The Kostroma Dynasty escrita por Mialee Aurestelar


Capítulo 20
Emoção e Insensibilidade


Notas iniciais do capítulo

Oie! Bom, não foi uma semana certinho, mas já melhorou kkkkkkk.

Fato desnecessário do dia: o título desse capítulo foi minha ideia sensacional de parodiar o título de Razão e Sensibilidade, e eu me achei muito genial por isso quando tive a ideia, mesmo que não seja tão inovador assim kkkkkkk.

Espero que gostem!



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“I'll be more than just a fable

I'll be written in the stars

I will never be too afraid to bleed

Giving up on me

Even when it's hard”

Glory — The Score

 

Haviam algumas coisas que Nikolai não tinha considerado quando decidira se juntar à Caçada. Não levara em conta que a maioria dos novatos eram ridiculamente mais novos do que ele, e era, de uma forma muito esquisita, como estar na universidade de novo, só que agora sem o senso de humor tonto que ele tinha aos dezoito anos que teria ajudado a aguentar aquele suplício. Não considerara, também, que a maioria deles tinha um treinamento muito mais pesado do que o dele, mesmo sendo tão jovens. Deviam sonhar com a carreira de caçador desde pequenos. Argh. Imagine, crescer fantasiando em ser um assassino. E depois os bruxos que eram os perigosos.

Mas a pior parte não era isso. Não era ter que ouvir aquele bando de adolescentes com o ego inflado falando de sua gente com o desprezo que direcionariam a um rato. Não era ter que dividir quarto com mais três pessoas, depois de tantos anos vivendo sozinho. Também não era ter que se segurar para não inflamar sua parca paciência. Não, o maior dos problemas era que, pelo bem de seu disfarce, Nikolai tinha que esquecer tudo que sabia de combate. Tinha que reaprender tudo para que Catherina não reconhecesse seus movimentos, os que ela tinha visto naquele confronto que parecia ter sido há eras. Isso também significava que ele estava no grupo dos menos habilidosos, o que era o inferno na terra. Claro, ele tinha um motivo um pouco melhor do que desgosto com seus companheiros para tentar subir depressa na hierarquia da Caçada, mas tinha que admitir que as pestes com quem tinha que conviver eram um ótimo empurrão extra. E, por isso, estava se forçando a levantar às quatro horas da madrugada para treinar. 

Nikolai podia não ser a pessoa mais atlética do mundo, mas sempre se mantivera bem e forte o suficiente. Agora, porém, o que antes era mais do que o bastante, mal chegava ao mediano, e ele tinha que correr atrás. Preferia deixar para treinar as coisas mais básicas e demonstrar sua incapacidade de fazer certos movimentos nas primeiras horas da manhã, quando havia quase ninguém - sempre havia outro desesperado, no fim das contas - para ver seu sofrimento. 

Enfim. Agora já fazia duas semanas que Nikolai estava naquela rotina de treinar como um condenado e, graças a todos os deuses, seu corpo estava começando a se acostumar ao ritmo indolente que estava sendo imposto sobre ele. E ele estava melhorando. Tinha esperança de conseguir subir no mínimo uns cinco pontos na colocação no teste dali dois dias. 

Hoje a sala de treinamento estava vazia. Nikolai apostava que era por conta do frio cortante e da neve que caíra a noite inteira. Realmente tinha demorado um bom tempo até que ele parasse de tremer, mesmo com a caminhada até ali e os aquecimentos de praxe. Ainda não tivera coragem de tirar o casaco, porém. 

Estava concentrado em o ângulo em que deveria bater no saco de pancadas à sua frente quando ouviu a porta da sala se abrindo às suas costas. Não se deu ao trabalho de olhar, convencido de que era alguém corajoso o suficiente para ter saído da cama, até ouvir a voz de Catherina se dirigindo a ele.

— Está batendo no lugar errado.

Nikolai piscou algumas vezes, assimilando a presença da czarevna. Seu tom tinha algo de instrutivo e algo de comando. Considerando o quão pouco ele vira a caçadora nos treinamentos, decidira que ela não deveria ser a melhor das professoras.

