Madamme escrita por Edgar Varenberg


Capítulo 1
Mundo Louco


Notas iniciais do capítulo

"When people run in circles it's a very very mad world"



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“Vi grandes pedras saltando lentas

Um visco completo percebi

Noite no céu e no chão areia

o teu frio me rodeia

Eu me encanto”

Finalizou com um ponto a mensagem que entregara às entranhas retas e azuladas de seu caderno particular. A uma frequência desordenada, seus motivos miravam-se nas artérias mais empáticas de sua bomba sanguínea, percorridos pela mão trêmula, nas situações de desejo e poesia. Como esperado de qualquer ser reprodutor, Marco amava Regina e manchava isso em diversos itens que possuía.

Nas arestas corriqueiras da espera, observava-a diariamente esconder o rosto pelos cabelos, colocando-os atrás da orelha com os dedos em tentativas sequenciais de consertar o que não a agradava. Enfileiradas, pessoas formavam obstáculos fracos e desenhavam a mais comum forma de admiração; pescava-se da mente depois de respirar sonoramente e pensava no fracasso que vivia por medo de fracassar.

Guerrilhou contra os eixos infortúnios de sua própria muralha, cambaleando entre o positivo e o negativo, porém longe do neutro. Tinha visto no horóscopo que aquele momento seria a sua grande chance. Os cadarços estavam impositivos, sempre a frente de seu dono, responsáveis pelos riscos urbanos mais triviais; enquanto ainda isentos da tragédia, presenciaram o intrínseco pedido.

Não. Pensamento negativo. Despencaram-lhe os ânimos e o olhar sem expressão de Regina, desmoronou-se num tácito tremer de pernas e na saliva seca correspondida ao seu ajustar de óculos. Arrastou-se para o seu ponto de origem e o motor barulhento irrompeu os desequilíbrios de todos; eram passageiros.

Recorreu aos seus semelhantes como forma de conforto e recuperação. Em meio a avisos e consolos, vindos de um comportamento fraternal, Marco foi atirado no convés das oportunidades; enquanto isso, insinuavam metodicamente os aspectos que culpabilizavam o simples proferir do negativo. Decidiram tratar como o absurdo que era. Um deles, inspirado por uma revista de conteúdo duvidoso, indicou a todos um estabelecimento luminoso, intitulado de Madamme, e os sorrisos em sincronia apontaram para o próximo destino.

O público-alvo certamente não correspondia ao título de Madamme. A escuridão e os tremores sonoros silenciavam os saltos presentes, que manejavam uma obrigação estética e sádica; um prazer pelo desconforto. Antropozoomorfismo e alcoolismo decoravam o local, luzes daltônicas preenchiam e denunciavam aquilo que ninguém queria ver.

Recebidos com elegância, eram tratados como reis até o limite de seus centavos, uma série de elementos pontudos traçavam um plano cartesiano de possibilidades, a medida em que a direção partia pela nascença. Apesar do caos, era como se tudo fosse bem familiar; o descaso nutria-se dessas circunstâncias e Marco sentia-se poético em outras medidas.

De semblante inegável, o paraíso ainda não estava completo na experiência de Marco, mantinha-se abatido e desafogava as mágoas em litros coloridos das mais diversas composições. Sua tristeza chamou a atenção de Crystal, a gerente de Madamme, que, como uma enfermeira lucrativa, dialogou ostentando um catálogo de curativos. Reconheceu seu cliente perfeito.

A voz ia assoprada como se não quisesse que a novidade fosse espalhada ainda, mas decidiu oferecer um serviço que estava em fase de testes. Distraído com os trópicos, porém incentivado pela embriaguez, não havia nada que ele pudesse temer; a não ser que ele tivesse medo de perguntas.

Como um censo demográfico e estatística psicanalítica, sua raça e credo foram postas à prova. Não só isso, mas sua altura, seus olhos, o jeito que seus cabelos não caíam; questionava-se sobre sua postura, opiniões sobre pés e o quanto ele gostava de situações em que seu outro lado era explorado. De tipos de bocas a formatos de língua, a pergunta menos embaraçosa foi sobre o comprimento de seu órgão genital; ainda assim, outras esferas mais cabeludas eram também transcritas na prancheta. Por fim, Crystal quis saber por que ele estava ali.

Por quê?

Explicou, enfim, do que se tratava o questionário, uma espécie de esquematização de personalidades. Respondeu perguntas insanas para ter a garota mais correspondente ao seu perfil; um objetivo estridente em meio a um objeto de retaliação. Foi instruído a visitar o andar superior; quarto quinze em quinze minutos.

Duvidava-se da sua capacidade de trazer prazer a alguém, visto que mal conseguia subir as escadas; nem mesmo a sobriedade traria tal habilidade. Enquanto esperava, recuperava-se dos vultos e das angulações involuntárias, refletindo sobre seus sentimentos enquanto via-se pelo reflexo de um vaso de flores vazio. Queixava-se e compreendia-se; como uma panela de pressão, esqueceu-se de liberar-se aos poucos, mas ficaria tudo bem.

Uma de suas cabeças percebeu a própria imprudência ao ter extravasado de tal forma e, pela primeira vez, soube o que era a razão próxima, aquela que residia fora do próprio existir. Seu segundo cérebro, contudo, queria ser recompensado de alguma forma, apenas pelo ato heroico de ter resolvido suas obrigações; sentiu-se homem. O amanhã seria muito diferente para ele.

A noite o presenteou com um ranger lento e promissor; o abrir da porta mostrava sua garota ideal. Olhou-o de cima a baixo sem pensar muito, e o palpitar deu uma dica de que aquilo poderia desgastá-lo ainda mais. Lá estava ela: Regina, de lingerie preta e segurando uma garrafa de vodka. Seu interior poeta lembrou-se das noites no céu e das areias no chão; derrotado, imaginou-se numa segunda chance. Por fim, ela disse:

— Eu cobro cento e cinquenta.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :)