jisei no ku escrita por wolfnir


Capítulo 5
5 — Scarborough Fair


Notas iniciais do capítulo

....eu odeio o nyah.

espero que gostem do capítulo!



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eu acho que vou sentir sua falta para sempre
como as estrelas sentem a falta do Sol nos céus da manhã.

— lana del rey

 

É verão e Atsushi se encontra, como em todos os dias, de pés descalços em seu jardim. Dessa vez ele está limpando as delicadas pétalas de suas rosas, que com o tempo seco, parecem acumular ainda mais poeira, deixando suas cores vivas cada vez mais opacas.

É um procedimento lento e delicado e Atsushi deixa que boas horas do dia escorram por entre os dedos para que nenhuma de suas preciosas flores morram por negligência sua. Atsushi gosta de pensar que as flores são como pessoas; elas, assim como um ser humano, precisa ser alimentada, cuidada e protegida e o platinado tenta fazer isso, quase religiosamente.

Dazai o encontra assim, sentado na grama bem aparada e ainda molhada, e sussurrando os versos de alguma canção de amor e saudade que deixa o deus maravilhado. Atsushi não é um cantor de fazer platéias chorar e aplaudir por horas, mas a cadência em cada palavra sussurrada faz Dazai pensar em como as flores — e talvez o mundo também — são sortudas em ter alguém tão bonito para lhes acalentar e ninar.

Você está indo à feira de Scarborough?

Salsa, sálvia, alecrim e tomilho

Mande lembranças àquele que vive lá

Ele outrora foi meu primeiro amor

— Atsushi-kun. — Osamu o chama, em pé na varanda da casa do menino, as mãos escondidas nos bolsos de seu trench coat que ele gosta de usar nos verões, em lembrança de um mortal que há décadas atrás o chamou de amigo.

Dazai pisca e as lembranças somem, voltam a ser guardadas em uma bagagem metafórica que o deus não gosta de abrir muitas vezes, mas nunca realmente a fecha.

— Ah, Dazai-san! Bom dia! — Atsushi se vira, mostrando um sorriso largo e de bochechas vermelhas por conta do sol. Dazai acha impossível não pensar em como o jovem mortal é adorável com as bochechas vermelhas e arqueadas em um sorriso.

— Era uma bela canção, a que você estava cantando, Atsushi-kun. — Dazai o elogia, esperando a visão cativante do jovem corando e balbuciando ao tentar lhe agradecer pelo elogio.

Mas nada disso acontece. Oh, o avermelhado nas bochechas ainda está lá, mas não há palavras incoerentes ou sorrisos nervosos; somente um olhar melancólico e um sorriso pequeno, triste demais para um dia belo de verão como aquele. Dazai não entende, mas ao mesmo tempo sim e é confuso, porque ele já viu essa mesma melancolia tantas outras vezes em almas cansadas e gastas que ele busca nas caladas da noite ou em dias serenos e silenciosos.

É recordação. Uma palavra que uma vez, em uma época em que ele ainda tentava entender porque ele existia, ele buscou conhecer o significado em todas as línguas que os humanos haviam criado.

Dazai sente que não deveria perguntar, mas a curiosidade sempre foi algo muito entrelaçado ao seu eu, ele sempre foi muito expressivo quando se tratava de algo que lhe chamava a atenção, e o sorriso de Atsushi naquele momento havia pego seu interesse.

— Está tudo bem Atsushi-kun?

A pergunta, claramente, pegou Atsushi de surpresa, não esperando que o deus reconhecesse seus sentimentos. Não deveria ser, realmente, uma surpresa; Atsushi sempre carregou seu coração em suas mãos estendidas em busca de entendimento.

Mas Atsushi não deixa de pensar que Dazai, como um deus, não deveria entender tanto de coisas humanas. É, talvez, algo ofensivo, mas os deuses nunca pareceram simpáticos para o platinado.

Ele aprendeu cedo que os seres divinos eram superiores e mereciam somente a mais pura adoração e submissão. Atsushi nunca acreditou muito nisso, mas algumas vezes era difícil não voltar aos velhos hábitos de sua infância, mas ele sabia que o deus a sua frente merecia mais que pura submissão temerosa.

Afinal, eles eram amigos. Ou pelo menos Atsushi considerava Dazai um amigo.