— Perdão, alteza? — nunca sabia ao certo de que jeito se dirigir a Catherina. “Alteza” não parecia apropriado para o ambiente em que estavam, mas não sabia ao certo se tinha permissão para chamá-la de “Comandante”. Ser tão educado era trabalhoso demais, sinceramente. 

— A ideia é que você consiga ganhar a briga com a menor quantidade de golpes possível — Catherina chegou mais perto — O ideal é mirar no diafragma, é mais efetivo do que um soco no estômago. Mirar nos rins também é uma boa tática. 

Nikolai apertou os olhos, tentando rememorar suas longínquas aulas de anatomia e Catherina percebeu, dando um sorrisinho de lado.

— Os rins ficam aqui — disse, apontando o que dizia no formato humanóide do saco de pancada — O diafragma aqui. A prática vai fazer com que você decore rápido. 

Nikolai fez como Catherina disse algumas vezes. Ela seguiu dando uma orientação aqui e outra ali, e ele tinha que confessar que estava surpreso com o quanto as instruções dela eram efetivas. Sua teoria sobre ela não ter didática estava se mostrando falha. 

— Seus treinadores me informaram de sua determinação e melhora rápida — disse Catherina, quando ele precisou de uma pausa para normalizar a respiração — Confesso que não acreditei até te encontrar aqui à essa hora.

— Foi frustrante perceber que minhas habilidades eram tão abaixo da média — não era mentira, mas ele teve que morder a língua para não soar irônico. Leonid tinha essa apresentação séria que não demoraria a enfadar Nikolai — E decidi que, se podia, ia fazer algo sobre isso.

Catherina balançou a cabeça, num movimento de aprovação. Observava-o com atenção. Ela podia ter baixado a guarda um pouco, mas Nikolai sentia o peso da análise minuciosa da czarevna sobre si sempre que cruzavam caminhos. Talvez viver tanto tempo sem parar com tanta gente para quem tinha que usar sua face de irmão gêmeo bonzinho estivesse sendo um grande favor para que não vacilasse diante dela.

— Veremos se está funcionando daqui a alguns dias — comentou ela por fim, prendendo o cabelo em um rabo alto, indicando que iria treinar também — Valorizamos trabalho duro por aqui, então, mesmo se subir de colocação, não relaxe.

Nikolai quase sorriu, um tanto surpreso. Ela estava implicando que acreditava que ele seria bem sucedido na avaliação? Claro que considerara que todo aquele treinamento ininterrupto geraria algum respeito ali dentro, mas não achou que fosse começar a funcionar tão cedo.  

— Sim, vossa alteza — respondeu ele, levantando-se e preparando-se para continuar treinando — Não costumo parar até alcançar meus objetivos. 

Catherina assentiu, dando a conversa por encerrada. Depois, seguiu até o andar debaixo, o andar a que Nikolai ainda não tinha direito de acessar, como novato. Onde ficavam as tecnologias finas de treinamento, as informações cada vez mais confidenciais. Eram dez andares, nove subterrâneos. Como um caçador normal, ele podia ter acesso a quatro níveis. Como caçador de elite, a sete. Os últimos dois níveis, no entanto, só poderia explorar se tivesse um cargo de comandante. Não esperava conseguir nem adentrar o grupo de elite, mas quanto mais perto dos andares finais pudesse ficar, mais fácil seria adentrá-los sem permissão. 

A perspectiva de quão longo seria o caminho pesou em seus pensamentos. A possibilidade de fazer todo aquele esforço para no final ter que correr um risco enorme e poder acabar sem nada era o suficiente para sentir todas as partes de seu corpo pesando de cansaço.

Não, não. Era muito cedo para começar a se sentir cansado. Mal tinha começado, e seria uma vergonha sem precedentes desistir agora. Não podia pensar muito, porém. E, para isso, Nikolai voltou a se concentrar em acertar seu inimigo imaginário, nos lugares corretos, dessa vez. 

