lo fora.

— Estou bem, eu… Nathaniel. — chamei seu nome e finalmente levantei o olhar para encontrar o seu. Ele me olhava com uma expressão neutra.

Eu não sabia mais lê-lo.

— Nathaniel, é mesmo você. Eu… obrigada. — ele levantou uma das sobrancelhas. — Você chegou na hora certa.

— É. Sinto muito por aqueles idiotas.

— Tudo bem.

Um silêncio esquisito se instalou entre nós.

Nathaniel era o representante de classe quando eu cheguei na escola, e se manteve nessa posição até o fim do ensino médio. Sempre foi um garoto responsável, daqueles bem certinhos. Dava até nos nervos às vezes. Nunca fomos tão próximos, mas eu o considerava um amigo. Ele era uma pessoa fácil de lidar, alguém com quem contar.

Mais tarde descobrimos que ele tinha sérios problemas em casa, com os pais. Uma das melhores coisas que fiz durante o colégio foi ajudá-lo a se reencontrar e achar a coragem que precisava para enfrentar o pai, a principal ameaça. Ver Nathaniel se emancipando e mandando o pai para a prisão foram algumas das melhores lembranças que eu coletei. Aquele cara era imundo. Queria que apodrecesse na cadeia.

Ele também tinha problemas com Castiel, por causa de uma ex escrota que os colocou um contra o outro. Quero dizer, não que eles fossem inseparáveis antes daquilo, mas depois… era briga atrás de briga. E, no fim, foi tudo armação daquela louca da Debrah. Nathaniel me confidenciou a verdade sobre a história, toda a manipulação daquela megera, e eu contei a Castiel, mas não foi o suficiente para que eles se entendessem. O que foi triste, pois seria algo bom de se ver. Eles pareciam ser aquele exato clichê de opostos que se atraem. Seriam uma ótima dupla.

Depois da mudança, Nath foi um dos primeiros com quem perdi contato. Ele não pareceu se importar, não foi atrás para conversar comigo nenhuma vez. Eu também não me importei muito, afinal, nossa relação não era como a que eu tinha com Rosa ou Alexy. Mas vê-lo tão diferente daquele aluno do ensino médio mexeu comigo.

Não sei dizer se de uma maneira boa ou ruim.

— Você quer companhia para ir até sua casa?

Por um momento, eu não soube exatamente o que responder. Não sabia se ainda tínhamos aquela intimidade. Mas eu estava com muito medo, então acabei aceitando. Ele me perguntou onde eu morava, e quando respondi ele sorriu minimamente. Outra mudança. Antes ele sorria abertamente, mostrando todos os dentes e até entortando a cabeça com a felicidade. Agora parecia querer esconder isso.

— Então você realmente voltou pra terminar o curso. — não foi uma pergunta. — Ouvi falar disso, mas achei que era boato.

— É verdade sim. O currículo daqui é muito melhor que o da minha antiga faculdade. Achei que seria uma boa.

— Sabe, foi um impacto quando você foi embora. Todo mundo gostava muito de você.

Você não é o primeiro que me diz isso hoje, cara.

Já estávamos a caminho da Anteros. As ruas pareciam mais escuras do que eu me lembrava, e os caminhos, tortuosos. Me perguntei se eu teria essa mesma impressão se aqueles dois não tivessem aparecido no beco…

— Eu também fiquei muito mal. Meus melhores amigos estavam todos aqui. Tanto que não tive relações tão fortes em Toronto quanto aquelas que tinha aqui, nunca.

Nathaniel apenas assentiu com a cabeça. Ele andava ao meu lado, com uma certa distância.

— E você já encontrou algum antigo amigo? — perguntou depois de um tempo

— Sim. Estava até agora com Rosa, Alexy e Priya num bar. Por isso estou voltando tarde para casa…

— Interessante. — vi pelo canto dos olhos que ele coçou a nuca. Não parecia confortável.

— Sei que vocês se distanciaram…

— É verdade. Bom, as pessoas mudam e nossos interesses vão junto.