— Eu aprendi essa música com alguém muito especial para mim. Ela era dona dessa casa antes de mim. — Atsushi responde Dazai, deixando sua mente vagar para alguns anos atrás, quando havia sempre duas xícaras de chá lavadas e um chapéu de verão com um laço bonito de cetim ondulando com a brisa de verão.

— Oh? Sua mãe? — Dazai pergunta, agora ainda mais interessado. Atsushi nunca foi muito de compartilhar sobre sua vida pessoal; claro, ele falava sobre suas poucas amizades e de curiosidades estranhas sobre flores e ervas, mas Osamu nunca havia o ouvido falar sobre alguém especial, alguém da família.

— Não, não. — Atsushi riu leve. — Eu nunca tive uma mãe ou pai, sou órfão de nascimento, Dazai-san.

Isso pegou Dazai de surpresa. Ele nunca teria imaginado que Atsushi fosse órfão, o menino era tão bondoso e gentil que o deus só conseguia imaginar que sua criação havia sido regada de amor e carinho. Claro, havia a possibilidade de que as pessoas do orfanato foram tão bons quanto possível, mas pelo que Dazai conhecia dos humanos, quase nada substitui o carinho de uma mãe ou pai.

— Órfão? Eu não sabia disso, Atsushi-kun. Então… Quem era a antiga dona dessa casa para você? — Dazai esperou, observando atentamente as emoções que tremulavam nos olhos expressivos do platinado.

O deus não queria causar sofrimento desnecessário — o que ele achou irônico, considerando boa parte de suas experiências naqueles milênios de existência. Se Atsushi se mostrasse muito angustiado diante das perguntas de Dazai, então ele pararia imediatamente o pequeno interrogatório.

Osamu não saberia o que fazer se o humano passasse a chorar. Ele não poderia fazer o mesmo de meses atrás, uma presença silenciosa não seria o melhor modo de consolar Atsushi. A dor era bem mais profunda e pungente que o luto que, meses atrás, Dazai sentiu escorrendo pela aura do menino.

— O nome dela era Haruno Kirako. Eu costumava chamá-la de Haruno-san. Ela odiava essas formalidades, mas nunca conseguiu me impedir de chamá-la assim. — Atsushi riu, relembrando das reclamações animadas de Haruno ao ser chamada de modo tão formal.

Dazai continuou o olhando, admirando as reviravoltas de dourado e roxo dos olhos de Atsushi diante de tantas memórias.

— Ela me salvou. Quando fui expulso do orfanato, eu não tinha nada em mim além da roupa no corpo, eu passei dias vagando sem nada para comer, até que eu estava tão cansado que desabei em frente a casa dela. — Atsushi, mais uma vez, riu leve, se lembrando de como Haruno havia o encontrado jogado e sujo em frente a sua portinhola e do grito ensurdecedor da mulher ao perceber que havia alguém morto a sua frente.

Dazai sentiu algo se revirar dentro de si ao ouvir o relato de Atsushi sobre sua vida antes daquele jardim e da bondade daquela mulher. Ele nunca teria imaginado que alguém tão doce como o platinado pudesse ter tido uma vida tão difícil. Mas Osamu não deveria ficar tão surpreso assim, o karma havia sido um modo de Fukuzawa e Mori governarem os destinos dos mortais de modo igual.

Tudo que se planta, colhe. Aquela havia sido uma das frases mais bem explicativas que Dazai já havia escutado quando se tratava daquele contrato entre os dois deuses. Dazai queria xingar aquele maldito acordo entre seus Criadores, mas ele bem sabia que, nem sempre, as pessoas colhiam coisas boas para ganhar coisas melhores. Às vezes era necessário que se colhesse o mal para ganhar algo melhor.

No final, a barganha não era sobre justiça — não importava o que Kunikida lhe dissesse, aquilo era só sua desculpa do porquê humanos bons sofriam mais que os maus —, era sobre quem ganharia no cara ou coroa para controlar os fios do destino de cada alma.

— Então ela deixou você morar aqui? — Dazai decidiu perguntar, não querendo pensar em toda a bagunça que era o Panteão. Sua família de tão excêntrica chegava a ser corrupta.

— Ah bem, no começo eu não tinha essa intenção; de ficar. Eu só queria um prato quente de comida e um lugar para passar a noite. — Atsushi o contou, olhando para baixo como se estivesse envergonhado. O menino levantou a cabeça e voltou seu olhar para o jardim a sua volta. — Mas então eu vi esse jardim e eu nunca me senti tão acolhido e seguro em toda minha vida e depois de alguns dias eu nunca mais quis sair. Aprendi tudo que tinha para aprender com Haruno-san.

