The Kostroma Dynasty escrita por Mialee Aurestelar


Capítulo 3
Coração de Pedra


Notas iniciais do capítulo

Oioi, minha gente! Como vão? Pois bem, aqui está mais um capítulo ;3 Espero que gostem, e me digam o que estão achando, sim?
Ah, sobre as fichas: vou estabelecer um prazo, e no final dele eu libero de uma vez todas as selecionadas que irão participar. Como eu tenho capítulos o suficiente prontos e a ficha é bem trabalhosa, vocês tem até o dia 05/08 para mandá-la.



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"Some days

It's hard to see

If I was a fool

Or you a thief"

 

Dynasty— MIIA

 

 — Sempre achei que o senhor não tivesse senso de humor – disse Aleksei, exasperado, forçando um sorriso – Essa é provavelmente a melhor piada que já contou.

— Veja bem como fala comigo, Aleksei – alertou o Czar, inclinando-se sobre a mesa na direção do filho, numa postura claramente impositiva.

Estavam no escritório de Damian, o barulho exterior quase totalmente abafado pelas pesadas portas de madeira. O Czar de um lado da enorme mesa de mogno em que trabalhava e o filho do outro, encarando-se num jogo de poder silencioso. Aleksei tentava entender o que diabos seu pai tinha na cabeça.

— Se não é piada, então o senhor decidiu que precisamos de um conflito internacional para piorar a situação do país – respondeu Alek, ríspido, ignorando o aviso do pai.

— Está falando de algo que não entende... – começou Damian, mas Aleksei o interrompeu.

— Entendo perfeitamente, pai. Entendo que foram três longos anos de noivado com a princesa da Espanha e esse seria o ano do casamento. Entendo que findar uma aliança de longa data como essa poderia causar uma guerra, levando em conta o temperamento pouco diplomático do Rei da Espanha. Só não entendo como o senhor não previu tudo isso de antemão.

Aleksei observou o pai respirar fundo, como que preparando-se para explicar algo para uma criancinha. O czareviche sentiu uma onda de irritação ao perceber isso, mas manteve a expressão inalterada. Preferiria morrer a deixar o pai perceber o quão agitado aquela situação o estava deixando.

— Quando digo que não entende, é porque não o faz. Sou Czar dessa nação por uma razão, Aleksei – “ter nascido na família certa, talvez?”, pensou, mas manteve a boca fechada – Tenho mais anos de experiência com política do que você tem de vida, e preciso fazer algo para reverter o estado de tensão em Aldan. A Seleção é a distração que posso prover.

— Distração? Então de aprendiz de governante passei a fantoche para suas manobras políticas? – disparou Aleksei, irritadiço – O que vem depois? Pretende continuar a me deixar alheio do que você faz ou deixa de fazer no país, para que meu papel de “está-tudo-bem-não-comecem-uma-rebelião” seja melhor interpretado para as câmeras? Péssima jogada, pai – Aleksei se sentia cada vez mais ansioso. Quanto mais aquela conversa se estendia, menor ficava sua esperança de que Damian ainda não tivesse tomado alguma atitude para iniciar a Seleção.

— Talvez tenha sido uma má ideia, da mesma forma que foi uma má ideia confiar que Catherina não lhe diria nada – respondeu Damian, e Alek percebeu que seu pai estava perdendo sua parca paciência – Sinceramente, não me interessa o que você acha da minha decisão, Aleksei, tenho plena consciência do que estou fazendo, medi cada uma das consequências, ao contrário do que você pensa, e estou satisfeito com a solução que encontrei. Se não vai me ouvir como pai, então vai obedecer minhas ordens como seu superior.

— O senhor...

— Cale-se – ordenou Damian, cansado da discussão – Já me reuni com Leonor, e a princesa aceitou findar o compromisso de vocês. Não haverá guerra com a Espanha. Não estou lhe dando uma opção, Aleksei, estou lhe contando os fatos. Não era você quem queria que eu parasse de lhe negar informação? – alfinetou o Czar, evidenciando que o aborrecimento tornara-o impulsivo.

Aleksei não sabia o que dizer diante daquilo. Uma revolta agitava-se em seu peito, pela forma que o pai o estava tratando. Não importava o quão nobres Catherina atestasse que as ações de Damian eram, aquilo, agora, lhe parecia a mais pura estupidez, o Czar queria carregar o mundo nas costas e provavelmente morreria esmagado pelo peso.