— Você mesm--

Ele me interrompeu antes de eu continuar.

— Sim, eu mudei muito. Blá blá. Ouço isso o tempo todo. — ele parecia bravo agora, a cortada foi brutal. Acho que cutuquei a onça com vara curta. — Enfim, acontece.

Ficamos em silêncio pelo resto do tempo, fiquei com medo de falar mais alguma coisa que o aborrecesse. O caminho até a faculdade não foi grande. Nathaniel insistiu em me deixar na porta do dormitório. Me virei em sua direção para agradecê-lo.

— Bom, seja bem vinda de volta. — ele disse antes que eu tivesse a chance de abrir a boca.

— Obrigada. Foi legal te ver.

O sorriso de canto dele voltou.

Estava muito diferente do que eu lembrava… parecia até um certo outro alguém.

— Igualmente, Charlotte. — meu nome parecia dançar na sua língua, ele falava de maneira arrastada. — Eu fico por aqui então. Não acho que seria adequado eu ultrapassar esse limite e ir até seu quarto.

Ele fez uma pausa e eu arqueei as sobrancelhas.

— A não ser que você queira.

Ele só podia estar brincando.

Nathaniel?

E eu?

Transando?

— AH, TÁ!

Não pude segurar uma gargalhada. Felizmente, aquilo não pareceu abalar Nathaniel, que manteve sua postura e até mesmo o sorrisinho no rosto.

— Foi uma piada. — ele disse.

— Tudo bem, tudo bem! — limpei uma lágrima que escorria lentamente por causa de toda a risada. Fiquei até com medo de ter acordado alguém no prédio. — Boa noite, Nath!

Ele não respondeu, e eu me virei para pegar o elevador. Que coisa engraçada! Nunca que algo daquele tipo passaria na minha cabeça. Por tudo que eu sabia, quando saí da cidade Nathaniel ainda poderia ser virgem. Se bem que, com essa postura dele, nada me surpreenderia.

A conversa com Nathaniel me distraiu o suficiente para que eu chegasse ao quarto, botasse um pijama e conseguisse dormir rapidamente. Não tive que pensar no ataque que sofri. Ainda bem, pois imagino que, se começasse a relembrar aquelas cenas, talvez não dormisse…

No dia seguinte, acordei com duas mensagens. Uma era de Rosalya, falando que no próximo dia - que seria domingo - iríamos fazer como nos velhos tempos e passar uma tarde no shopping, eu, ela e Alexy. É verdade que esse era um dos nossos hobbies favoritos na época da escola. Tanto Rosa, por causa do namorado que trabalhava em uma loja de roupas, quanto Alexy, simplesmente porque sim, gostavam muito de moda e compras. E eu nunca dizia não, afinal, era uma ótima desculpa para passar um dia divertido com eles.

A segunda mensagem era de um número desconhecido, mas que eu logo identifiquei pela foto do contato que era Hyun do café. Ele devia ter tirado meu celular do currículo que deixei com ele. Felizmente, ele disse que a dona havia se interessado e que gostaria que eu fizesse um teste no mesmo dia, mais tarde. Agradeci Hyun imensamente e disse que estaria lá depois de almoçar.

Ainda eram dez da manhã, então eu tive tempo de tomar um banho. Separei algumas roupas confortáveis e me dirigi rapidamente aos banheiros do corredor. Meu banho foi rápido, já que não lavei o cabelo, e logo estava de volta no quarto. Aproveitei que a minha colega (que eu ainda não sabia o nome) não estava lá mais uma vez e me troquei por ali.

Saí para pegar um almoço em um restaurante de prato feito que havia perto do campus. Peguei uma marmita, não estava a fim de ficar ali. Voltei para o quarto, para comer no sofá, e chegando lá minha colega estava sentada na escrivaninha ao lado de sua cama.

— Ah, oi. — ela disse simplesmente. Eu cumprimentei com um aceno de cabeça.

