Amélia não gostava de ser feliz. escrita por MeninoSemRazão


Capítulo 1
Antonietta morreu com uma despedida.


Notas iniciais do capítulo

Rodada 1
TEMA:
"Queria saber, depois que se é feliz, o que acontece?" - Clarice Lispector.



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Fez as malas no meio da madrugada, havia comprado a passagem no dia anterior para já partir naquela manhã. Deixou o aluguel do quartinho todo em dia, e uma carta que só dizia adeus e obrigado a todos que conheceu ali. Nem parecia que algum dia havia ao menos pisado naquele quartinho, e era exatamente assim que ela queria que fosse. Tinha decidido ir embora assim que lhe fofocaram que o rapaz com quem andava de amores tinha sido visto comprando um par de alianças de noivado. Ela sempre deixava a fuga planejada para o caso de emergências como essa, portanto sempre tinha êxito e dessa vez não veio de ser diferente.

O ônibus corria para longe da rodoviária, rápido como se fosse o próprio tempo fugindo de todos enquanto carrega para longe nossas juventudes.
Ela estava sentada, entre seus dedos finos restava apenas metade de um cigarro que mal havia fumado. Enquanto observava o borrão do mundo passando pela janela, percebeu que apesar de suas escolhas, seu coração não corria tão rápido quanto aquele trem. Ainda estava quilômetros lá atrás, ainda estava com o rapaz das alianças. E com o velhinho dono da lojinha de porcelanas antigas, com a moçinha grávida que quase não nunca falava nada, com a senhorinha que só falava do neto todo instante e com o resto da gente que ela conheceu dessa vez. Mas principalmente ele, o rapaz das alianças.

O nome dela era Amélia, mas quase ninguém sabia. Os que sabiam tiveram suas memórias de Amélia enterradas pelo tempo, e agora ela estava a cinco nomes de distância daquele. Já foi Dominique, Antonietta, Berenice, Helena e até Rosa. Odiou ter sido Rosa, ainda mais que de ter sido Amélia. E na última vez, foi Antonietta. 
Era assim que ela consumia a própria vida, fugia de um lugar para o outro e inventava nomes falsos. Várias vidas dentro de uma só. E o fazia, apenas pelo gosto que era a dor da saudade sendo coberta pelo acalento de ser acolhida por novos começos.

Ela também tinha medo de permanecer tempo demais no mesmo lugar, tempo demais sendo a mesma mulher. Pensava que se fosse assim, um dia começaria a enferrujar como uma máquina qualquer. Não funcionaria mais como funcionava naquele instante, não conseguiria fugir quando a vontade chegasse. E ela sabia que chegaria, uma hora ou outra, a vontade de fugir sempre surgia. As vezes como se fosse um sono, gradativamente e quase imperceptível até que se perdesse a consciência para só retomá-la muito tempo depois, quando acordasse. As vezes de forma abrupta, como as coisas da vida geralmente parecem ser.

Mas o fato é que não queria o mesmo amor para sempre. Nem os mesmos amigos, nem os mesmos rostos conhecidos e muito menos as mesmas paisagens ou ruas. 

Amélia achava bonito tudo que era efêmero, brincava com a saudade como se brincasse com fogo. E nunca achava ruim se sentir triste, mas sempre achava ruim quando andava feliz por tempo demais. Graças a isso, já tratava de destruir todas as coisas e fugir antes que elas se destruíssem sozinhas e ela fosse pega de surpresa. 

Para ela, a felicidade constante era uma coisa fajuta. Então não sabia nem queria ser feliz por muito tempo, quando acontecia, ela logo tratava de correr para longe. Buscava por qualquer nova sarna para se coçar, e esperava a felicidade que seria quando elas aliviassem. Para ela, a felicidade teria que ser para sempre uma amiga distante com a qual só poderia se encontrar de tempos em tempos e só assim nunca perderia a graça.

O ônibus continuava a correr para longe. Longe daquela ultima cidade e para longe de Antonietta, que foi morta na carta de adeus abandonada no quartinho apertado.
Agora Amélia não tinha mais nome, mas quando voltasse a ter, seria uma nova mulher. E talvez a nova mulher não sentisse aquelas saudades.


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