Mas outra coisa tinha crescido no coração de Alek durante a discussão, e temia perder a compostura se não saísse logo daquela sala. Leonor devia estar prestes a partir, precisava encontrá-la antes de que ela se fosse.

— Que seja, pai – resmungou Aleksei, tentando aparentar descaso. Mantinha as mãos cruzadas atrás das costas, para evitar que Damian visse que as tinha fechadas em punhos. Colocava tanta força no movimento que não demoraria a sentir suas unhas rasgando a pele das palmas das mãos – Tomara que essa escolha salve o país, rezemos para que o povo não a ache uma decisão tão desesperada como eu acho. Agora, majestade, tenho mais o que fazer. Com sua licença – Alek terminou o discurso com um leve aceno de cabeça pelo bem da ironia e deixou o escritório do pai sem esperar nem mais um segundo. Ouviu Damian mandando que voltasse, mas continuou em seu passo apressado, ignorando a ordem por completo.

Não demorou a chegar ao corredor dos quartos em que Leonor e a comitiva espanhola haviam se hospedado nos últimos três dias. Alek, até o momento, não vira nada demais na chegada repentina da princesa espanhola. Era comum que os pais a mandassem vez ou outra para Aldan, para ver Aleksei e aprender sobre o país em que viveria. Mais comum ainda era que os governantes da Espanha tirassem a filha do país para que seu irmão, Ezequiel, tivesse paz para fazer manobras políticas; Leonor tinha muito mais desenvoltura e força que o herdeiro espanhol, tanto que o Rei decidira casá-la com um príncipe estrangeiro, para que deixasse de ameaçar o reinado de seu primogênito.

Visto tudo isso, Leonor estar ali não era grande surpresa. Nunca teria ligado a chegada dela aos planos de seu pai. Quem sabe se tivesse estado menos distraído... Merda, que tipo de governante seria se não conseguisse ver as movimentações em sua própria casa?

— A princesa Leonor, onde está? – perguntou, interceptando uma criada que passava com lençóis usados nos braços. A moça encolheu-se um pouco sob o olhar urgente e cheio de uma raiva quente que emoldurava os olhos de Aleksei, mesmo que não fosse intencionalmente direcionada a ela.

— A... A última vez que a vi, estava nos jardins, alteza – respondeu, gaguejando um pouco. A moça mal terminara de proferir a resposta, Aleksei já se dirigia num passo rápido até os jardins.

Não foi difícil encontrar Leonor, a princesa espanhola era um pontinho de cor nos jardins cobertos de neve do palácio, com sua pesada capa vermelha. Por um breve momento, enquanto Leonor era apenas um ponto disforme ao longe, ele se perguntou quão louca a princesa estava se sentindo para sair ao ar livre, sendo que detestava o clima gélido de Aldan.

Quando chegou perto o suficiente para vislumbrá-la com clareza, Aleksei sentiu o coração apertar mais um pouco: Leonor era uma visão tão bonita que chegava a doer. Os cabelos compridos e castanhos dos quais ela tinha tanto orgulho desciam em ondas por suas costas. A tez mais morena destacava-se contra a neve, delineando ainda mais seus traços angulares.  Seus olhos castanhos escuros pareciam fora de foco, mas ela não demorou a notar Aleksei. A garota usava muito mais camadas de roupa para proteger-se do frio do que Alek, mas o czareviche desconfiava de que era ele o mais desconfortável ali.

— Leonor – cumprimentou o rapaz, parando ao lado da princesa. O sorriso que ela lhe ofereceu atiçou a sensação de pesar que estava tomando seu interior. Ela estava feliz, feliz com a decisão que o Czar tomara, e isso estava estampado em cada pedaço de sua expressão.

— Aleksei – respondeu ela, ajeitando a capa pesada sobre os ombros – Imagino que esteja a par das novidades.

— Sim, acabo de falar com meu pai – Deus, como contaria para Leonor? Ela não mudaria de ideia, tinha certeza – Confesso que fiquei surpreso com um resultado tão pacífico, seu pai já começou brigas por menos.

Leonor riu. A garota estava num humor incomumente bom.

— Realmente, mas ele me escuta... – ela abriu um sorriso malicioso – Ou pelo menos escuta minhas chantagens. Faz qualquer coisa para proteger a honra falsa do reinado de Ezequiel, inclusive engolir seu ego.