Ela mexia no celular, e de vez em quando parava para observar as horas em um relógio de mesa no criado-mudo ao lado da cama. Achei esquisito. Tinha relógio no celular para que? Eu comi minha marmita rapidamente, estava bem gostosa, parecia comida de mãe. Joguei a embalagem fora e fui colocar novamente os tênis, que havia tirado quando cheguei cerca de meia hora antes.

A colega ligou o rádio. Estava pegando fones de ouvido da mochila, talvez não quisesse me incomodar.

— Pode deixar alto, eu não ligo.

Ela não me respondeu, ou o fez e eu não ouvi, mas seguiu minha sugestão. Sintonizou em uma rádio rapidamente, e uma música ao vivo terminava, os últimos acordes da guitarra tocando. Os presentes no estúdio bateram palmas para a performance, e logo surgiu a voz do locutor.

Demais! Esse foi o grupo Crowstorm, que veio hoje especialmente para tocar o mais novo single e sucesso da banda!

Estava arrumando a bolsa, apoiada no sofá, mas assim que ouvi o nome, parei de me movimentar completamente. Ele disse mesmo Crowstorm, não foi?

E logo tem show, não é mesmo, pessoal?” O locutor perguntou. “Como estão os ânimos? Preparados?

Sim, demais!

Meu coração parou.

E temos várias outras músicas inéditas e incríveis que vamos tocar. Não deixem de ir.

A voz dele estava mais madura. Mais rouca, também, mas não de um jeito ruim. Na verdade, estava até sexy.

Estamos ansiosos para conhecer. Vimos vários cartazes por toda a cidade, principalmente perto da Anteros. Por acaso é ali onde estão os melhores fãs?

Os membros da banda riram. Meus ouvidos nunca estiveram tão concentrados em algo antes.

Melhores fãs, eu não sei. Mas foi lá que tudo começou, nos conhecemos no campus da faculdade, na verdade. E com certeza teremos muitos estudantes da Anteros no show que faremos lá perto em um mês.

Dentro do meu peito, nada estava calmo. Era como se tivessem injetado adrenalina nas minhas veias. O coração batia tão forte que a qualquer minuto parecia que iria pular para fora. O ar parecia sequer alcançar meus pulmões, e eu respirava fundo para tentar me manter no controle.

Quem diria que ele ainda tinha esse efeito em mim.

Bom, que maravilha! Obrigado, Crowstorm, pela visita e pela ótima música aqui no nosso estúdio. Castiel, obrigado também por ter respondido nossas perguntas. Lembrando que o show vai acontecer--"

A colega desligou o rádio.

Eu me virei abruptamente em sua direção. Foi tão violento que meu corpo até doeu.

Ela me encarou.

— O que foi?

— Não, nada. — não queria falar sobre isso com ela.

Era mesmo o Castiel. Eu sabia. Reconheceria aquela voz dentre milhões, aquela voz que fazia meu mundo enlouquecer, minha cabeça girar e me fazia perder o compasso. Quantas vezes aquela voz não me provocou com palavras baixas; quantas vezes aquela voz não me sussurrou romanticidades.

Ele estava até dando entrevistas em rádios agora! Um menino chique, ele.

Percebi que a minha colega só havia ligado o rádio para ouvir a entrevista. Devia ser uma fã. Só então notei um poster da banda em cima da cama dela. Nossa, ele realmente estava fazendo sucesso.

Me peguei imaginando se ele ainda lembrava de mim como eu, claramente, ainda lembrava muito bem dele. Mas logo afastei tais pensamentos, não seria bom matutar sobre isso naquele momento. Só me deixaria para baixo.

— Aliás, sou Yeleen.

— Charlotte. — foi só o que respondi à garota antes de pegar minha mochila e sair do quarto.

Já estava atrasada para meu teste no trabalho.

A dona do café estava lá, dessa vez. Seu nome era Clemence, fiquei sabendo porque Hyun me disse. Ela não me pareceu simpática, pelo menos não na primeira impressão. Sem sequer se apresentar ou me receber direito, me entregou o uniforme de trabalho: o avental e um boné. Ela me deu instruções rápidas e basicamente jogadas, e eu devo confessar que foi difícil me manter paciente.