*

O dedo indicador de Catherina pairou sobre o botão que iniciava a simulação, hesitante. Sabia que se começasse o treinamento desconcentrada como estava, só serviria para passar raiva. 

Cada nervo em seu corpo lhe alertava para tomar cuidado com Leonid. Já tinha um milhão de ideias na cabeça de maneiras para colocá-lo contra a parede, testar a história que contava. Certo, ele podia não ser bruxo - tinha até aumentado a dose um pouco quando o testara semanas antes, para ter certeza -, mas isso não queria dizer que estava tudo no lugar. Estava o vigiando, esperando o momento em que iria escorregar.

Contudo, vê-lo ali tão cedo e aparentemente tão focado em evoluir balançou seu coração um pouco. Não seu instinto ou sua racionalidade, não. Vê-lo ali tinha mexido com suas emoções, com suas memórias.

Catherina já estivera naquela exata posição. Aos catorze anos, quando enxergara na Caçada algo que realmente queria fazer, Catherina soube que seria a escolha mais tortuosa de sua vida. E, ela sendo ela, era lógico que tinha optado seguir pelo caminho mais difícil. 

Foram várias madrugadas e noites gastas treinando. Caindo, se machucando, errando até começar a criar calos nas mãos, a ficar um pouco mais indiferente à dor, a ganhar resistência o suficiente para não se cansar com uma corrida simples. E ver Leonid foi como ver a si mesma, a mesma determinação um tantinho desesperada em seus olhos. Não sabia se o objetivo que ele tentava alcançar com tanta ferocidade era realmente o que ele lhe oferecera no primeiro dia em que pisara naquele palácio, e deveria ficar atenta a isso. Sentira uma empatia tão forte que fora perigoso, e precisava se acalmar. 

Finalmente apertou o botão à sua frente, seguindo para o meio da sala. Esperava que combater alguns hologramas ajudasse a limpar sua cabeça tão bem quanto esquentaria seus músculos. 

 

*

— Confesso que eu não acreditava em milagres — começou Isaach, abrindo espaço para que Aleksei entrasse no quarto e fechando a porta logo depois — Mas depois de ontem, começo a botar fé nessa Seleção. Nem uma semana e já conseguiram te dar um senso de humor!

— Obrigado pela parte que me toca — resmungou o czareviche, se sentando no sofá perto da janela, seu lugar de sempre — Não estou tão crente quanto você, mas que foi divertido, isso foi. 

— Divertido? Você nem imagina o tamanho do pandemônio que criou — disse Isaach, se sentando em uma das escrivaninhas da sala para continuar a planta que estava desenhando — Devo ter recebido umas três ligações “desinteressadas” de nobres para quem prestei serviço. Estão tentando sondar o que você sabe. Coitados, nem imaginam que você não me conta nada.

— Isaach, você é tão dramático — disse Aleksei, rindo um pouco — Em minha defesa, eu não presto tanta atenção no que acontece na corte. Não nego que ouvi algumas coisas interessantes ontem, porém.

— Em que nível estamos? Alta traição? 

— Que? Claro que não — dessa vez Aleksei teve que gargalhar — Quem discutiria algo tão delicado assim em um baile no palácio

Isaach teve a audácia de parecer ofendido.

— Ora, cale a boca. — Isaach suspirou — Acho que nossa classe é muito sensível ao mais mínimo abalo à sua posição, então. 

Acha? — respondeu Aleksei, sarcástico — Isso é uma verdade universal, à essa altura. 

Isaach lhe fez uma careta, desconsiderando o que o czareviche dissera. 

— Você veio aqui com algum objetivo além de tirar sarro da minha cara, vossa alteza? — ele massageou uma das têmporas — Ressaca, trabalho atrasado e um amigo especialmente irritante não é minha combinação favorita, sabe?

— Depois sou eu quem não tem senso de humor — Aleksei não resistiu ao comentário — Queria sua opinião em uma coisa, na verdade. 

— Sou todo ouvidos — disse ele, sentando-se ao lado de Aleksei.

— E o trabalho?