Aleksei se restringiu a assentir com a cabeça. Imaginou se não teria sido melhor ter deixado Leonor ir, sem nada mais que uma despedida breve. Aquilo agora lhe parecia uma péssima, péssima ideia.

— Não entendo porque está tão soturno, Aleksei – disse Leonor, ao perceber o silêncio prolongado – Essa relação estava fadada a terminar com eu e você detestando um ao outro discretamente, sem poder nos separarmos de fato. Só aproveitei a chance de acabar com tudo antes de sairmos muito machucados disso. Pensei que ficaria feliz.

— Eu... – Aleksei respirou fundo. Não deveria ser tão difícil. Não deveria sentir tantas travas para dizer algumas palavras – Não. Não estou feliz. Imaginei que soubesse o por que, mas... – sentia-se uma pilha de nervos, mas a coisa em seu interior estava estranhamente quieta. Tentou não se preocupar demais com isso – Quer dizer que nunca percebeu?

— Percebi o quê, Alek? – o garoto decidiu não responder, observando a compreensão tomar conta do rosto de Leonor aos poucos – Você não pode estar falando sério.

— Estou – disse, simplesmente.

Leonor começou a rir. Se ela tivesse socado Aleksei no rosto, teria doído menos.

— Não, não, você tem que estar brincando. – ela balançou a cabeça, em descrença – Como você, justo você, se contentou com um número considerável de conversas e um punhado de beijos para amolecer seu coração de pedra? Eu pensei que só um milagre conseguiria fazer você amar alguém.

— Coração de pedra? – Aleksei não estava ofendido com o que Leonor dissera. Não estava nem surpreso. Estava decepcionado, porque, lá no fundo, esperara que ela tivesse conseguido ver através da casca que ele criara para si mesmo.

— É exatamente o que ouviu, Alek. Não espero que compreenda, mas você é frio demais, diplomático demais, contido demais, soturno demais. Nunca me apaixonaria por você, não sou feita pra essa história de “os opostos se atraem”. Nunca lhe dei esperanças de que poderia ser de outro jeito, nem você pareceu que algum dia mudaria.

Aleksei fechou os olhos e respirou fundo. Sabia que ela tinha razão. Sabia tão bem que quase conseguia sentir nos ossos, tão bem que sentia uma raiva crescente do que Leonor dizia, porque era verdade.

— Não sei o que esperava, Leonor – respondeu Aleksei, finalmente, se permitindo desviar os olhos dela por um momento, para contar sua mentira – Devia ter deixado você ir sem saber disso, mas por algum motivo decidi contar. Faça o que quiser com essa informação, é completamente inútil para nós dois agora.

— É disso que eu estava falando. Dessa compostura de aço. Acabo de dizer que nunca teria o mais mísero interesse em você e essa é a reação que você me oferece? Isso não é amor, Aleksei – comentou com desaprovação, e se ouviu um criado chamá-la ao longe, para partir de volta para a Espanha – Desse jeito não haverá ninguém, nem a mais dedicada das almas vai ser capaz de suportar viver ao lado de um bloco de pedra. É uma pena.

— Não preciso de pena, Leonor – grunhiu Aleksei, finalmente sentindo a “coisa” começar a se agitar dentro de si – Do que preciso é me preparar para convencer uma nação inteira de que vou me apaixonar por uma das mulheres que virá para a Seleção, e, como você tão bem observou, meu jeito de ser pode atrapalhar um pouco – comentou, irônico – Mas isso são meus assuntos. Vá em paz, Leonor, e que os deuses façam seu reinado ser grandioso, onde quer que ele seja. Buen viaje.

Dirigindo-lhe um olhar de estranhamento, mas com a mesma altivez de sempre, Leonor se despediu com um aceno breve de cabeça e um sorriso torto, partindo logo depois, o som de seus passos mansos sumindo ao longe.

Assim que ela se foi, Aleksei desmoronou. Suas emoções estavam se avultando da mesma maneira que fizeram mais cedo naquele dia com Catherina, mas dessa vez ele sabia que não conseguiria contê-las. Assim, dirigiu-se para a segurança da floresta, onde o que quer que a coisa dentro dele fizesse dessa vez, não afetaria ninguém além dele mesmo.