Sinceramente, ela não parecia querer tanto assim uma nova funcionária.

Se aquela era a maneira que ela tratava aqueles que trabalhavam para ela, eu sentia muito por Hyun.

Hyun, aliás, teve que me ajudar em diversos momentos, já que a dona do estabelecimento parecia não ligar para nada. Além de tudo isso, ainda tive que lidar com clientes sem-noção, claro. Tem gente que ainda acha que existe a escravidão, e imagino que minha pele retinta tenha deixado as pessoas mais confortáveis em me tratar como lixo. E no final do dia ela ainda não me deu uma resposta se eu estava ou não contratada. Teria que esperar até segunda, ainda por cima.

A única coisa boa que me saiu daquele começo de tarde foi ver Iris.

Iris, eu me lembrava, foi a primeira com quem falei ao chegar em Sweet Amoris no primeiro ano do colegial. Eu estava, pela primeira vez, me mudando com meus pais por causa do emprego de papai, deixando para trás minha cidade natal.

Pois é, desgraça pouca é bobagem. E tem gente que diz que dois raios não caem no mesmo lugar.

Iris era uma garota gentil, prestativa. Todo mundo gostava da Iris. E com razão! Acho que a menina não tinha nenhuma falha. Rosa era minha melhor amiga, mas se houvesse uma hierarquia, acho que Iris seria a próxima logo depois da prateada. Eu me sentia sempre confortável com ela.

Iris era tão legal que até Castiel gostava dela.

E Castiel não gostava de ninguém.

Ela apareceu no café quase no fim do meu turno, quando todos os outros clientes já haviam ido embora. O sininho tocou e eu não vi quem era de primeira, pois estava de costas, atrás do balcão, limpando uma sujeira que havia feito.

É, já sei. Não precisa ralhar comigo. Clemence já havia o feito.

— Licença, eu gostaria de pedir… — a voz da ruiva continuava a mesma, então eu me virei na hora. Seus olhos cresceram até ficar do tamanho da cara. — Lottie! Ah, meu deus, eu não acredito!

Não demorei até dar a volta no balcão e envolver Iris num abraço que ela correspondeu calorosamente.

— Achei que não ia te ver nunca, mulher! — ela continuou.

— Me desculpe! — soltamos do abraço. — Eu cheguei ontem e mal tive tempo para pensar. Só consegui ver Rosa, que me surpreendeu com Alexy e Priya. Queria muito te ver também, não se engana não!

Escondi a situação com Nathaniel. Só de pensar tive arrepios.

— Ah, tudo bem, eu imagino. Vamos ter muitas outras chances de nos vermos a partir de agora. — Iris sorriu abertamente, aquele mesmo sorriso amável que tinha desde os dezesseis anos. — Vai ficar pra valer agora, né?

— Sim! Com certeza. Ir embora foi uma péssima ideia.

— Pelo menos você está de volta.

Peguei um café para ela e ela tomou enquanto conversávamos mais um pouco sobre quaisquer assuntos banais que surgiam. Por sorte não havia outros clientes, então não precisei deixá-la sozinha para impressionar Clemence.

Mas Iris precisou ir embora logo. Segundo ela, estava ali de passagem apenas porque havia ido deixar seu irmão mais novo, Thomas, nas escola para  uma atividade extracurricular à tarde. Tinha de voltar para casa e arrumar o resto de suas coisas para a primeira aula do ano dali dois dias. Nos despedimos e ela foi.

Havia sido muito, muito bom revê-la.

As peças estavam se encaixando na minha cabeça; ou melhor. No meu coração. Um calorzinho se espalhava pelo meu corpo.

Era bom demais estar de volta.


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Notas finais do capítulo

Obrigada à Yuuki Chan que favoritou a história e comentou no último capítulo. Primeiro comentário aqui no Nyah. Façam que nem ela e comentem, pessoa, o feedback de vocês sobre o enredo é muito importante pra mim.
Espero que tenham gostado do capítulo. E espero também postar um novo logo.
Beijocas e até a próxima! ♥