— Já está atrasado, pode ficar mais um pouco — Isaach viu o olhar de Aleksei — Minha cabeça dói e eu sinceramente prefiro tentar resolver os seus problemas do que calcular mais um ângulo de 35º. Me conte suas aflições, vamos. 

Aleksei riu um pouco, mesmo com a cabeça cheia como estava. Gostava do ambiente da residência dos Mwansa, só tinha memórias boas daquele lugar, e estar ali melhorava seu humor instantaneamente, Isaach tendo grande parte nisso. 

— Conversei com todas as selecionadas noite passada, queria ter tido mais tempo, mas… — Aleksei chegou à conclusão que não tinha muito como fazer uma pergunta menos direta — Quão insensível você acha que seria mandar algumas garotas embora hoje mesmo?

Isaach piscou, absorvendo a informação.

— Bom — fez uma pausa, e Aleksei conseguia ver ele batalhando com sua sinceridade — Com certeza vai parecer uma decisão bem abrupta. E corre risco de ser insensível, sim. Quanto você já pensou sobre isso? 

— Bastante. Na realidade, pensei tanto que comecei a ter dúvidas e agora não faço a menor ideia do que fazer. 

Isaach ficou calado por um momento, pensando. Enquanto isso, Aleksei se deixou cair no que sua mente estivera remoendo desde que acordara. 

Se o baile tinha lhe provado alguma coisa, era que, mesmo aos tropeços, talvez conseguisse conduzir aquela Seleção em frente sem ser um desastre total. Contudo, nem todas as interações tinham sido boas, e seu primeiro instinto era mandar certas selecionadas embora pelo que tinha visto e ouvido. O problema era que essa ideia viera seguida das palavras de Leonor, claras como se ele as tivesse ouvido no dia anterior, acusando-o de uma frieza incurável. Passou a olhar para seu impulso com desconfiança. Estaria se auto sabotando? Desconsiderando os sentimentos das garotas? Que inferno Leonor tinha construído em sua mente, sinceramente.

— Diga, essas selecionadas que você gostaria de mandar para casa... — começou Isaach, capturando a atenção de Aleksei — Você acha que se conversasse com elas mais algumas vezes, faria alguma diferença? Mudaria o que o desagradou em primeiro lugar?

Aleksei pensou um pouco, mas, na verdade, a resposta já estava claríssima em sua mente.

— Duvido muito.

— Então não acho que haja muito o que fazer — Isaach deu de ombros — É você quem se casará com uma delas, no fim das contas. E é provável que as pessoas apreciem tanta firmeza de sua parte, mas você vai precisar ser cuidadoso nas próximas eliminações, esperar mais tempo. Assim não vão achar que você mandará embora qualquer uma que não lhe agradar de primeira. 

Aleksei concordou com a cabeça, aliviado com o conselho. Podia não ser a solução mais fácil, mas era a que lhe parecia a melhor. 

— O que vai fazer a diferença é como você falará com as garotas. Já pensou nisso?

Aleksei deu um sorriso sem graça.

— Sim. Mas tudo que se formou na minha cabeça parecia tirado de um protocolo. Eu as ofenderia menos se pedisse que um dos guardas lhes desse a notícia. 

— Essa é a ideia mais imbecil que eu já ouvi na vida — Isaach se levantou — Não acredito que tenho que te ensinar essas coisas. Vou buscar um remédio para dor de cabeça, e volto para treinarmos o que você vai dizer. Vai pensando aí, e é bom que seja uma coisa diferente para cada uma.

Com isso, Isaach saiu pela porta, deixando um Aleksei um tanto estupefato para trás. Estava agradecido, porém. A ajuda de Isaach com certeza serviria para acalmá-lo e, com alguma sorte, talvez conseguisse passar por aquilo sem ofender ninguém gravemente. E, tinha que admitir, andara tendo alguma sorte ultimamente. 

 

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Um recado importante: as eliminações de que estamos falando não são "reais". São de algumas das selecionadas que eu criei, por isso foi tratado mais superficialmente nesse capítulo. Quando houver uma eliminação que envolva as personagens de vocês, eu vou avisar no capítulo anterior.



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