*

A quietude fria da floresta envolvia Aleksei em toda sua imponência. Tanto, que o rapaz estava incomodamente ciente do nó em sua garganta que ameaçava sufocá-lo e dos pensamentos obscuros que ocupavam sua mente. Se antes tais pensamentos já estavam altos, agora, no silêncio indolente da natureza que o cercava, pareciam estar sendo berrados a plenos pulmões.

Três anos atrás, Aleksei aceitara a aliança com a Espanha numa resignação auto induzida, já que, lá no fundo, detestara a ideia com todas as forças. Mas não tivera maneiras de refutar: não tinha relacionamentos que realmente significassem algo, e, mesmo que tivesse, era a palavra do Czar contra a sua. Uma batalha perdida desde o início.

Então Aleksei aguentou com sua parca paciência as negociações com a Espanha, a falação incessante sobre a chegada da princesa espanhola, em sua primeira visita ao palácio. O sentimento que o czareviche desenvolvera por Leonor não aflorara como num conto de fadas, na primeira vez em que a viu. Tinha de admitir que a beleza exuberante de Leonor fora um presente aos seus olhos, mas atração física nunca o fizera se apaixonar por ninguém, e aquela não era uma exceção. Mas Leonor não era só um rosto lindo. Tinha uma personalidade facilmente inflamável e as conversas dos dois eram tão sem rodeios que não raro arrancavam olhares tortos de certos nobres que passavam por eles durante alguma discussão animada. Foi inevitável que aquela relação amistosa começasse a envolver mais contato físico. Iriam acabar se casando no final, então qual seria o problema?

Em algum ponto do segundo ano prometido a Leonor, Aleksei se descobriu completamente a mercê da princesa espanhola, como nunca estivera antes por ninguém. Se fosse em qualquer outra situação, com qualquer outra garota, Alek teria percebido o perigo desde o princípio. Mas não com Leonor. Não quando parecia tão seguro que passariam o resto da vida juntos, não quando Leonor parecia conseguir ver que ele não era a fachada que construíra para si mesmo.

E estava errado. Lógico que estava. Uma parte sua sentia-se estranhamente orgulhosa de quão sólida havia se tornado a máscara que criara para si, mas era uma parte minúscula. Era facilmente calada pelo pesar avassalador que se alojara em seu peito. Não era só a tristeza de um “coração partido”, era um desapontamento pungente. Como Leonor não percebera? Aquela mulher era tão observadora, tão perspicaz, tão forte. Como ela, sendo dessa maneira, pudera deixar passar os sorrisos fáceis, pelo menos no caso dele, que Alek oferecia a ela? Como pudera descartar o quão facilmente ela conseguia sua atenção, o quanto seu humor se iluminava a cada visita dela, como apreciava imensamente cada toque dela? Cada dança que protagonizaram nos bailes em que ela estava presente, cada olhar continha a adoração mais pura que já havia sentido e ainda assim... Ainda assim não a alcançara. Ela não quisera ver a veracidade do que sentia? Preferira acreditar que um homem sem coração como ele nunca poderia lhe dirigir afeto real, só algum tipo de obsessão? Ou ele, em algum momento de todos aqueles anos escondido sob sua armadura de ferro, deixara de apenas vesti-la para tornar-se realmente um ser humano de mármore?

De repente, toda a raiva, decepção, tristeza e dor foram abafadas por um sentimento de extremo cansaço. Um cansaço tão grande que Aleksei não teve forças para continuar segurando as lágrimas, que desceram quentes por seu rosto. Não chorava só por conta de Leonor e tudo que dizia respeito a ela. Também chorava numa espécie de luto por si mesmo, o seu eu que devia ter morrido em algum ponto caminho, e não acreditava poderia trazê-lo de volta.

Ali, no meio da floresta coberta por neve, as costas encostadas no tronco de alguma árvore mais antiga do que toda a dinastia da família do czareviche junta, com uma postura largada, a cabeça pendendo para trás, Aleksei odiava cada gota que deixava seus olhos. Há uns bons anos não chorava, e estava detestando cada segundo da experiência, embora não conseguisse parar. Uma leve pressão nas têmporas evidenciava que choro lhe deixaria com dor de cabeça, mas não era isso que tornava o evento de derramar lágrimas tão ruim para Alek. Era a sensação de vulnerabilidade, tão intensa que tinha vontade de se encolher até quase voltar-se para dentro de si mesmo, em busca de algum abrigo. Mas nem para isso tinha forças. Era como se a exaustão mental tivesse alcançado cada pedacinho de seu corpo. Se, por algum motivo, fosse atacado naquele momento, estaria inevitavelmente morto.