Os olhos de Atsushi estavam lacrimejados, demonstrando que relembrar aqueles dias nem sempre era um motivo de nostalgia feliz. Dazai sentiu a avassaladora vontade de se aproximar e abraçar o menino, mas não teve coragem. Consolar humanos abertamente não era algo que deuses faziam, afinal.

— Atsushi-kun. — Dazai o chamou, tirando o menino de qualquer devaneio que estivesse tendo. Estava na hora de mudar de assunto, o deus não queria fazer Atsushi chorar e, pela clara falta da presença da tal Haruno-san, Dazai já tinha uma boa ideia do que havia acontecido; ele não precisava de detalhes se isso fosse machucar o jardineiro.

— Sim, Dazai-san? — Atsushi olhou para o deus, observando os olhos suaves o olharem com um sentimento que o platinado não conseguia nomear, ele tenta, mas Dazai pisca e a emoção que havia lá sumiu, deixando o platinado curioso.

O deus sorri, se aproximando de Atsushi e colocando uma mão entre suas omoplatas, o guiando silenciosamente em direção a pequena cozinha.

— Obrigado por compartilhar essa história comigo. — Dazai o agradece, pois não sabe exatamente o que dizer, mas o deus também não quer parecer que não se importa com o que Atsushi o contou.

O menino arregala os olhos, algo indescritível brilhando naquelas orbes únicas. Dazai gosta de os comparar a jóias raras e, talvez, até mesmo desconhecidas. Atsushi sorri, e o brilho aumenta, encantando o deus.

— Diga, Dazai-san. Você já provou chá gelado?

 


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Notas finais do capítulo

▶ vocabulário:

↠ feira de scarborough: é uma canção tradicional inglesa de autoria desconhecida. A canção teve muitos intérpretes e versões, sendo as mais destacadas a gravação feita pela dupla Simon & Garfunkel e a versão do grupo irlandês Celtic Woman. O nome Scarborough Fair é uma referência à feira de Scarborough, que, na idade média, era um dos maiores pontos de referência comercial da Inglaterra.

↠ a frase no inicio do capítulo pertence a música summertime sadness da Lana Del Rey.

↠ salsa, sálvia, alecrim e tomilho: No segundo verso são repetidas essas palavras; é possível que seja uma alusão ao compromisso do cantor com sua amada. Seus respectivos significados seriam: eu quero que você seja a mãe dos meus filhos; sou fiel; pense em mim; eu sou seu.

↠ limpar rosas com um pano: é comum na jardinagem fazer isso quando o tempo está muito seco, pois é fácil para que se acumule fragmentos de poeiras nas pétalas das rosas. É um processo extremamente delicado, que deve ser feito com cuidados extras para que nenhuma das pétalas sejam danificadas no processo.

↠ Haruno: eu tenho que dizer que quase usei outra personagem ou criei uma nova. Minha verdadeira primeira opção seria Yosano, mas eu troquei de última hora, pois tenho outros planos para ela! Haruno sempre me pareceu alguém dedicada, então não seria uma grande surpresa se ela fosse uma incrível jardineira por pura dedicação! Eu acho que a Kirako é, muitas vezes, esquecida no fandom e eu odeio ver isso. Ela é uma ótima personagem, com uma amizade bonita com a Naomi e uma gentileza também muito apreciada, mas ela também consegue ser um alívio cômico quando citam seu gato ou das histórias dela bêbada! Eu totalmente consigo imaginar Atsushi e Haruno tendo um vínculo amigável, já que os dois são "trabalhadores duros" e é engraçado pensar em como Atsushi é um dos membros mais "esquisitos" da ADA, mas é incrivelmente normal quando exposto as interações da ADA; já Haruno parece ser a mais normal de todas, sem ter nenhuma habilidade, mas a força física dela e sendo parte das loucuras de costume da ADA, fazem dela muito pouco uma "pessoa normal".

↠ Kunikida: nosso querido Doppo é a versão dos deuses: Thêmis, Dice/Justiça, Forseti, Maaf e Mafdet. Sua função é, não só prover a justiça no mundo mortal, como também manter o "reinado" dos Criadores o mais justo possível.

jesus kdsjf minhas notas são maiores que o capítulo.



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