E houve algo que aproveitou a oportunidade para atacar. Algo, talvez, bem mais perigoso que qualquer ameaça exterior. A coisa. A força estranha que habitava Aleksei desde que conseguia se lembrar agitava-se fervorosamente dentro do herdeiro de Aldan, parecendo aproveitar-se da falta das barreiras que Aleksei diariamente impunha aquilo. Desperto de seu estado de torpor, Aleksei percebeu, em pânico, que não poderia conter a coisa. Já aflorava de dentro de si, e o garoto sentia um imenso pavor daquilo que lhe habitava, mas não conseguia compreender.

Numa tentativa desesperada, e, sabia, infrutífera, Aleksei tentou parar aquela coisa de sair de seu controle, sentindo uma dor tão excruciante que era como se alguém houvesse enfiado a mão em seu peito e estivesse esmagando seu coração. O choque da dor fez com que caísse deitado no chão, agarrado o peito numa atitude instintiva contra a agonia. O urro de dor que soltou soou inumano para seus próprios ouvidos.

A dor ajudou Aleksei voltar a si, que precariamente tentava impedir aquela força obscura de sair de seu controle, se contorcendo com o sofrimento que cada barreira que tentava erguer causava, mas, aos poucos, a coisa foi se aquietando de novo. Sentia-se completa e totalmente esgotado e dolorido, e era lógico que a situação tinha como piorar.

Alek captou um movimento ao seu redor e virou a cabeça para ver o que era, sem nem sequer dar o trabalho de se levantar, de tão exausto. Ao ver o que ali havia, poderia jurar que a força sombria em seu interior soltaria uma risadinha irônica, se pudesse fazê-lo.

Em um círculo irregular de mais ou menos dois metros entendiam-se veios negros, todos como se irradiando de Aleksei. Eles pareciam ainda mais deslocados e vis em contraste com a neve branca, entendendo-se como raízes finas e retorcidas. Uma pontada de medo atravessou o peito de Alek quando ele estendeu a mão para tocar em um dos veios, mas sua mente ainda estava confusa demais para temer de verdade. As raízes negras eram duras e angulares, lembrando uma obsidiana. Não tinha muita certeza de como, mas Aleksei sabia que eram fruto da tentativa de afloramento da coisa, e só haviam se tornado pedra porque o czareviche parara-a no meio do processo.

Um pouco depois, Aleksei deixou a floresta, tendo, um tanto desajeitadamente, quebrado cada um dos veios – descobrira serem incrivelmente frágeis –enterrando-os em um canto afastado no meio das árvores, exceto por um pedacinho pequeno, que levava no bolso.

*

O Czar olhava Aleksei em expectativa, agora que o garoto se apresentava em seu escritório mais uma vez, após quase duas horas de ausência após a saída repentina.

— O que terei que fazer? – perguntou Alek, e Damian, desconcertado pela aura de frieza que parecia emanar do filho, levou um segundo para entender.

— Como?

O sorriso que Aleksei abriu foi tão desprovido de humor que Damian sentiu um arrepio descer pela coluna. Desde quando os pais temiam os filhos?

— A Seleção, pai. Vou participar do espetáculo que você arquitetou. O que tenho que fazer para iniciar o show? – sem conseguir articular nada diante daquela versão oca de sentimento do filho, o Czar tentou se recompor.

— Amanhã anunciaremos a Seleção em uma transmissão especial no Jornal. Preciso que esteja lá e seja convincente, para incentivar o povo a aceitar a ideia. – disse, soando firme, para seu alívio.

— Como desejar, pai – respondeu Aleksei, meneando a cabeça em cumprimento ao Czar antes de ir embora.

O Czar, não pela primeira vez no dia, sentiu uma culpa horrenda pelo que estava fazendo, mas não podia voltar atrás.

*

Andando de volta para seu quarto, Aleksei percebia os olhares cautelosos em sua direção. Devia realmente parecer estranho, com as roupas úmidas por conta da neve e a falta total de expressão no rosto, mas não conseguia se importar com isso, nem com coisa alguma. Afinal, não sentia nada.

 

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado o/



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